terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O cafajeste italiano


A tia dizia que viver na Itália era a melhor coisa que lhe tinha acontecido. A tia casara com um italiano e não precisava neste exato momento estar a limpar as borras de café no balcão de um bar sujo de Palermo. E a única coisa que lhe enchia os pensamentos era a música dos titãs Go Back. A música incorporava-se em seus dedos e quando via estava a murmurar e sacudir a cabeça enquanto o pano ficava castanho e a  fórmica insistia em ficar apenas borrada ao invés de limpa. O sino que anunciava a chegada de um cliente tocou, ela virou-se ajeitando o avental. Tinha a franja sobre os olhos quando deu com o par de olhos mais azuis que o mar mediterrâneo, sentiu os pelos do braços a eriçarem. Nunca fora mulher destas coisas, de arrepiar, de acelerar o coração por qualquer um. Sinceramente nem lembrava-se se algum dia sentiu isto a não ser por aquele homem de metro e noventa e olhar insistente. Ele fechou a porta atrás de si, pois já estava habituado que a mola estava quebrada desde sempre, deixando o frio e a chuva fina longe dali. Queria dizer-lhe com ar emburrado que o estabelecimento fecharia dentro de minutos, mas conteve-se sem saber se o fazia pelo seu  italiano ser terrível ou se porque o homem sabia disto e mesmo assim perseverava com aquela mania. 
Às vezes ela permitia-se olhar por de trás de um manto de timidez quando lhe preparava o café e o pão  que usualmente pedia. Devia ter 35 a 40 anos a julgar pelas têmporas que tinham caracóis mais prateados que no resto. A barba devia ser estrategicamente aparada para manter-se sempre barba por fazer de dois dias, coisa que ela não apreciava em homem nenhum. Mas o pior disto era o sorriso e a aliança na mão esquerda. E sua solidão. Por ela seria capaz de não reconhecer-se e fraca, deixar-se levar por alguns minutos nos braços de alguém. E assim foi quando naquele dia ele fizera mais um convite para um passeio pela praça (que ela suspeitava que o fim seria no hotel mais próximo). 
Ele amparou cuidadosamente seu braço quando trancava a porta, pois que tremia de frio e nervosismo, embaixo do guarda chuva que ele pacientemente segurava. Era como a chapeuzinho sendo levada para a casa da vovozinha pelo lobo mau. Mas não era assim tão inocente, neste caso a chapeuzinho era tão culpada quanto o lobo. E assim eles saíram um pouco abraçados pela chuva fina e gelada, que molhava seus pés e a barra da calça justa. Ele ia lhe dizendo coisas no caminho, algumas ela entendia, outras não tinha mesmo vontade de esforçar-se para isto. Mas era algo como aproveitar o momento, carpe diem, estas coisas. Perguntava-se se este seria o lema de todos os traidores deste mundo a fim de justificarem o fogo desmedido por entre as calças.
Chegaram no quarto e enquanto ele servia um vinho que havia pedido no balcão, ela engolia-se na cadeira. Olhava para a janela e via-se refletida no vidro húmido. No entanto o vinho descia e uma onda de calor brotou em seu corpo já tão cansado de culpa. O homem lhe explicava que estava apenas preso às mãos, mas que o membro não tinha qualquer parte no compromisso que havia feito alguns anos atrás. Pôs-se a beijar-lhe a nuca e afagar-lhe os seios. Alguma coisa dentro dela sentia-se crescer e esquecer do mundo, deixando apenas atenção para o seu corpo jovem. 
Foram finalmente para a cama. Revezavam-se no poder que exerciam sobre o outro. Eram momentos de paz e gozo, de dor e presença. Riram. Exploraram. Deixaram que seus corpos se conhecessem. E dali conseguiram um empate, dois a dois. Entre mortos e feridos salvaram-se todos. E não sabe se foi pelo vinho ou pelo sexo, haviam fugido horas sem que percebesse. Agora nos lençóis brancos apenas ela, nua e crua de vergonha. O cafajeste devia estar dizendo habilmente mentiras em sua boca adocicada pelo seu perfume. Ela levantou-se ainda sem equilíbrio, os cabelos confusos em espirais, os pés tontos de encontro às roupas. Pelo menos ele havia pago o alojamento, ela até poderia passar a noite longe de seu quarto alugado em Corleone. Mas vestiu-se e deixou o lugar, pelo menos isto podia deixar. Já que ao cafajeste ninguém abandona.  E quando finalmente o céu a tinha sob custódia, maldisse a tia, a lua, os deuses todos, encolhida no casaco carmim. Tinha raiva desta sina feminina que procurava o amor em qualquer esquina, e que ao mesmo tempo desculpava os homens que partiam incólumes a sua vida. Dizia a si que nunca mais com aquele estrangeiro, mas sabia que a solidão voltava... e não só voltava como nunca a abandonou. 

2 comentários:

  1. tao lindo!!
    Isto foi vida real ou uma historia? Escreves tao bem ;)

    Bjs
    Marina

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  2. Obrigada Marina! Bem quando escrevo há sempre um bocadinho de mim, mas não passei por isto, foi só a minha imaginação.
    beijinhos

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