domingo, 29 de dezembro de 2013

Elisa (parte final)

Stephane acariciou o rosto de estátua da mulher. Tinha os cabelos negros espalhados pelas costas que desnudavam apenas parte dos seios. Passou a mão pela cintura, pelas coxas que o tempo tinha tratado de tornear. Já não era mais a menina assustada que ele havia tomado a virgindade. Ela soltou uma palavra indecifrável e virou-se para o outro lado. Ele voltou a cobri-la com cuidado, lhe pedindo perdão enquanto o fazia. Passou pelo berço onde dormia seu filho e admirou quem sabe pela última vez, o sono tranquilo do bebê. Retirou o anel, presente do rei  quando salvara-lhe a vida, e depositara em cima da mesa ao lado do jarro d'água. Não havia conseguido dormir nada depois que fizeram sexo, passou a maior parte do tempo vigiando os suspiros que Elisa soltava durante o sono. Mas já era tempo de se ir, vestiu-se e amarrou com cuidado o saco de moedas de ouro em uma bolsa na sela do animal. Deixou algum dinheiro sob o colchão na esperança que a esposa o achasse antes de trocar a palha. Porém temia que tal não fosse necessário, provavelmente Philippe lhe tomaria a propriedade, dando-a para quem lhe trouxesse sua cabeça. Rezava para que poupasse a vida da mulher e da criança, que nada tinham a ver com sua traição e parecendo que não, o fato de ir sozinho ao invés de um ato de egoísmo, era a melhor forma de garantir a segurança de sua família. Era  ele quem o rei queria e levá-los só o atrasaria, tornando o trabalho deste mais fácil. Ao menos Vianca teve a amabilidade de mandar sua aia de confiança avisá-lo há três dias. A mulher trazia nos olhos azuis o medo da rainha. Trêmula lhe implorava para que fugisse e salvasse sua vida. O rei havia demonstrado nos últimos tempos o quanto estava desgostoso com a origem do herdeiro. 
Stephane nunca soube o quão providencial fora a decisão de partir no meio daquela noite de lua cheia, em que conseguiu pela claridade, tomar atalho fora da estrada real, sempre com cuidado para não ser surpreendido por algum grupo de ladrões. Fora vestido com roupas simples para passar-se por um  mero camponês, embora tivesse de ter cuidado constante para ocultar o porte imponente de cavaleiro real. Encurvou-se sob a capa de lã e galopou até o dia virar noite novamente, só parando para deixar o animal tomar água.
Quando Elisa viu o homem baixo e calvo a entrar em sua casa, ficou por instantes atordoada. Marie pegava a criança que chorava lá dentro e ela ao ver o brasão da casa Gautier rapidamente percebeu de quem se tratava e fez uma vênia meio atrapalhada pelo susto. 
- Em que posso servir meu Senhor?
- Procuro por Monsieur Stephane. Diga-me onde ele está. - Falou rispidamente a cuspir-se o rei. Elisa levantou o rosto e evitou limpar a saliva que ele lhe tinha jogado.
- Juro pela Virgem, não sei onde ele está. Pensei que era a notícia de sua morte que me traziam. Faz dois dias que não o vejo. Por favor meu Senhor, se souberem do paradeir... - Philippe retirou a mão para que a mulher não a beijasse. Virou-se para os homens que naquele momento voltavam para os cavalos não tendo achado indício nenhum do traidor:
- Peguem esta mulher e a criança também!
Dois homens grandes e fortes a carregaram para a garupa de um, não fazendo qualquer esforço frente sua resistência concentrada em um metro e cinquenta de raiva e medo. Outro arrancou das mãos da criada o menino em prantos. Foi com o olhar desfocado que viu por entre lágrimas, a casa de pedra e janelas exíguas ficar cada vez menor no horizonte e apesar de não enxergar mais nada, sabia que Marie ficara em pé, toldada de surpresa e choro. As lágrimas inofensivas, além de às vezes a própria vagina, eram infelizmente as únicas armas de uma mulher.
Elisa fora jogada e trancada juntamente com Dominic em um dos quartos de hóspedes do castelo. Não lhe falaram nada, nenhuma explicação para os tratarem como cães, mas desconfiava que aquilo só podia ser coisa de Stephane. O que havia aprontado para o rei? Roubou-lhe algo? Ao cair da noite, uma criada entrou com uma bandeja de sopa e um punhado de pão para dividir com o pequeno. Trouxe mais tarde, panos e água morna para lavar o bebê que já tinha se borrado pelas pernas, e permaneceu na tarefa calmamente enquanto Elisa comia o resto da sopa. Depois agarrou no menino e ia abrindo a porta quando a mulher lhe puxou o braço. A criada apenas balançou a cabeça com olhar maternal, como a dizer, não adianta de nada minha querida e garantiu-lhe com um olhar de ternura que não maltrataria Dominic. 
Elisa sentou-se na cama com o olhar fixo na lareira, as paredes eram tão frias e úmidas que tinham de acendê-la o ano todo. O fogo levantava labaredas como um réptil a alçar as pedras enegrecidas pelo tempo, encolhia-se e espreguiçava ao sabor da brisa que entrava pelas frestas da janela. Do outro lado do aposento, uma vela morria aos poucos iluminando palidamente o leito e a mesa onde se encontrava. A porta abriu-se de assalto, tirando a moça de sua hipnose voluntária pelas chamas. Philippe puxou-lhe os cabelos e enfiou a língua para dentro de sua boca. Empurrou-a para cama sem dizer nada e ela em um mutismo resignado, deixou que ele amargasse a raiva em seu corpo por uma e outra vez. Foi assim durante todas as noites em que a manteve em cativeiro, deixando que visse seu filho apenas em raros momentos. Até Elisa notar a falta de seu período, e por ironia, a prisão que lhe tinha sido a gravidez anterior, fora o que a libertou desta vez. Pôde enfim andar pelos corredores e frequentar os jardins internos do castelo. Olhou para  o céu que se abria para o sol fugaz da manhã. Nos bancos, perto da estátua de um querubim, estavam duas mulheres a conversar animadamente e aos seus pés, Dominic brincava com outro menino mais novo. Elisa aproximou-se devagar, e à medida que o fazia, envergava um sorriso do tamanho da ansiedade que estava de pegá-lo ao colo. Já falava e corria com a audácia que os dois anos traziam às crianças. As duas cabeças escuras a balançarem os caracóis passaram em sua direção aos guinchos de alegria. Elisa estacou ignorada no meio, mas pode surpreender-se com o rosto muito semelhante dos dois. Foi então que entendeu o porquê de tudo aquilo. Os olhos da rainha, duas pedras jade a observá-la, convidou-a a sentar-se ao seu lado, certa de que apenas naquele momento a jovem tomara conhecimento da verdade. Elisa sem saber de si, assentiu e deixou que a outra pegasse em sua mão e entrelaçasse os dedos nos seus. 
- Fernand e Dominic serão grandes amigos. - Ainda achando a situação caricata demais para ser real, Elisa preferia o silêncio. - O Senhor Philippe não desistiu de procurar por Monsieur Stephane, mas irá...com o tempo. Já enforcou metade da vila que ousou duvidar de minha fidelidade e o resto acabará entendendo que isto é muito melhor do que deixar o reino dilacerado por não ter sucessor. Acalma-te, criança. - Ao ver que ela chorava sem conter os soluços, Vianca puxou-a para seu colo. - Vai ficar tudo bem. Que seria de nós mulheres se não nos aliarmos umas com as outras? Philippe já lhe fez um filho, estão quites os dois. Calma...calma....pshhhh....eu sei...vai ficar tudo bem... 
Elisa chorava pelo filho sem nome. Chorava por ela mesma, virada em concubina do rei,  sem casa e com um marido traidor da coroa, chorava por seu ventre agora transformado em instrumento de vingança. Chorava por não ter escolhido o convento e por saber ao mesmo tempo que a outra opção não seria tão melhor que aquela. Chorava porque tinha a certeza que choraria até o dia de sua morte e que possivelmente nem ela lhe livraria de tal maldição, a de não ter nascido com um membro entre as pernas. E era ridículo como um pedaço tão pequeno de carne, fazia tanta diferença na liberdade de alguém. E chorava...



* Como tinha dito, esta história foi baseada quase que totalmente em um sonho que tive e é uma pena que tenha acordado sem saber o que houve depois disto. O que aconteceu com Stephane, com Elisa e Dominic, se voltaram a se encontrar, se fugiram, se o mataram...não sei. Ficou apenas a insatisfação das histórias sem final e o marido sabe como fico quando assisto um filme assim.



Comigo é assim

Falei uma, duas e três vezes e já não me interessa se é de propósito ou não. Pela terceira vez meu sofá branco foi riscado e a minha resposta foi: desenho em casa nunca mais. Para o diabo que a carregue "expressão artística", se quiser desenhar que o faça na escola. Aqui não tem palminhas para sofás riscalhados, nem moldura em parede pixada. Aqui tem educação, pois que se não for assim daqui a pouco estamos como? O rapaz já quebrou a tv de plasma da minha mãe e lá não pude fazer nada porque não deixaram, mas aqui... ai ai, ele que não pense nisto ou vai lembrar-se por muito tempo. Acho o "Ó" os pais que aplaudem estas "artes" dos filhos, e soltam um resignado "crianças são assim mesmo, querias  o que?".  Será que há meio século atrás era assim ou as crianças andam com as manguinhas muito de fora ultimamente e ninguém quer fazer nada por isto? Pois aqui não.

sábado, 28 de dezembro de 2013

Elisa (parte 6)

Era uma tarde morna de verão quando o rei aproximou-se de seu fiel amigo. Tinha os poucos cabelos loiros que emolduravam a careca a reluzirem no sol. Stephane notou que depois da última campanha, esta tinha aumentado ainda mais. Philippe tomava largos goles do vinho em um cantil de couro com o bico trabalhado em prata. Ofereceu-lhe, mas ele recusou. Não sabe se era do calor ou da saudade da mulher ou do medo de ser descoberto, mas ultimamente fazia o possível para não beber, principalmente quando estavam apenas os dois.
Philippe quebrou o silêncio com sua voz pastosa:
- Parece que vou ter outro filho.
- É mesmo? Parabéns...e que seja homem! - Falou sem demorar-se nos olhos azuis do rei.
- O que houve meu amigo? Não está feliz com o teu rei? 
- Não é isto... - disse o cavaleiro vacilando no tom de voz. - É que faz muito tempo que não vejo os meus. Minha mulher não mandou notícias da última vez que o mercador por lá passou. E a novidade fez-me lembrar do meu pequeno, imagino que esteja quase a andar por suas próprias pernas! - Philippe estalou os beiços pensando que a missão do amigo já tinha terminado há mais de duas luas. Não tinha razões para prendê-lo por mais tempo.
- Então façamos assim: ficas até a festa de anunciação e depois vais para casa. Que tal? - Deu-lhe dois tapas nos ombros como permitia uma amizade que ia desde a adolescência. Amizade esta que a estupidez de sua rainha estava prestes a desmoronar.
Stephane aceitou desta vez um pouco do vinho e nunca o líquido desceu-lhe tão mal pela garganta.
Dominic enchia as mãos de terra e ria quando Marie tentava impedi-lo de colocá-las na boca. Elisa observava da janela enquanto fiava um fio muito fino e tingido de amarelo, que serviria depois para mais uma roupa para o filho. Ao longe na estrada de pedras, aproximava-se o cavalo negro do marido, era uma imagem tão esperada que quando finalmente se tornara real, ela não conseguia acreditar. Dez meses e alguns dias era o que os havia separado. Quando ele partiu, Elisa viu-se livre pela primeira vez na vida e ao invés de ficar imensamente feliz sendo senhora de si mesma e da sua própria casa, começou a sentir um vazio estranho. As folhas balançaram nos galhos, o frio chegou, a chuva, a neve, o orvalho. O sorriso do filho, as gracinhas, viu que já sentava sozinho e agora tentava por-se em pé segurando-se  nos móveis. Quando olhava para Dominic ainda lembrava mais do pai, ele tinha os seus olhos, a sua boca e os cabelos em caracóis. Fora tanto tempo a sonhar com sua vinda que agora era difícil acreditar que ele finalmente voltara. A pergunta agora era "por quanto tempo"?
O marido apeou do cavalo já com os dentes em fileira, agarrou no bebê que o olhou curioso e lhe apertou o nariz. Stephane sorriu e voltou a pô-lo no chão para agarrar a esposa que se encontrava estacada na porta. Pegou-a no colo e mordeu seus lábios com fúria:
- Achava que te livravas fácil de mim, minha pequena? - Elisa viu-se agarrando seu pescoço e permitindo outras demonstrações de carinho.
A mulher gemia quando a outra lhe amarrava o ventre. Todas as manhãs Vianca se submetia a esta pequena sessão de tortura, pois era a única maneira de tornar credível que aquele filho que esperava era legítimo. Às vezes virava para a criada e dizia para apertar mais.
- Mas vai fazer mal ao bebê minha Senhora...
- Aperta! - Dizia com a voz entrecortada de dor.
Tinha certeza de que esperava um menino. Tivera um sonho um mês antes do marido partir, em que via um homem de peito largo e cabelos escuros a vir em sua direção com o pênis ereto. Este homem dizia para que deitasse que ia lhe dar o que o frouxo do seu marido não conseguira. Vianca acordou sobressaltada e ao mesmo tempo com vergonha e molhada de desejo. Não viu o rosto do amante, nem encaixou-o em nenhum dos homens que cruzava diariamente, mas quando o rei anunciou que  ia deixá-la nas mãos de Stephane, seu melhor cavaleiro, fez-se luz.
Com a chegada da décima lua, Vianca viu concretizar-se o maior desejo de uma rainha, a parteira lhe estendia entre panos ainda úmidos de sangue, o menino que havia lhe sido prometido. Chorava de alegria. Era mais de dez anos de tentativas frustradas, de cochichos nos corredores de que tinha o ventre amaldiçoado, de preocupação do marido a pairar sobre alguma disputa futura e provável desmantelamento de seu reino, caso não conseguisse uma boa aliança através de Aurélie. Agora finalmente podia sentir-se segura ou pelo menos o que permitisse de segurança a alta mortalidade infantil daqueles tempos. Se tudo corresse bem nos primeiros anos e se a peste mantivesse-se afastada dali, era bem possível que ele chegasse a rei.
Quando levaram o bebê para Philippe, ele o carregou e foi em direção à lareira para vê-lo melhor. Não perecia nada com um prematuro, embora ele não soubesse grande coisa de prematuros, sabia de outros três bebês de termo que havia segurado anos antes. E este lhe parecia bem robusto, tanto quanto suas filhas o foram. Perscrutou os olhos cinzentos e indefinidos do recém nascido. Talvez ficassem verdes... Depois reparou nas bochechas rosadas e no cabelo negro. Aurélie tinha os cabelos assim quando nasceu e depois caíram para darem lugar a uma cabeleira loura e farta. Suspirou, antes de devolvê-lo para os braços da aia.
- Diga para a Senhora Vianca que é com muita satisfação que o nosso herdeiro carregará o nome do meu avô. Ele vai se chamar Fernand Gautier. - A moça assentiu e saiu silenciosamente, fechando a porta logo atrás de si.
Os meses passaram e a desconfiança aumentava para Philippe. Os cabelos do pequeno Fernand cresciam ainda mais escuros e formavam pequenos caracóis nas pontas. Procurava em vão a lembrança de algum parente a quem tivesse puxado e pela sua parte não fora. Os olhos eram de fato verdes como os de sua mãe e por mais que procurasse parecenças entre eles, sentia ao invés disto, uma raiva crescente em direção à alegria incontida de Vianca. Sabia que a mulher tivera amantes, durante sua vida conjugal ele não fizera questão de conquistar sua simpatia, muito menos o seu corpo. No entanto ela tinha conhecimento de que seus casos, tanto como os dele, tinham de ser discretos e mais ainda, não poderiam nunca lhe trazer um bastardo à porta. No fundo sabia que aquele menino não era seu, mas e agora: continuava com a farsa ou ameaçava tudo que sua linhagem conquistara até então? À medida que as pessoas iam tomando ciência da aparência do futuro rei, cresciam rumores de que este podia não ter legitimidade para reinar. Já cansado de ser alvo de intrigas, Philippe encostou literalmente Vianca à parede.
- Não sei do que o Senhor está falando. Este filho é teu, o sangue dos Bourdignon e Gautier lhe corre nas veias!
- Vou perguntar pela última vez antes de eu mesmo começar a apunhalar tuas criadas pessoais. - Calmamente o homem retirou a adaga e depositou no leito da esposa. Vianca tinha os cabelos soltos e suados, seu peito pulsava ao ritmo do galope de um garanhão selvagem. - Quem é o pai deste menino?
- Posso contar, mas o Senhor promete-me que não irá matá-lo?
- Prometo.
- Foi Stephane... - A mulher deixou cair o seu nome no silêncio carregado da expectativa do marido.
- Desgraçado...como pôde? - Esbravejou o rei ferido de forma fatal em seu orgulho. Poderia esperar de qualquer um, de François, o capelão, de Marc, o chefe da guarda, de qualquer camponês ou harpista, mas nunca dele... Jamais dele... Especialmente ele a quem confiava sua própria vida, suas filhas e seu espólio. Na verdade parte dele sabia, o rapazinho puxava-lhe o tamanho e muito de suas expressões. Se passasse mais tempo com ele, teria chegado a esta conclusão sem ao menos ter de perguntar à Vianca. Guardou novamente a adaga com os olhos pregados no rosto pálido de sua algoz: Vou matá-lo.
- M...mas tinhas dado a tua palavra de honra que não farias nada...
- E não vou fazer nada...ao menino. Já ao pai...nunca te alimentei esperanças, minha Senhora. Tu mesma é que o fizeste. - disse isto e saiu com meia dúzia de homens para além dos muros altos e sombrios. E a rainha desconfiava que o coração do marido jazia igualmente em um fosso tão fundo quanto o que separava o mundo do castelo de pedra.

Dos rituais

Certo tempo atrás deixei de acreditar em rituais. Não fui na minha "formatura" do segundo grau, nem a do primeiro. Achava ridículo  formatura no período escolar: para quê? Pensava eu maliciosamente que devia ser para as "Patis" da escola que passavam o ano a conversar e que aquela palhaçada era o máximo que conseguiriam de graduação na vida. Por isto abstive-me de festas e aluguéis de toga e intermináveis discussões sobre qual empresa de eventos seria a melhor e ao mesmo tempo a mais barata. Caguei e andei para as passas de ano novo, para as lentilhas, para  os sete pulinhos depois da meia-noite. 
Quando chegou finalmente a minha formatura na universidade, preferi fazê-la em gabinete e mais tarde, sequer esperei pela entrega do diploma. Minha mãe recebeu-o por procuração para mim. Não houve festa, nem nada. Não houve fotografias com o chapéu de plumas, nem o tão famoso "toma" com o braço para cima em sinal de despeito a segurar o canudo. 
Casei no cartório, ou melhor, na conservatória. Não houve vestido de noiva com direito a saia volumosa, nem bordados de pérolas falsas, não houve marido de terno ou smoking. Mas houve um jantar na casa da guia, era o que podia-se fazer na época e eu que não "acreditava" mais em rituais, dei de ombros.
Acontece que com o passar dos anos, comecei a olhar com mais complacência para eles. Não, não precisamos de rituais para viver, no entanto não posso negar que para a maioria das pessoas, eles dão algum sentido à vida. O batizado de um filho, a festa de quinze anos da jovem, o primeiro salário que recebemos. Somos nós que damos significado para as situações, e se acreditarmos que a vida vem em ciclos, como a natureza, nada mais lógico do que 

Elisa (parte 5)

Stephane olhava para a tapeçaria pendurada no outro lado do quarto. Uma mulher nua em tamanho real rodeada de anjos, os seios com róseas auréolas lembrou-lhe Elisa. Mas esta ultimamente os tinha escuros enquanto amamentava o pequeno. Tinha saudades daquela potrinha selvagem, como a chamava em pensamento e, a imagem dela a pairar sobre seus pés delicados, seus cabelos longos em tranças cheirando a gardênias, invadiu-lhe como uma onda de melancolia sem fim. Fechou os olhos de forma a que a imagem desaparecesse, afinal não estava acostumado à tristeza, mas a escuridão apenas pareceu engoli-lo com suas mãos de fêmea ardilosa. Stephane voltou a abrir os olhos, o quarto na semi-penumbra lhe garantia que faltava pouco para o dia amanhecer. Suspirou devagar e levantou-se sem grande alarde, vestiu a camisa de dormir, passou os dedos nos cabelos desgranhados e deixou os aposentos da rainha. 
Vianca levantou-se bem disposta, aliás era difícil o dia em que não estava feliz aquando a ausência do rei. Sentou-se à mesa e começou a enfardar biscoitos de mel com um copo de cevada. Virou-se complacentemente para Aurélie, sua filha mais velha e ofereceu-lhe um dos doces de seu próprio prato. A menina pegou e colocou-o todo na boca, sem conseguir mastigar. Vianca desta vez fingiu que não tinha visto aqueles modos de "camponesa", tinha passado uma ótima noite e não era isto que iria lhe incomodar. 
- Onde está Monsieur Stephane? - Falou da foma mais fria e distante que conseguiu. 
- Está na cocheira com o seu cavalariço, minha Senhora. - Respondeu humildemente a criada.
- Manda-lhe encontrar-me no grande salão...após o almoço. 
Stephane entrou trazendo um pouco de barro nos pés. Tinha ainda os pingos da chuva nos cabelos e o manto sobre a armadura. Fez uma vênia e beijou-lhe a mão. Vianca se encontrava sentada no cadeirão de madeira escura em frente à grande lareira a bordar. Sorriu com seus olhos verdes a acompanhar seu rosto redondo e os cabelos ruivos presos no alto da cabeça. Toda ela sorria nestes últimos meses em que Stephane fazia-lhe companhia  noturna, em que aquelas mãos ávidas exploravam seu corpo roliço e um tanto esquecido da arte do sexo. Stephane fora o primeiro homem que tinha lhe dado prazer, tinha paciência para fazê-la extasiar-se com o orgasmo e quando este vinha, a fazia gemer como uma porca. 
- A Senhora precisa de alguma coisa?
- Senta-te, preciso contar-te.
O homem moreno e alto sentou-se em outra cadeira menor que era destinada às aias de companhia da rainha. Sentia-se quase a representar uma peça, como se soubesse o que era isto...
- Estou de esperanças, Stephane.
- Como assim? - Franziu o cenho surpreso com a ingenuidade ou burrice da mulher, que por certo tinha muitas formas de evitar tamanho desastre.
- Tu sabes como. Sou uma mulher que já não vai para nova, meu querido. Já passei dos trinta e só consegui dar ao Senhor Philippe três filhas e nenhum herdeiro. - Continuou fingindo não ver a cara de desgosto do amante. Passava a agulha para lá e para cá, desenhando a figura de uma cruz. - Faz muito tempo que ele não visita a minha cama e não acredito que tencionava fazer nos próximos anos... Eu não esperava realmente que isto voltasse a acontecer tão rápido. Não me cuidei e não me apeteceu tomar os chás.
- Não vos apeteceu?
- Eu vou ter este filho Stephane. - Os olhos verdes trovejaram de teimosia.
- A Senhora não sabe o que está fazendo...
- O rei voltará em uma semana, por acaso desconhece que depois da guerra nascem muitos "prematuros"?
- É disto que tenho medo.
- Pode ir agora. - Ela sorria triunfante.
Stephane saiu chutando o que encontrou pela frente, pedras, baldes, e quase o franzino cavalariço que lhe forneceu as rédeas do seu cavalo. Montou-o, deu-lhe com raiva na barriga e o animal saiu em disparada tomando o rumo dos celeiros reais. 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Elisa (parte 4)

Elisa tinha escutado a parteira e tentava apertar a barriga, procurando algum sinal como aqueles que tinha lhe presenteado semanas antes. Um chute, um pé no umbigo. Nada. Permanecia tudo em silêncio dentro de si. Stephane preferiu dormir no quarto de hóspedes para lhe dar mais conforto e Marie dormitava encostada na cadeira ao lado da cama. Lágrimas grossas rolaram, entrando nos lábios, salgando a saliva. Nunca lhe passou pela cabeça pôr a vida do pequeno em risco, mas inconscientemente fora tudo que fizera nestes meses. Talvez fosse uma forma de machucar o marido ou a imagem de esposa que estava se tornando. Tola, tola! Repetia para ela mesma. Se pudesse voltar atrás... 
A mão continuava pousada sobre o ventre numa esperança teimosa de que ainda havia outro coração a pulsar além do seu. De repente, entre súplicas silenciosas à Virgem e ao padre Jacques, algo mexeu-se. No início pareceu uma revoada de pequenas bolhas e depois, de forma mais vigorosa, empurrou-lhe a carne formando um coto. A jovem sorriu entre lágrimas: 
- Ele vive! Ele vive!
Pela manhã, Marie trouxera um copo de leite morno e vibrou ao saber da novidade. Stephane surgiu somente durante a tarde, já aliviado por saber que estavam bem. A parteira achou melhor que a esposa passasse o resto da gravidez em repouso absoluto. Desta forma, por todo o período que faltava e inclusive na primeira quarentena do bebê, Marie ficaria a dormir no quarto ao lado para auxiliar sua senhora.
 O homem sentou-se muito próximo e em um movimento que não era comum, pousou a grande mão sobre a barriga de Elisa. Sentindo o toque, o pequeno ser revirou-se e pela primeira vez o Campeão do rei pôde sentir a vida que ajudara a gerar. Tinha os olhos úmidos e imaginou que por instantes quase perdera ambos. Apesar de sua vida notívaga, não estava mais acostumado a ser só. E se esta necessidade de ter os seus por perto era amor, não sabia, aliás, de amor não sabia nada além das canções dos  trovadores quando os havia na taberna. Com a mão desocupada, retirou um objeto do saco que trazia, colocando-o na mesa perto da cabeceira. 
- Toma, o padre Jacques garantiu-me que ainda não leste este aqui. - Beijou a mão da moça e deixou-a, ainda a tempo de escutar  um "obrigada" em uma voz tímida e fugidia.
Os dias passaram vagarosamente, já havia registrado todas as ilustrações do livro de horas que Stephane lhe ofereceu de aniversário. A parteira a visitava regularmente, pelo menos uma vez na semana. Era a forma do marido mostrar toda sua preocupação para com o destino dela e do rebento. Sabia que estava para parir a qualquer momento, sentia as costas doloridas, o peso dele em suas entranhas que a reviravam por completo até quase ter certeza de que a pequena parte de seu pulmão, habitava espremido na garganta. Naquele dia sentia-se particularmente enjoada, não conseguiu comer nada por mais que Marie insistisse. A criada notando seu mal estar, resolveu não se ausentar para muito longe. Quando Elisa tentou sentar-se, uma dor funda lhe percorreu a espinha e não muito tempo depois, um líquido quente jorrou pelos lençóis não sabe se trazendo alegria ou medo.
 A certa altura perdeu a noção do tempo. As vozes foram ficando cada vez mais pequeninas, a visão lhe parecia embaçada. Apenas escutava de muito longe: faz força! Empurra! E Elisa desmaiava com aquela dor que queria revirá-la do avesso. Gruía quando era acordada aos tapas pela parteira e pelos gemidos ansiosos de Marie. O quarto cheirava a sangue e seu próprio suor. Dava graças por não ver grande coisa além disto, pois se visse ia desesperar-se com a quantidade de panos encarnados que se encontravam encharcados. Ouviu a mulher gorda a falar para a outra que a criança não saía porque estava atravessada. Sentiu que ela depositou os braços pesados e fez força, girando sobre sua barriga. Empurra! Ouviu por entre dentes e obedeceu como se sua vida dependesse disto e na verdade dependia. Juntou as resmas de vitalidade que tinha e fez, seu ato encheu as mãos da criada que sorria enquanto um corpo minúsculo se debatia entre vagidos.
- Este nasceu com sorte. Ainda tem o verão pela frente para se fortalecer, quando o frio chegar já deve estar preparado. Só temos de garantir que ela tenha bom leite. Dê-lhe muita cevada. - dirigia-se à Marie que já tinha a criança mais ou menos limpa entre os braços.
Elisa dormia enquanto Stephane lhe beijou os lábios com Dominic no colo. Ela abriu os olhos e ele lhe confidenciou: é homem! Ela não fez qualquer menção de pegá-lo, estava completamente entregue à exaustão. Tinha lutado mais de doze horas e só o que queria depois de saber que estava tudo bem, era entregar-se ao sono dos justos.
Dominic chorava quando lhe tirava do peito. Mas Elisa sabia que não mamava, apenas gostava de sugar seus mamilos. O marido tinha lhe sugerido uma ama, podia lhe pagar uma camponesa das redondezas para vir algumas vezes por dia alimentá-lo, mas ela não quis. Já sentia-se mal o suficiente por  ter tido uma gravidez irresponsável. Olhou para o lado vazio da cama: Stephane se encontrava por trás dos muros do rei. Lá, naquele castelo o qual ele tanto falava e que tinha as melhores comidas e músicos que havia escutado. Elisa pensou com algum desgosto que por certo as mulheres mais belas também.
 Fazia quase um mês que não o via, para o seu azar Stephane era um dos cavaleiros de confiançaos quais o rei mantinha para guardar a rainha quando ele não estava. Viviam uma vida de guerras, em algum lugar sempre havia um herdeiro insatisfeito, um vassalo que não fora recompensado devidamente, um casamento mal arranjado, qualquer coisa que desequilibrasse o frágil sistema, explodia em disputas e mortes. Até quando todos os reis subjugassem sua sede de poder sob a égide de apenas um, Elisa imaginava que teria muitas noites ainda sem o marido por perto. Estranhamente sentia sua falta, quando não bebia, Stephane era um marido atencioso e um bom pai que garantia-lhes que nada faltasse em sua casa.
O filho aprendeu a segurar sua própria cabeça e ela sorriu enquanto lhe acariciava os cabelos negros e finos:
- Agora que já  ergues o maior bem que possues, nunca meu Dominic, nunca a abaixes para ninguém que não mereça.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Amor e traição são duas faces da mesma moeda (parte 3)


Este é um tema deveras delicado, minha intenção não é ferir suscetibilidades, nem aliás, como todo o blog ou opinião é uma verdade absoluta e fechada, mas apenas a minha própria versão da verdade universal. Quantas vezes já vi ou li que quem ama não trai? Que se soubesse que estavam sendo traídas acabavam com o casamento? Que quem trai uma, trai muitas mais? Bem, vamos por partes. Em primeiro lugar vamos começar pelo meio? 
Quando leio ou escuto a expressão muito senhora de sua fidelidade e da infidelidade dos outros (exceto a do seu esposo), que diz que "ah não, nunca perdoaria uma traição", "era mulher para o por para fora sem dó", depois eu penso muito bem e não se tratando de meninas ainda com a ilusão de filmes Disney, mas de mulheres maduras e adultas, pois... a verdade minha filha é que muito provavelmente já tenhas sido traída, só que não deste por isto. E realmente nem queres saber porque a obrigaria a por em prática o que dizes a todos os cantos. Vamos até fazer um esforço e imaginar que a senhora em causa cumpriu com o prometido, e agora?  Investirá ela em outra relação sabendo que muito mais da metade dos homens para quem se entregar tem a possibilidade de a trair em algum momento de seu casamento? Peggy Vaughan, em O Mito da Monogamia fala que mais ou menos 60% dos homens e 40% das mulheres cometerão tal deslize ao longo da relação. 
Por outro lado, a traição não quer dizer que o casamento vá mal. Não é o casamento, não é o outro cônjuge. Mas também pode ser. Nem sempre quem trai uma vez o fará novamente, as pessoas falham aí como em qualquer outra faceta da vida. Às vezes junta-se um grave problema financeiro, uma crise amorosa, um afundar-se em baixa auto-estima, com um colega/amigo/ex-namorado(a)/desconhecido(a) atencioso/a: a oportunidade está feita. E traição não é apenas o coito propriamente dito: traição pode ser uma conversa mais atrevida, um toque, um beijo, pode ser presencial, assim como virtual. Vai daí que a porcentagem de pecadores aumente ainda mais. Afinal quem tem a pedra na mão se ainda lhe falta muito o que viver e nada sabe se isto não acontecerá na sua casa senão neste momento, mas no futuro ou mesmo se já ocorreu no passado? 
Por fim, precisamos definir o tipo de traição: é recorrente ou esporádica? Creio que as pessoas que traíram por um momento de ápice de solidão, raiva, carência, etc, muito provavelmente não tornem a fazê-lo já que esta foi motivada por uma situação pontual. Arrependem-se e inclusive envergonham-se de tal ato. No entanto, quando a traição é frequente, imagino que trate-se de um problema muito mais profundo. Um homem cuja mulher ganhe mais, por exemplo, que tem o seu papel como homem viril e provedor ameaçado, sente uma necessidade de traí-la compulsivamente de modo a compensar em outro âmbito, a imagem que tem de si. Claro que isto falamos de um aspecto psicológico e inconsciente muitas vezes, pois se lhe perguntarmos o porquê, talvez sua resposta fosse "pela aventura ou porque gosta de  (novidade no) sexo". 
O homem é mais propenso à traição por uma questão cultural e biológica. Cultural porque a eles quase tudo é permitido, porque desde crianças são educados ao "prende as tuas cabras que o meu bode está solto", que devem ser os garanhões, a tal fila de meninas na porta, etc. Quem é que diz que uma ideologia machista e vincada em diversas culturas por séculos, vai desaparecer assim como mágica quando se põe uma aliança no dedo? E biológica porque como animais que somos, os hormônios masculinos agem para espalhar sua herança genética com grande eficácia pelo maior número possível de fêmeas. Enquanto que o pensamento feminino é o de encontrar algum espécime que possa parecer (ao menos) o cara que vai ajudá-la a alimentar a criançada. A mulher quando trai compulsivamente, não é aquela que busca um romance fora de casa, como seria àquela que o fez uma vez ou outra na vida. Mas como o homem, busca qualquer coisa, preencher um vazio, uma identidade como sedutora, busca provar para ela mesma e para as vozes de sua infância talvez, que diziam que nunca conseguiria algo ou alguém.  A traição compulsiva, além de ser como qualquer vício, oculta uma fuga à questões dolorosas que o praticante não quer enxergar e este comportamento dificilmente se modificará sem tratamento/terapia.
Este campo da psicologia ou da sexologia fascina-me, e se um dia eu pudesse concluir meu curso, era com certeza uma das áreas para a qual me dedicaria porque é imensamente rica. Quando se enfrentam e resolve-se por fim falar dos problemas, principalmente os mais primários cujo sexo é um deles, há um mundo a ser descortinado. Quantos nós mal desatados guardamos, quanto sofrimento, emoções que querem vir ao rubro e sufocamos das mais variadas formas...com cigarro, bebida, comida ou sexo? Somos pessoas falíveis, imperfeitas, cuja capacidade de amar é também deformada. Portanto, parece-me possível que amor e traição sejam duas faces da mesma moeda.

O amor e traição são duas faces da mesma moeda (parte 2)



Até não muito tempo atrás o casamento era uma questão de contrato social. As mulheres quando não eram tratadas como um fardo, adquiriam uma função muito nobre que era a de servir como moeda de troca para uma posição melhor, para mais terras, para assegurar uma aliança, a paz enfim. Felicidade pessoal não era sequer uma questão a ser levada pelas mais rebeldes cabecinhas, que dirá o amor. O amor como o conhecemos, o amor romântico de um homem por uma mulher, foi uma criação que data por volta do século XII, e teve o seu berço (quem diria?) nas tavernas sujas e regadas à álcool. As canções divagavam na boca dos trovadores e tinham como tema o desejo inatingível das damas casadas a suspirar pelos cavaleiros e vice-verso, ops versa. 
Como ia dizendo, o casamento nunca fora um motivo de realização principalmente para a ala feminina, a qual mudava apenas de "dono" e passava a pertencer a outra linhagem. Frequentemente, quando se tratava dos ricos, não eram obrigadas a dormir com os consortes salvo seja para fins de produzir um herdeiro. Os homens durante toda a história possuíram amantes, mancebas, e inclusive dentro de círculos privilegiados. As mulheres por sua vez também, algumas mais discretas que outras, por exemplo, é caso corrente que a Princesa Carlota Joaquina adorava a companhia dos escravos e não o escondia.  
Claro que mesmo não se casando por amor, não quer dizer que entre paredes não tenha havido algum esforço para o nascimento de uma amizade e quem sabe esta não tenha sido a origem para algo mais.
Ao menos historicamente podemos dizer que o amor, ou o conceito de amor, por si já nasceu predisposto à traição. Nasceu com um obstáculo imenso à sua existência: a sociedade. A hipocrisia da infidelidade recorrente, e ao mesmo tempo, cercado muito mais de luxúria do que  o puritanismo cantado. Em uma época tão má para ser livre, há quem escolhesse prender também o coração.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Os brinquedos musicais são a alegria dos pais, não são?

Minha madrinha mandou uma encomenda que chegou hoje. Dentro dela, entre doces e pipoca de microondas de chocolate (pissshhhuuu dieta!), um papai Noel que toca bateria. Em looping apenas um trecho  " twist again/ like we did last summer/ C'mon baby let's twist again". Again. Again. Again. E eu disse com muita esperança: Fabinho, não quer por o papai Noel para descansar um pouquinho? Graças à santa guirlanda, o boneco repousou por uns bons minutos embaixo das cobertas do Fabian. E houve paz na Terra a todas as mães de boa vontade.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Joyeux Nöel



Neste natal não tenho o que pedir, ou melhor tudo o que preciso já está comigo. Este natal é tão diferente do último em que passamos na casa de praia da minha sogra, em que  nos sentíamos perdidos, em que a nossa vida era apenas uma moldura pálida a qual a mantínhamos com sonhos e uma vacilante esperança no ano que viria. E foi este O ano. Agradeço que muito do que temos agora se deve ao marido que foi peitudo em ir com uma pequena quantia de dinheiro tentar a sorte na França. E assim, este nosso papai Noel nos deu um lar novamente, uma casinha recheada (embora ainda falte muita coisa), uma escola nova para o Fabian e a mim, a segurança de que tinha tanta sede. Este natal não quero nada, não preciso de nada. Este natal os outros desejos que poderiam me passar pela cabeça, me parecem fúteis o bastante para não fazerem falta. Mas se o papai Noel pudesse fazer alguma coisa por mim, pediria para ele dar uma olhada na pilha de roupa para passar, aquela ali  no banheiro, ao lado da máquina. Oh oh oh oh!

Feliz Natal a todos que passam por este cantinho!!

domingo, 22 de dezembro de 2013

Alô?!

Porque será que tem tanta gente vindo do facebook para cá? Alguém que veio de lá pode me dizer de onde? São todos muito bem-vindos, mas não queria minhas coisas ali, por isto não coloquei estes botões de compartilhar.
Obrigada!

Tem que ter peito

Ser peitudo, ou melhor, "peituda" no dicionário popular é o mesmo que ser valente, corajosa/o, mas é claro que também pode significar quem tenha a comissão de frente bem guarnecida, por assim dizer. Esta semana rendeu uma polêmica que se iniciou com um evento criado no facebook sobre o toplesaço (neologismo), em que consistia na adesão do máximo de mulheres a praticar o que as européias já estão de tetas caídas carecas de fazer. Acontece que para um evento com 50 mil likes esperava-se um pouco mais de adesão do que as meras quatro peitudas pingadas que compareceram. Sério gente, o Brasil, país em que a nudez é tema recorrente em novelas, filmes, na literatura, em que ser capa de revista masculina não é sinal de vergonha, pelo contrário, em que inclusive ficam penduradas com os seios nus entre as revistas em quadrinhos e as de dieta. Mas este mesmo Brasil não admite esta semi-nudez em locais públicos como praia e piscinas e pior ainda, nem a questão da amamentação acalma os ânimos dos tarados pelos bons costumes. Porque? Ora então não sabem que é contra a política de decoro? Enquanto isto, o fio dental e tangas de laços parecem dançar sarcasticamente pelos mais variados formatos de bunda, gozando com o estatuto privilegiado pelo pedaço de pele que mostram. 
Não é exagero, mas mostrar os peitos dá direito à chamada de atenção policial e caso haja insistência, pode levar à delegacia mesmo. Quem não gosta da marquinha do biquini tem de fazer contorcionismos e só vale desamarrar se estiver de barriga para baixo. Eu até tinha vontade de fazer e quem sabe ainda faça um dia e de quebra, no Brasil. Mas antes tem de se acabar com a mentalidade de erotismo, o paradigma que o brasileiro tem com o corpo deveria ser mais abrangente do que o sexual... afinal não é só os peitos durinhos e a apontar para cima, os siliconados e os virginais que merecem ver o sol. Devemos lutar por uma democratização para que os vesgos, os murchos, os pós-amamentação, os operados, os um-maior-que-o-outro, todos eles tenham lugar. E que finalmente o topless deixe de ser coisa de gente peituda.


Dez coisas aleatórias sobre mim que não interessam a ninguém mas que vou dizer mesmo assim



1 - Brinquei de boneca até os 17 anos e até uns 23 ganhei várias uma que outra do marido.
2 - As melhores ideias para escrever vem à noite e me fazem virar e desvirar na cama até que no outro dia não me dê a mínima vontade de por em prática o que havia pensado.
3 - Odeio filmes dublados. Odeio muito. Tirando os filmes infantis, acho que deviam ser abolidos, caramba as pessoas deviam deixar de ser preguiçosas!
4 - Rosa é a minha cor preferida. Tenho mais peças nesta cor do que em qualquer outra, às vezes olhava para o meu armário e me imaginava como a Mônica versão pônei saltitante.
5 - Todos os dias digo para mim que devo dormir cedo, mas à meia noite ainda estou uma pilha sem uma pinga de sono.
6 - Sou um pouco maníaca por arrumações. Atenção que não disse limpeza (esta já consegui me curar), mas de arrumações. O que é o mesmo que dizer que estando a sujeira e as tralhas bem escondidas, eu sou uma pessoa feliz.
7 - Descobri que sou uma cozinheira que dá para o gasto.
8 - Queria muito ser loira natural e ter um nariz empinado ao invés desta coxinha de galinha no meio da cara.
9 - Não consigo dormir se não tiver cobertas pesadas e sou daquelas que no verão liga o ventilador só para me tapar com lençol.
10 - Nunca mais fiz as pazes com a balança desde que engravidei e não, ainda não perdi as esperanças...apesar de não fazer nada para isto acontecer. (Ah ano novo venha logo para fazermos aquelas promessas de sempre!)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O Natal do Fabian

Todo mundo falando de festinhas de final de ano (no caso do Brasil o ano letivo termina) ou de Natal e eu aqui sentindo-me excluída: o Fabian não tem apresentações nem nada. Disse que receberam a visita do papai Noel na terça, mas voltou decepcionado porque este não trouxe o seu presente. Acalmei a frustração dizendo que somente quando todas as portinhas do calendário que comprei estivessem abertas, era o dia do papai Noel chegar. O Fabian está muito decidido que irá ganhar um "tem", pois este desejo tem vindo a aumentar à medida que vê repetidamente "O expresso polar". Mas ele também quer neve bem banquinha para ir na rua brincar como nos outros filmes sobre o Natal. Esta é a primeira vez que está realmente se dando conta do que é a festa, da árvore iluminada que apesar de ser menor que a que tínhamos, para ele não deixa de ser a mais bonita. 

Bonitinha indelicada

Às vezes até queria que o marido ganhasse no Euromilhões, só para as pessoas finalmente pensarem com razão: sim, estou com ele por causa do dinheiro.



Sério que não são um pouquinho mais criativas? Porque é um gentleman, porque é bom pai, porque fode bem?

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Porque eu leio blogs

Por isto:

Eu já falei uma vez e repito: para mim, a maior invenção da humanidade é o HD externo.

Eu tinha um computador a corda, lento, que mal ligava de tão velho e sobrecarregado, e que quando ligava passava dez minutos tentando pegar no tranco até apagar do nada (justo quando você estava prestes a clicar emenviar). Eu quase morria de ódio dele, mas não tinha coragem de chutar e quebrar na parede porque ele tinha sido o meu primeiro computador, todas as primeiras colunas que eu escrevi na vida, uns textos do meu antigo blog, fotos de quando eu não tinha máquina digital e colecionava as fotografias que meus amigos faziam das festas estavam em algum lugar daquela memória sórdida que fazia questão de apagar, puf, quando eu ia acessar o que queria... 

Um dia, num exercício de muita paciência, entre mil boots indesejados, eu consegui salvar tudo o que existia ali num HD externo. E desde então, quando preciso de alguma coisa de um passado distante, eu abro o HD externo e sou automaticamente teletransportada para cinco, seis anos atrás.

Essa semana foi meu CV em português que me fez esbarrar numa pasta chamada incoming, que logo identifiquei se tratar da gaveta onde dormiam meus primeiros MP3 que baixei com aquele programa do fantasminha. Lá dentro, as músicas que estavam no telefone que eu tinha quando vim morar em Paris.

Uma coletânea do Pearl Jam que tem tudo o que uma pessoa precisa na vida. Um CD do Nat King Cole que rodava em espiral nas minhas primeiras idas e vindas de metrô. Mas, principalmente, e é aí que eu quero chegar, o CD Segundo, da Maria Rita. Todas aquelas músicas são a trilha sonora da minha chegada a Paris. A saudade das rodas de samba, o apelo me leva que eu quero ver meu pai, o vim só dar despedida. Eu ouvia aquilo no frio que eu achava inabitável e sentia um buraco no meu peito. Um buraco que falava de um pedaço meu que tinha ficado do outro lado do oceano.

Demorei anos (literalmente) pra ver que o pedaço que faltava nunca esteve longe. Que as pessoas permanecem mesmo longe dos olhos. Que o amor que a gente recebe nunca sai da gente. Aprendi tanto sobre distância, sobre independência, sobre amor, sobre presença. E virei quem eu sempre fui, mas não sabia.

Esse ano fui num show da Maria Rita aqui em Paris (coincidências da vida) e cantei essas músicas todas, num prenúncio desse reencontro. A última canção do concerto (incrível, num circo, com um monte de amigo querido) foi Encontros e Despedidas. E ouvir aquele bando de expat, a famosa "comunidade brasileira" de que a gente de classe média finge não fazer parte para não acabar confundido com as empregadas domésticas e os pedreiros que superam no braço o choque cultural de que a gente só sente as cócegas, aquelas pessoas todas cantando juntas a música que virou brega porque era música de novela, fazendo o mesmo apelo pelas notícias do mundo de lá, me colocou uma bola de lã na garganta que permanece até hoje quando eu penso.


1001 implicâncias



Só agora notei que o último post que escrevi foi o de número mil! Uau e eu que pensei que ia abandonar este blog em três tempos. Agora, voltando à programação normal: alguém me explica porque as pessoas #abusam #tanto #das #hashtags? #E #da #nossa #paciência? Isto faz sentido no instagram, agora eu não sei se sabem, mas em sites como blogs e até no facebook fica um pouco enjoativo para não dizer abobalhado, a mensagem se perde entre tantos links e irrita tanto que a primeira coisa que eu faço é sair logo daquela foto. Agora, a cereja do bolo é fotinho com pencas de hashtags como se fosse uma árvore de natal e...caretas! Ainda vou me dar o trabalho de fazer uma enquete: porque vocês se "esculhambam" tanto? Olhos vesgos, boca torta, língua para fora, pra quê? Não estou falando de umas simples fotos bizarras, mas tem gente que há tanto tempo tira fotos assim que já nem lembro qual é a sua cara (de verdade). Vale o ditado popular: cara feia pra mim é fome! E pelo visto #temmuitagentededietaporaí.

Multiculturalidade

Hoje comi biscoitos turcos, um (pedaço de) bolo georgiano, um (pedaço de) bolo  russo e por sua vez todos que provaram o negrinho foram conquistados pelo "bonbon".  Alguns colegas não vão voltar depois das férias, uns porque voltam para o seu país, outros porque vão fazer um curso profissionalizante, outros porque vão ter bebê. Pudera, que este é um curso que tem a duração de um ano letivo, e com duas aulas pela manhã durante a semana, complica para quem arrume trabalho. No entanto, estas aulas tem sido de uma oportunidade única, jamais havia convivido com tanta gente de tantos lugares diferentes. No Brasil, lá no sul, não é comum ver tantos estrangeiros e em Portugal, tirando uma vez que outra que algum gringo me perguntou direções, não tive qualquer outro contato. Hoje finalmente perguntei para uma moça síria o porque do véu e se havia pintado o cabelo já que cusca como sou, tinha lhe antevisto as sobrancelhas ruivas que antes eram escuras. Depois de alguma conversa e mímica, mostrou-me as fotos no celular do antes e depois e confidenciou-me que o marido gosta muito de loiras e do quanto ela adora vestir-se com roupas curtas em casa. Aquilo que por certo me causaria azia tempos atrás, só me fez rir porque pensei comigo no quanto o Fernando adoraria este costume, ao invés de ter de rivalizar com os olhares dos outros homens na rua. 
Não sei se amadureci, mas hoje acho que a convivência é a única forma de derrubar preconceitos. Quisera eu que todas as pessoas pudessem ter uma amostra do que é viver em outro país, do quanto é importante todas as fases pelas quais passa um emigrante. E como é delicado todo este processo de reconstrução e de luto. Mas é esta morte emocional que nos possibilita sair do senso comum,  nos fazendo refletir sobre a nossa própria brasilidade. A primeira fase tal como na psicologia as cinco fases da perda, é a negação: é um momento de luto interior, há uma certa resistência na mudança; segundo vem a raiva por ver que não conseguimos nos adaptar e desistir de nossa identidade tão facilmente. É a fase da comparação, geralmente sobrepomos a nossa visão de mundo como sendo a certa e queremos em vão que todo o resto mude para que nos sintamos confortáveis. A terceira fase traz-nos a tentativa de aceitação, no entanto alguns preconceitos e barreiras que formamos estão longe de serem derrubadas. A quarta é uma espécie de melancolia, dá uma vontade de baixar os braços, a realidade é robusta demais para que se consiga mudar. Há um vazio que precisa ser preenchido, uma busca por identidade e talvez nacionalidade. E por último temos a aceitação...é quando o quebra-cabeças encontra solução, não como se a vida viesse pronta e a nós apenas nos basta ir à procura de peças finitas. Mas é quando o todo passa a fazer sentido, embora este todo não tenha nada além de soluções temporárias, pois que quando superamos um nível de dificuldade, as peças embaralham-se outra vez e outra vez e outra vez. A única diferença é que já conhecemos alguns atalhos  e não ficamos dando de cabeça pelas ruas estreitas da vida.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Este não é um blog de culinária...

mas hoje foi dia de fazer negrinho (ou brigadeiro como ficou mais conhecido). Amanhã temos a nossa festa de encerramento do ano, pois vamos de férias outra vez e só nos vemos no ano que vem. O marido tem que levar alguma coisa para os colegas na próxima semana , e lá vou eu para a panela de novo. Se gostarem, não me importava nada de vender, é sempre um dinheirinho que entra!


Super coloridos que é como se quer um pouquinho do Brasil a adoçar a boca.

Eu e o peso, o peso e eu



Não sei se  nasci para aulas de grupo Shaun T...sabe, é que mesmo que vocês não me olhem lá do dvd, tão neuróticos e concentrados em contorcerem-se e sorrirem simultaneamente, sinto-me para além do ridículo. Vocês vão para um lado, eu vou para o outro. Vocês fazem flexões com abdominais e eu só consigo escorregar as mãos no meu próprio suor e quase dar de dentes no chão. Vocês pulam alto e eu tenho de cuidar para não bater no teto da minha vizinha elefanta. Até pensei que ah e tal, este insanity deve ser areia demais para o meu caminhão cegonha, vou tentar o dance party. E...meu querido Shaun aquilo não é de Deus. Sabem lá o que é ficar trinta e tantos minutos a ouvir em replay não a mesma música, mas a mesma parte da mesma música? E quando ia nos dez minutos, tinha o marido a gritar que não aguentava mais os teus "go go go" "work baby" "yeah hum hum, camon" . E isto não é tudo. Realiza bem a cena da popota aqui a tentar dar um ar gangster enquanto o filho de três anos se enreda aos seus pés, tentando lhe imitar? Acho mesmo que devias fazer um dvd pensando em nós, mães que não conseguimos nem fazer cocô sozinhas, que dirá fazer meia hora de ginástica! E já agora, tuas dançarinas bem podiam ser pessoas que realmente precisam perder peso e não criatura magrinhas (como eu já fui um dia) para amaldiçoarmos com a tão conhecida inveja feminina. Deixo aqui umas sugestões de exercício: abdominais enquanto nos torcemos na banheira e o filho nos foge do chuveiro, sprint quando tentamos que aquele velho jeans nos entre por mágica novamente, flexões quando temos de fazer uma caça às chuchas embaixo do sofá. Sabe Shaun T, é que ser mãe é como aquela coisa que gostas de dizer muito...it's all about speed!

Fabionices



Desde que trouxe um livro sobre os lobos que o Fabian não sossega. Acontece que ficou sabendo que as mamães tem leite para os filhotes, claro que ainda não entramos no fato de tooodas as mamães, inclusive a mãe galinha, mas pronto. O Fabian acha que o leite vem da barriga e sempre que lembra, diz que quando era bem pequenininho morava na minha barriga e tomava leite. Que cordão umbilical que nada! Os bebês contam com um fornecimento infindável de leite bem quentinho!

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Desabafo politicamente incorreto

Na última aula um dos meus colegas leu um texto em francês que falava justamente sobre a ostentação dos emigrantes Kosovenses quando vão passar férias em seu país de origem, o fazerem de forma espalhafatosa para verem que são todos uns bem sucedidos. Ora, já tinha ouvido falar pela boca dos próprios portugueses sobre os seus emigrantes a alugarem mercedes e virem com montes de dinheiro para as aldeias ou para povoarem um pouco mais o Algarve (como se já não estivesse explodindo de gente), até pelo filme Gaiola Dourada, meses atrás. Parece-me que a presunção não tem nacionalidade. Há um certo tipo de emigrante que simplesmente esconde-se atrás deste glamour os meses ou anos, vá lá, de vida que perdeu em subempregos, em contarem por sua vez vantagens ao invés dos tostões de sempre. 
Noto que no Brasil também é comum os emigrantes quererem mostrar algo que não são e digamos...não o são porque? Porque a maioria das pessoas que emigram, mesmo tendo curso superior, acabam trabalhando em empregos de merda. E sabem que estão em empregos de merda. Pergunta se alguém trabalharia no Mc Donalds em sua cidade ou de empregada de limpeza por até dez horas ganhando uma miséria? E até acho que não é a ocupação em si que incomoda (aos outros), mas o histerismo por vender uma vida que não existe e provavelmente nunca irá. Se vão a países em que não se esforçam por aprender a língua, e aqui vejo muito disto, se não tem vontade de crescer, estudar, enfim...vão continuar em empregos de merda. E a aspirar em trinta dias, uma vida de rock star para serem invejados pelo menos uma vez ao ano. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Loin du 16eme (longe do décimo sexto)



Faz parte de uma coletânea de curtas no Paris Je t'aime e já vai um tempinho que vi, mas este, não fosse apenas por ser de um diretor brasileiro, Walter Salles, é na minha opinião um dos melhores. Em menos de cinco minutos aborda com profundidade e de forma singela, a tristeza de uma mãe emigrante a deixar o seu filho em uma creche por muitas e muitas horas e partir para cuidar de um bebê de família rica no outro lado da cidade (provavelmente ela nem more em Paris, também), no 16º arrondissement. A música é a única coisa que os conecta, a música que cantou para acalmar o choro de seu bebê e termina por acalmar o bebê branco e louro de sua patroa. Infelizmente não acontece só na França, nem tampouco somente com emigrantes. Acontece pelo Brasil a fora e muito eu vi de mães que deixam seus filhos por doze horas em uma creche porque moram muito longe e ainda tem de trabalhar e fazer horas extras. Mais da metade deste curta é passado no longo e cansativo percurso que é tão somente o pano de fundo para uma metáfora do fosso que separa a sua vida dificultosa dos bem abonados residentes de Paris. Muito bom, recomendo porque nos leva a refletir (e no meu caso principalmente agradecer pelo marido trabalhar apenas três minutos de casa) na qualidade de vida, no tempo de vida que perdemos em deslocamentos, no pouco tempo que há para a parentalidade, enfim...poderia ficar horas falando só sobre este vídeo.

paris

Encontro mais que esperado

O Fabian "desarmou" o Papai Noel ao dar-lhe um abraço ao invés de um aperto de mão como ele havia dado as outras crianças. Felizmente lá estava o pai para traduzir tudo, não vá o bom velhinho não entender o que ele quer de Natal...


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Facebookeando


Eu devia ter nascido homem


Depois de um certo cansaço nesta montanha russa do humor, a qual costumo nomear "feminilidade", chego a conclusão mais lógica possível: devia ter nascido homem. Ou melhor, queria ter nascido. Que quero saber de uns pneuzinhos nos braços? É só por uma regata e fazer uma tatuagem de arame enfarpado à volta do braço e isto passa a ser sinônimo de macheza. Como assim não sirvo mais nas minhas calças se só engordei dez centímetros de perímetro abdominal?? É tão simples gente, é só colocar a calça um pouco maais para baixo, ali quase beirando a virilha e já está. Estrias? Tpm? Nada que uma lata de cerveja não resolva e ah, um jogo de futebol, pode ser até Paysandu e Rio Branco mesmo.  
Um homem não tem que preocupar-se com os cinco centímetros de cabelo a mais que lhe cortaram, afinal cabelo cresce... E até o Fabian nos seus três anos já sabe disto, olhou no espelho ontem e exclamou: meu cabelo tá legal! Não importa a porcaria que ficou. Ai...quanto a mim estou exausta de tanto drama, dos chiliques com a pia sempre limpa, os farelos em cima da mesa, as duas calças que (ainda) me servem. Chega! Dá para o Senhor botar um pirulim aqui hein? Trazer-me à santa ignorância das emoções, ao caminho da felicidade que todo mundo sabe que está nas coisas simples da vida...como coçar o saco?! Por favor! Por favor! Por favorzinho?? 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Até onde minha pão durice vai me levar

Ontem fomos levar o Fabian para cortar o cabelo no barbeiro. Isto porque na primeira vez e única, diga-se de passagem, que se comportou foi em um barbeiro em Portugal, quando ainda me dei ao trabalho de juntar as mechas aloiradas do chão como lembrança. Já fazia três meses que ele não cortava, pois a minha mãe entrou em looping e enquanto não levei ele no salão que ela quis, não sossegou. Acontece que eu tenho um sonho de ver o Fabian com o cabelo cogumelo ou estilo príncipe que é quase a mesma coisa. Mas parece que o destino ou os cabeleireiros que se põem em meu caminho, tem feito de tudo para que não o veja.  
O marido disse-me várias vezes que os caras que cortavam ali não sabiam o que era o "champignon", embora o homem tivesse concordado com a cabeça. O Fabian portou-se bem, e eu agarrada na revista do Ikea (homens não gostam de fofocas de artista, não é?), olhei para o cacuruto que ele tinha desenhado com a máquina. Tranquilizei o coração e pensei que por um milagre o árabe havia entendido. Quando tornei a levantar a cabeça, duas páginas de armários depois, o Fabian tinha a cabeça quase pelada, o cacuruto tinha sumido e o terrorista da tesoura (sem xenofobismo porque para mim quase todos os cabeleireiros o são) estava depenando a franja do menino que já contava apenas com uns fiapos. Fula de raiva, saí depois do marido ter pago oito euros para cada um. Ficou horríveeeeel!!! Agora vou ter que esperar meio ano até tentar de novo a merda do corte cogumelo... O marido insistia no "I told you so", estes árabes só sabem cortar bem curtinho, pegam a máquina e raspam. E eu: tu queres dizer TOSAM a criatura! Pois eu acho que vou me virar para as petshops. Não é lá que eles sabem o que manter e o que cortar? Se virem um menino com a cara de poodle já sabem o porquê.

Acredito piamente que estes eram os "voluntários" no curso de cabeleireiro lá no Irã.


ps: o Fabian ficou com cara daquelas crianças nas fotos em preto e branco dos anos 50. Basicamente ficou parecido com o pai (ao menos no cabelo).

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Um dia minha professora de história nos disse que tradução é traição. Esta frase marcou-me como algumas outras que

Passeio de domingo





Domingo fomos finalmente ao Marché de Noël, queria ter ido no final de semana anterior, mas a verdade é que tenho que me preparar psicologicamente para o frio. O marido, como sempre, detesta multidões e confusões, eu por outro lado, adoro bisbilhotar e ainda bem que já tinha desfeito a idéia de que o marché de Noel era um desfile e não uma feira (confusão pela forma como se diz "márche" e "marchê"). 
Chegando lá só podíamos antever um mar de cabeças, muitos estrangeiros, carrinhos (nós próprios com um), cadeiras de roda, velhotes. Marido bufando cada vez que entrávamos em um corredor daqueles, acredito que as ruas estavam muito mais cheias que os dois shoppings de Strasbourg. Disse-lhe que quem sabe andar no centro de Porto Alegre, sabe andar ali. Minha vó tinha uma técnica que consiste em fixar um ponto no infinito e seguir em frente, jamais estabelecendo contato visual. Desta forma são os outros quem terão de se desviar de nós e parecendo que não, nos poupa de muito trabalho. Claro está que o meu ponto de referência sempre coincidia  com os enfeites, bolas, bibelôs de madeira, carrosséis e rodas gigante no alto das casinhas. Andamos por quatro feiras e depois de confirmar que eram mais do mesmo, sosseguei. Tinham além das quinquilharias natalinas, comida, muita comida típica, pão de mel de tudo que era jeito, doces, marshmallows (que aqui chamam-se guimeuves) cobertos por chocolate, crepes, cachorro-quente, waffles lambuzados de nutela, enfim. Pena eu não estar com a mínima fome... A única coisa que levamos foi o balão de gás do "comain" e dois pirulitos de chocolate para mais tarde. Final de semana que vem, quero levar o Fabian na Village du Père Noël, vamos ver se reforçamos a promessa do papai noel levar as chuchas todas em troca de presentes no dia 24. Oremos.

Ele faz falta

Hoje pela manhã fui em direção ao corredor e notei com algum descontentamento que havia deixado a luz acesa. Voltei até o quarto e assustei-me: não, a luz está apagada, é apenas o sol! Já estou tão acostumada ao céu constantemente cinzento que esta personagem tão corriqueira no Brasil, aqui causou-me surpresa.

Acho que daqui uns meses esta sou eu...

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Da gente chata do Facebook

Os destaques do mês vão para:

Aqueles que atualizam seu estado a cada meia hora a sentir-se: maravilhoso, doente, triste, etc. 

O que ganham: Um voucher para um psicólogo vapt-vupt (Dr. Phil unindo desde 2002 necessidade de atenção à curiosidade sobre a vida alheia). Sei que estão doidinhos que todo mundo se pergunte o porquê de estarem assim e lá poderão falar o que quiserem e tudo o que couber em 50 minutos!

So  you think that life is  a talk show? 



Pessoas que curtem seu próprio estado, foto, comentário.




O que ganham: Um espelho de quatro lados, daqueles dos programas de mudança de estilo. Quem sabe, mas só quem sabe, consigam enxergar como é ridículo ficar curtindo a si próprio. Já está subentendido que quando se partilha algo, gosta-se daquilo que se escreve, se posta, enfim.... 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Elisa (parte 3)

Pela fresta exígua da janela pôde precisar que o dia já ia alto. Há quanto tempo não acordava tarde? Talvez apenas nos dias festivos, em que a vila enchia-se de estrangeiros e música regada à cerveja e dependendo da importância e das condições dos convidados, a vinho. Ao seu lado jazia Stephane completamente afundado em ronco e saliva. Livrou-se de um de seus braços fortes e com cuidado foi levantando da cama. Quando já ia a meio caminho, uma de suas mãos graves segurou o que restava de sua camisa de dormir. 
- Onde vais? - Perguntou-lhe a voz recém vinda do sono.
- Já está na hora de levantar, preciso fazer algo para comermos...
- Não, hoje ficamos por aqui. Já dei ordens para isto. Talvez esteja ali na porta alguma coisa para pormos no estômago. 
Elisa revirou os olhos, mas encaminhou-se até a mesma e trouxe o prato de cerâmica com algumas frutas rodeadas por pão e banha. Em uma mesinha de apoio havia uma jarra de água e uma taça. Serviu-se demoradamente sendo apreciada por olhos que lhe comiam os gestos. Uma nesga de sol entrou pela fresta denunciando alguns buracos de cupim na janela de madeira. O quarto iluminou-se de imediato. Stephane levantou-se já com o pênis ereto e lhe abraçou por trás. Elisa em uma tentativa de adiar o inevitável pôs-se a procurar vestígios de sangue nos lençóis. Agora entretinha-se a passar as mãos e retirar as cobertas, Stephane divertia-se com a cena enquanto mordiscava um pedaço de pão.
- O que procuras?
- Não há sangue? Não há sangue! Como pode se eu sou...era virgem?
- Mitos... acalma-te minha pequena. - Disse beijando sua testa. - não é assim com todas. Eu senti quando rompeu, fica descansada...sei que mais virgem que tu não havia.
A jovem pareceu convencida e ele finalmente a carregou de novo para a cama. Desta vez demorou-se  em carícias e beijos para só então penetrá-la com mais cuidado que na noite anterior. Stephane não sabia ao certo o porquê de ter aceito a proposta de Elisa, afinal era forte o bastante para carregá-la até alguma cocheira que fosse e fodê-la entre montes de feno. Mas não estava acostumado a isto. As mulheres sempre vieram de muito boa vontade dividir-lhe o leito, apenas aquela potrinha chucra fugia de seus braços como o diabo da cruz. E isto deu-lhe um objetivo na vida sempre que não estava peleando ou em competições pela honra da coroa. Tinha de a ter a qualquer custo, tinha de domar-lhe as carnes, de fazê-la fêmea como todas as outras. Mesmo que isto o fizesse assentar como um homem de família, até porque com vinte e oito anos já passava da hora de pensar em um herdeiro.  Desta vez fizera de forma tão convicta que quase ouviu um suspiro de gratidão escapar por entre os dentes de Elisa.
Os dias passaram e com eles a falta do período anunciou-se logo no segundo mês de casada. Sentia vertigens cada vez que se fazia dia e já acostumava a manter-se sempre perto de algum balde ou jarro. Quando confirmou as suspeitas e contou que ele ia ser pai, Stephane já sabia-o há muito tempo. Decerto tinha os seus bastardos por aí, criados muitas vezes como filhos legítimos sem qualquer suspeita.
 Sempre que via uma mulher grávida geralmente rodeada de cuidados se fosse rica, imaginava no quão tolo podia ser viver de aias e criadas até para limpar-lhes a bunda. Pois com ela jamais seria assim: fez questão de fazer tudo o que fazia antes, na casa do senhor Castel. Tirava o leite da vaca, sovava o pão e o assava, fiava, lavava o chão, mesmo quando advertida por Marie morta de medo por permitir tal disparate.
Rapidamente Elisa viu que a gravidez era um bom motivo para afastar o marido, que por sua vez caía ainda mais nos braços de outras mulheres. Chegava tarde, cheirando a cevada e essência perfumada, e quando raras tentativas de lhe ter ressurgiam, ela colocava a mão na barriga e fingia dor.
Quando notava que o marido saía, puxava de um dos livros que padre Jacques lhe confiava e desta forma encontrava refúgio a sua vida de vaso precioso. Desta vez distraiu-se de tal forma que não percebeu os passos do marido a chegar no quarto, desapontado por inadvertidamente ter esquecido o anel que o rei lhe ofereceu e que só tirava do dedo para dormir. Ao ver a mulher absorta com um livro na mão, Stephane engrossou a voz:
- O que pensas que estás fazendo? - Antes que tentasse esconder, ele arrancou-o das mãos e tentou soletrar muito vagaroso - D-a...Dan...te. Tu sabes ler? Quem te ensinou a ler?
Elisa tremia em um nervoso louco de lhe jogar toda a raiva acumulada pelo ostracismo feminino.
- Não precisa dizer nada. Já sei quem foi! - Dirigiu-se para a porta.
- Ele, ao contrário de ti, é um homem de verdade! Tem mais colhões que tu e muitos por aí.
Stephane levantou a mão pesada pronta para desferir-lhe um tapa, mas estacou-a no ar ao lembrar do filho que ela carregava.
- Não me obrigues a tomar providências disto. - E saiu com passos pesados batendo a porta atrás de si, deixando pousado no canto da mesa o anel pelo qual voltara.
Era um fim de tarde como todos os de um inverno punitivo em França, céu nublado já virando noite e barro misturado com neve. Com uma barriga de seis meses atrapalhava-se na roca, tinha de manter as pernas mais abertas que o necessário. Olhava para a rua e xingou em pensamento a criada por ter esquecido de trazer mais lenha para o fogo que findava. Olhou para a pequena chama que agonizava e tornou a virar para o monte de tocos já cortados por Valentin, o rapaz coxo e filho de Marie. Estava sozinha sabe-se lá até que horas, quando o marido resolver que já cantou, trepou e bebeu o suficiente para voltar à casa. A criada já havia se recolhido juntamente com o filho e voltaria antes do dia amanhecer. Stephane não gostava de outras pessoas além deles em casa. Elisa ergueu-se de encontro à capa e fazendo força para proteger a barriga do frio, desceu os degraus em direção à neve. Seus pés afundaram e rapidamente sentiu-se invadida pelo gelo, caminhou até a pilha e depositou um a um dos tocos no cesto de vime que havia trazido. Quando não restava mais nenhum no solo, fez força e depositou-o no meio do braço direito, fazendo o caminho de volta com algum esforço. Chegou em frente à lareira da sala, ajoelhando-se com cuidado e começou a jogar a lenha fria e soprar devagarinho. Quase perdiam-na com a umidade e teriam de deixá-la secar dois ou três dias para utilizá-la. Sentia uma pressão na barriga, estava dura, mas já havia sentido isto antes. Elisa agora satisfeita pelo calor voltar ao seu corpo, olhou para baixo e soltou um grito, seguido de uma pontada lancinante. Pela luz amarelada notou que tinha a saia do vestido coberto de sangue e atrás dela, um rastro encarnado a acompanhou desde os primeiros passos na neve. Quis arrastar-se até a cama, mas não tinha forças. Gritou o mais que conseguiu por Marie, mas sabia que seu apelo nunca seria ouvido. Até que por fim, depois de desesperar-se em choro, desfaleceu exausta sendo guardada apenas pelo fogo, que dançava em uma tentativa de a consolar.
Stephane a encontrou enrolada sobre seu próprio ventre, em  posição fetal, e o susto de perder a mulher e o filho que esperava, o fez desvencilhar-se do estado embriagado para correr à Marie e depois atrás de alguma parteira. Deixou a esposa deitada, enfiada em um monte de travesseiros e sob os cuidados da criada. Elisa respirava com dificuldade, tinha a boca seca e a fronte molhada de suor. Ao abrir as pálpebras suavemente como a espantar a dor, viu uma mulher gorda com os seios muito grandes quase a sair da roupa. Ela estava a poucos centímetros de seu rosto, tão perto que podia antever-lhe o buço e sentir o hálito. Apalpava a barriga e pôs-lhe a mão dentro da vagina, arrancando-lhe um gemido.
- Então? Está tudo bem com ela?- Perguntava Stephane com medo na voz.
- Sim, ao menos por enquanto.
- E o bebê?
- Não mexe.
- Como assim não mexe?
A mulher olhou-o e sua boca fina em silêncio, preferiu não pronunciar a resposta.
- Vamos ver, se em dois dias tiver febre, teremos de expulsar. - Disse isto enquanto lavava as mãos na bacia com água morna que Marie tinha trazido. Tornou a colocar o xale e saiu deixando Stephane no quarto cheirando a sangue e morte.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Elisa (parte 2)

Ao cair da tarde, aproveitou que tinha de pegar duas galinhas em seu Fontier, o homem calvo e baixo que por ser viúvo, às vezes lhe pedia para coser alguma roupa e em troca lhe pagava com ovos, farinha e o que tivesse disponível e que ela assim o escolhesse. Entregou-lhe as duas camisas de dormir em um saco de linho e recebeu a gaiola com os animais ainda vivos a bicarem constantemente meia dúzia de milhos no chão de madeira. Agradeceram-se mutuamente e ela saiu já pensando no trajeto que faria, passando na frente da taberna que Stephane costumava ir antes do anoitecer. Ao se aproximar, pode ouvir sua gargalhada vigorosa. Asno, pensou. Bateu com força os pés e agitou as galinhas para que cacarejassem quando avistasse a frente do estabelecimento. De fato lá estava ele rodeado de mulheres penduradas ao pescoço como se formassem um colar humano, acessório que dispensava facilmente ao vê-la em seu vestido verde escuro. 
Elisa não era particularmente bonita, nem gorda como se queria as damas, com carne farta para agarrar no coito. Mas era ao contrário, de uma delicadeza invulgar, seus pés eram tão pequenos que pareciam angélicos, os seios eram também diminutos e duros, mal balançavam quando fugia de si. Os cabelos lustrosos e fortes como a crina de seu cavalo, especulava Stephane, faziam sua dona tão arredia como o outro, e sorriu ao desvencilhar-se das jovens, seguindo o vulto de Elisa. 
Poucos passos de suas pernas longas, alcançaram-na e logo tinha seu hálito alcoolizado a esquentar a nuca desnuda da moça. Elisa estremeceu, parou por segundos de sacudir as galinhas que por certo aninharam-se já extenuadas.  Stephane agarrou seu braço e puxou-a para seu peito largo. Desta vez, não se debateu, notou-lhe apenas um suspiro ainda que seu corpo estivesse tenso à proximidade. Com as mãos pesadas agarrou-lhe nos ombros e abaixou os lábios em direção aos dela. Elisa desviou-se a tempo.
- Preciso falar contigo.
Stephane largou a fileira de dentes bem formados enquanto os olhos cobiçavam seu decote. Tinha por certo que a teria aquela noite, pensava rapidamente apenas em um lugar discreto  para levá-la de uma vez, antes que desistisse. 
- Fala, minha querida.
- Stephane, não vou deixar tu deflorar-me. Não. - O sorriso desapareceu. - Se me quiseres realmente será sob o teu teto e como tua mulher de direito. Não serei só mais uma rameira...
Ele fechou os olhos mordendo levemente o lábio inferior, depois enroscou os dedos em seu cabelo em tranças e disse-lhe, desta vez a ver-se refletido nas esferas nebulosas de Elisa:
- Está certo. Se é assim que queres, assim será. Amanhã cedo falarei com o senhor Castel para formalizar minha intenção....mas depois de tudo isto - fez um gesto vago com a mão que despegou-se de seus fios - tu serás minha. Só minha. - E voltou a tentar aproximar-se da boca rosada, mas encontrou apenas a bochecha de Elisa. Ela deixou-o só a observar sua silhueta a diminuir cada vez mais, até não ser mais perceptível e transformar-se apenas na noite. 
O dia embranqueceu, era a forma como via dia após dia de céu cerrado de nuvens, de frio, em que o sol demorava a pousar e quando o fazia, desistia logo de tanta tristeza e lama junta. Elisa abriu os olhos uma hora antes disto, para falar a verdade sequer dormira, revirou-se a noite toda em sua cama dividida com as outras duas filhas do senhor Castel. Era hoje que Stephane ia pedir-lhe a mão (ou o seu corpo) em casamento. Sabia que não possuía dote e que seu tutor não lhe ia tirar de suas filhas legítimas para dar a ela, mas também sabia que o velho ia sentir-se livre do fardo de a ter em sua casa. Talvez já tivesse começado a pensar em dá-la para algum camponês que lavrava suas terras, era uma forma barata de a ter sempre por perto para os serviços gerais que já fazia e ao mesmo tempo não gastar mais com ela. Ironicamente no dia que mais a interessava ficar em casa para espiar o seu destino, Aydee sua mãe de criação, mandou-a ajudar sua irmã que estava muito doente. Preparou uma cesta com pão e sopa de aveia, algumas frutas e foi com a pequena carruagem que lhe designaram, tendo ordem para retornar apenas quando esta estivesse a andar novamente. Deixou um bilhete antes de sair ao padre Jacques, escondido entre as primeiras folhas de sua bíblia de estimação, a explicar o contrato de casamento. Duas horas depois estava a avistar uma pequena propriedade cravada em meio a uma plantação de trigo. Três cachorros vieram ao muro avisar que havia alguém estranho nas proximidades. Ao fundo, na porta entreaberta, surge um rapazote a volta dos oito anos que silencia os bichos eriçados e a convida a entrar. Elisa coloca os pés sobre o piso de madeira que rangia a qualquer movimento, depositou a cesta sobre a mesa e seguiu o menino em direção ao quarto de sua mãe. Havia mais três ou quatro crianças pela casa, sendo uma delas ainda bebê de colo. Quando viu a mulher a gemer na cama rodeada de alguns pares de olhos infantis, Elisa pensou que se fosse apenas um resfriado ainda ficava ali presa uma semana ou duas. E seus dias foram de cozinhar, limpar, lavar, cuidar dos pequenos, já que a criada da casa estava em resguardo de parto e ainda não haviam arranjado quem a substituísse. Ouviu falar em uma prima que chegaria há três dias talvez, mas não veio. Os dias foram tão preenchidos que mal sobrava tempo para pensar em Stephane. Elisa emagreceu a olhos vistos, mas sentiu-se feliz quando finalmente a mulher conseguiu andar sem a sua ajuda e ainda mais quando os cachorros saudaram a tal prima da criada que havia chegado. Sua missão estava cumprida.
Mal entrou pelos fundos da casa, o senhor Castel lhe chamou à sala. Ouviu sua voz rouca e viu a mão pousada sobre o descanso da cadeira. Elisa mantinha a cabeça baixa e os dedos entrelaçados. 
- Tenho uma notícia para te dar. - Passou a mão rechonchuda pela cara e terminou coçando a barba ruiva. - Já estás na idade de casar, Elisa. Na primavera farás quatorze anos e ainda não tinha pensado seriamente em um pretendente para ti. Cresceste tão rápido - Olhou-a com o corpo franzino e ainda mais magro do que antes. Era quase um contrassenso o que acabava de dizer. - Tiveste sorte, Stephane o Campeão do rei quer a tua mão em casamento. Sinceramente não sei o que viu em ti, mas parece que tem pressa! Agora vá, outra hora falamos sobre o o resto... 
Elisa fechou os olhos como se um trovão lhe tivesse passado com força pelas veias. Sentia-se estranha, não parecia ser a mesma que habitava seu corpo, sentia uma repulsa e ao mesmo tempo uma força animal que a impulsionava para o meio da tempestade. Uma força que vinha de dentro, de baixo, e latejava cada vez que seus olhos cruzavam com Stephane. Todas as noites aproveitava a luz avarenta de uma vela para costurar o seu melhor vestido, com o qual casaria no próximo mês. Ele por sua vez estaria em campanha com a guarda do rei a fim de silenciar meia dúzia de homens que se insurgiam contra a alta dos impostos. Retornaria bem a tempo de esperá-la na igreja. 
Stephane surgiu em sua armadura, agora menos brilhante e com alguns amassados e arranhões de espada e foices. Abriu-a, retirando também a malha de ferro. Sempre a olhar para ela foi baixando a calça, retirando os sapatos até ficar completamente nu. Nesta altura Elisa virou-se para a parede, ele chegou-se afastando seus cabelos soltos para o lado. Esfregou o peito com poucos cabelos negros e isto provocou-lhe um arrepio na espinha. Stephane ia desabotoando o vestido com a destreza de  anos a despir mulheres. Desceu os dedos pelas cordas do espartilho desapertando-o de forma que Elisa pudesse  respirar normalmente. Fê-la abrir os braços e deixou-a apenas com a camisa fina que a cobria até a metade das coxas. Deitou-a beijando com sofreguidão a boca enquanto enfiava a mão à procura dos seios virgens e pontudos. Elisa não sabia se mantinha-se presente ou se viajava para algum recôndito de sua mente, sentia-se a flutuar para fora do corpo e a julgar-se tão reles como as outras mulheres a quem de forma perversa tinha traçado destino igual. O membro lhe rasgou a inocência e depois disto sabia que não haveria volta, nem mesmo ao convento que padre Jacques se referira, a menos que o consorte morresse. Estava agora presa para a vida toda. Os gemidos altos e ritmados de Stephane e depois o corpo inerte que lhe caíra por cima, selou-lhe a sorte como uma porta pesada de uma masmorra a fechá-la na escuridão.