segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Não posso morrer sem ver






                                                                    Positano - Itália

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Passeio de francês



Quarta feira passada o Fabian teve um passeio na escola, o primeiro deste ano letivo. A mãe aqui, escreveu o nome dizendo-se disponível todos os dias, assim como fiz no outro ano. Quando a professora chamou para ajudar a cuidar das crianças, imaginei que ia ser moleza como nas duas vezes em que o fiz, a prefeitura liberaria o ônibus que iria nos levar e buscar na porta da escola. Ledo engano. Segunda veio um bilhete para casa avisando-nos para comprar passagens de ida e volta para o tram. Fiquei responsável por quatro alunos, incluindo o meu filho, todo o caminho à pé até a estação (uns 10 minutos), no tram, na descida, no outro tram e finalmente na caminhada 15 minutos até o museu de arte moderna. 
No Brasil há uma expressão para isto: chama-se passeio de índio. Imagino que porque andar no mato seja algo ao mesmo tempo sem atrativo e perigoso. Achei que a professora não foi minimamente feliz em propor esta atividade, primeiro pelo trajeto que levamos boa parte do curto turno de três horas. Depois, pelo lugar. Pelamordedeus, museu de arte moderna?? Se eu tinha que me conter a cada minuto para não bocejar, como esperar que crianças de quatro a cinco anos achem aquilo interessante a ponto de ficarem quietas e prestarem atenção? Se ainda fosse um museu de arte com uma seção voltada ao público infantil ou com obras mais apelativas, mas não...colocaram-nas meia hora a olhar dois quadros acizentados de baixo relevo. Depois a ver um vídeo em que cães da raça weimaraner faziam coisas como se fossem humanos, com mãos humanas, mas com uma espécie de esqueleto de roupas à frente. No fim, a mocinha bem intencionada que os guiava, lhes propusera uma crítica às histórias infantis cujos personagens imitam nossos dramas de todo dia. Não sei se foi só eu que reparei, mas acho que a única coisa que realmente crianças daquela faixa etária poderiam aproveitar era o desenho com confetes, que pelo tempo, não deu para fazerem. 
Sem lanche nem água a manhã toda e com a volta tendo que descer duas estações antes e caminhar pelo atraso do tram, este passeio alcançou outro nível de chatice. Passeio de índio que nada, ida a  um museu, ainda mais museu de arte moderna, foi passeio de francês mesmo. 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Descobri



Pessoas que vem ao meu blog e descobrem que eu tenho um problema. E eu achando que não era a única, mas vai se a ver eu sou. Tenho um "problema", tenho defeitos e muitos. mas será que sou pior apenas porque falo deles, que os enxergo e admito ou deveria ser como estas pessoas que (fingem que) não tem problema nenhum? 
Acho que falta muita interpretação, ou boa vontade ou honestidade intelectual. Uso este espaço para desabafar, sempre o fiz. Mas podia ter feito diferente, podia. Podia ter criado um blog cor-de-rosa, um personagem disney que acorda e os passarinhos a ajudam a se vestir, que espera o príncipe encantado chegar com o sapato de cristal. Ao invés disto, escolhi desnudar-me, deixei cair pedaços de mim em palavras soltas aqui e ali. Palavras por vezes soltas em horas de raiva, de desespero, de medo ou solidão. Palavras felizes e saltitantes, de escárnio, de ciúme, de amizade. 
Eu não sou uma só, nem tampouco caibo em uma folha de papel virtual. Para falar a verdade, eu nem caibo em mim mesma... mas uma coisa é certa: alguém sempre deixa um pouco de si no que leu por aqui.

domingo, 21 de setembro de 2014

Parede indiscreta



Não tem aquele filme Janela Indiscreta em que um cara fica observando os vizinhos até que presencia um assassinato? Pois é. Estava eu aqui bem bela na noite de sábado, já me preparando para assistir um filme, quando escuto vozes exaltadas vindo sei lá de onde. Levanto-me e o primeiro pensamento correu pela janela. Moro em um lugar extremamente calmo e se não fosse pela lanchonete árabe do outro lado da rua, mal se ouviria barulho de carro depois das oito da noite. No entanto, lá estavam os gritos a invadirem minha casa. Abri discretamente o vidro e espiei pelo friso que a janela de madeira permite. Nada, um silêncio só. Tal e qual um cão farejador, põem-se toda e qualquer fofoqueira que se preze, a captar a trilha que levará até vozes abafadas. Não demorei muito para dar com o ouvido na parede crespa do hall de entrada. Eram os meus vizinhos franceses que ao invés que lavarem roupa suja na casa deles, resolveram fazê-lo na escada. E a escada dá para o meu hall. Literalmente não fui eu quem procurei o babado, ele é que veio atrás de mim, entrou pela sala e me convidou a segui-lo. 
Eu nunca tinha escutado a voz da vizinha, a não ser quando ela gemeu e chamou a Deus, sacudindo os móveis certa noite. Mas de verdade que eu não lembrava da voz da alemoa e mesmo que lembrasse, penso que em nada se assemelharia àqueles gritos desvairados, ao choro e aos tapas que, acredito, encontraram qualquer parte do marido rechonchudo. 
E o que mais me intrigava era: o que diabos esta mulher fez com a pessoa calma e polida que eu conhecia de vista? Só escutava uns "merde" "tu es insupportable", "faz onze meses que eu não durmo", esta palavra se repetia já que o casal tem um filho de precisamente onze meses. "Je n'arrive pas à dormir" e bla bla bla, que o presente de aniversário foi uma merda, "nussa", que será que o homem lhe deu? Um aspirador de pó automático? 
Os gritos continuavam cada vez mais altos, enquanto que a voz do homem irritado, porém com algum controle arranjava ora desculpas, ora acusações. E lembrei-me que já não estava traduzindo nada, apenas pensava na possibilidade de ter de ser testemunha de um crime passional, meu Deus, esta mulher vai realmente matar este homem! 
Ficaram ainda meia hora a discutir, até que os ânimos se aquietaram e pude finalmente ver o meu filme com certa melancolia de não estar tão bem no francês como eu julgava. Minhas habilidades estão assim: entender o que o interlocutor fala (check); compreender desenhos animados (check), falar coisas básicas como "onde-fica-o-banheiro" (check); desvendar as discussões dos vizinhos por uma parede grossa com gritos e soluços pelo caminho (no). 
Pelo menos deu para reparar que apesar de toda a politesse, quando o negócio tem que descambar, descamba. A francesa rodou a baiana e lavou a escadaria do Bom Fim de um modo que eu jamais imaginaria. E depois nós os latinos é que levamos a fama!

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Fabian vocabulário

expemimenta - experimenta

pegui, janti, guardi, já buti

suco di lalanja

faquibuque (facebook)

quéur - coeur

ciulme - filme

sutibol - futebol

apúqui (hamburguer)

boboleta

fiquileta (bicicleta)

mose (ônibus) - ômis (plural de ônibus)

patel (quartel do marcha soldado)

comaín (mackeen)

Guti (Woody), Buslatiu (Buz Light year)

pananapo (guardanapo)

pampufa (pantufa)

pista - pizza

cutadôie - computador

mamamagasca  - Madagascar

 Bundu - Dumbo

Lidu - Lidl

Caca cola - Coca Cola

Torrafia - fotografia

Badachuva / dadachuva - guarda-chuva

Táqui - taxi

Chiquileti - chiclete

Homem anhanha

Fanstasma - fantasma

vô ti ixpicá

carro di iscorrida - carro de corrida


quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Quinze coisas aleatórias sobre mim

1 - Pego o sotaque de duas pessoas com quem gosto muito de conversar em questão de minutos: uma é mineira e a outra do interior do Rio Grande do Sul. Mas posso morar anos em um lugar e continuar a falar como sempre falei.

2 - Se me dissessem há quinze anos atrás que estaria casada com um homem bem mais velho do que eu e vivendo fora do meu país, eu nunca acreditaria.

3 - Uma das coisas que mais me dá prazer na vida é escrever. Se deixasse a preguiça de lado, bem podia escrever um romance ou uma coletânea de contos, nem que fosse apenas para guardar para mim.

4 - Quem me conhece inicialmente me acha antipática. Sou muito na minha e só vou pegando confiança aos poucos.

5 - De animais de estimação já tive: gato, coelha, hamster,periquito, cachorro, tartaruga. Atualmente tenho três peixes, mas são de longe os bichos mais aborrecidos para se ter. Falando nisto, não tem dia que não pense no Yoshi, meu cachorrinho que ficou no Brasil. Se der tudo certo, ano que vem ele estará com a gente de novo!

6 - Falo sozinha. Muito. Ihh...agora ainda mais.

7 - Houve um tempo em que pensei em virar freira. Ainda bem que passou rápido, só de saber a hora que elas acordam para rezar.

8 - E sim, odeio acordar cedo.

9 - Posso estar louca para ver um filme, mas se for dublado desisto na hora. Tenho uma saudade enorme de ir ao cinema e pelo visto vou ficar muito tempo ser ir (já que aqui mesmo no cinema os filmes são dublados).

10 - Adoro fotografia e tenho jeito para a coisa. Precisava era de uma câmera melhor e paciência também para ler os manuais.

11 - Sonho todas as noites há quase dois anos com uma casa. Ou a casa é de alguém, ou é minha, ou estou procurando uma casa para alugar, ou é uma casa de praia da minha infância. Enfim, é o subconsciente querendo falar alguma coisa.

12 - Passo muito bem sem maquiagem, no máximo um gloss e olhe lá. Reboco só mesmo se for alguma festa ou ocasião especial.

13 - Tenho gostos por cheiros estranhos: amo cheiro de gasolina, de terra molhada e de mofo. Não necessariamente nesta ordem.

14 -  Já tive mania de limpezas e de organização, hoje já estou bem mais moderada, mas ainda gosto de colocar os controles um ao lado do outro.

15 - A maioria das pessoas que conheço tem o sonho de morar em Paris, eu devo ser um E.T., mas iria detestar a ideia. Só vou  obrigada, isto é, se não der certo em Nice, o mais provavelmente é irmos para lá (blerc).


Este desafio foi proposto pela Timtim e eu deixo para quem sentir vontade, mesmo que não tenha blog, se quiser  dizer algumas palavrinhas :)

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

La rentrée

Acompanhei net à fora os desabafos das mães na volta às aulas e, embora aqui já tenham começado há mais de duas semanas, tivemos algumas mudanças. A pior ao meu ver, foi ele ter trocado de sala e por consequência, de professora. Ah, que saudades madame Fisher!! Mesmo tendo o seu jeitinho para lá de especial à moda alsaciana, ou seja, apertos de mão, sorrisos à parte, a ex prof (vou chamar assim para me lembrar do Brasil) era muito paciente com ele, até lhe dava tapinhas nas costas quando chorava! Vê só.
Eu não sou uma daquelas mães que quase se derramou em choro e ranho na porta da escola, aqui levamos tudo naturalmente, ainda que o rapaz esteja em outro país e necessitando com urgência aprender a língua francesa. Acabaram-se as tardes dormindo em casa, levei um senhor puxão de orelha da prof atual porque ela acha que três horas pela manhã é pouco. Todas as segundas ele e mais quatro colegas vão ter reforço com ela até às 16:20. Ah isto é outra coisa que mudou, não bastava a gente viver em função de pegar filho-levar filho, decidiram que às quartas feiras pela manhã vai ter aula. Mas para compensar, resolveram tirar uma hora dos outros quatro dias no turno da tarde, ficando assim: 8:30 até 11:35, retornando à 13:30 até às 15:35. Prontos, não se faz mais nada. Esta reviravolta na rotina resultou em abolir de vez o soninho e agora vou reorganizar o jantar e banho para que às 20 horas mais coisa menos coisa, estejam ele o "homem aranha" na cama. Espero que a próxima escola que matricularmos tenha cantina para que eu possa me dedicar a fazer mais cursos e praticar mais o francês. Já fiz um ano aqui, bolas, já está na hora de parar de brincar de mímica e falar frases mais conexas com início meio e fim, sem aqueles hummm... hãã...que tanto me irritam.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Alguém quer mesmo se parecer com uma boneca inflável?

Quer! Uma modelo francesa com a ajuda do namorado italiano passou por uma série de cirurgias plásticas a fim de parecer com uma boneca, não aquelas  feita de  silicone com esqueleto de metal (embora ela tenha usado muito), consideradas o top do prazer solitário.

Nada disto. Ela queria se parecer com estas:

Agora a pergunta que não quer calar...como alguém consegue viver com uma bunda no lugar de peitos?







As coisas que o marido conta

Há mais de duas semanas no trabalho novo, ele já reparou em algumas coisas no mínimo inusitadas. O pólo da empresa se situa em um parque de difícil acesso e por isto a mesma disponibiliza navettes* para o povo que não tem carro ou força de vontade no lombo para a subida que é até ali. E é no que o marido vai, mas ele tem um colega que vai de bicicleta, vestindo camisa social, calções de ginástica, meia e sapato de trabalho. Mas não é só isto. Ele chega na sala, onde se encontra a sua mesa e mais cinco, fecha a porta e troca de roupa ali mesmo na frente deles. Eu perguntei ao Fernando: mas e se alguma mulher entrar? Ele diz que as pessoas batem na porta, mas o homem não está nem aí, faz o que tem que fazer com a maior naturalidade do mundo. 
E outra coisa interessante, é o campeonato que os colegas estão fazendo. Logo no primeiro dia, o marido reparou em um quadro de avisos em que estava escrito o nome de todos eles, ao lado de um número. Mesmo intrigado, não perguntou nada. Também não precisou. Nas primeiras horas enquanto tentava se concentrar em ler os manuais da nova linguagem que tem de dominar, ouvia seguidamente uns plaft. Plaft. Pumb. E lá alguém se agitava em triunfo com uma mão para cima, Menos um, ou será mais um? Sim, isto mesmo, eles fazem campeonato de quem mata mais mosquitos, o que naquele lugar húmido e recheado de mato, é o que mais deve ter. Não basta apenas matá-los, tem de erguer os restos diminutos (não sei se ganha mais se tiverem sangue) e mostrar a todos para que se registre no quadro.
O marido decidiu se abster daquilo, uma porque sequer enxerga as aranhas de dez centímetros aqui de casa e outra porque atrapalhado do jeito que é, ainda era capaz de derrubar o computador no chão. Sendo assim, apesar da saudade, eu  que não queria ser uma mosquinha nem um mosquito ali naquela sala... mesmo que fosse para ficar mais perto dele!




* vans

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Às vezes no silêncio da noite...



Para que palavras se tem o mestre?

A turca

Passei por ela duas vezes na subida para a escola. Vinha pendendo para os lados com as mãos na ilharga, o vestido até os pés e o lenço amarrado na cabeça. Lembro-me desde a primeira vez que a vi, há um ano atrás, pensei que estivesse doente tal era o tom pálido amarelado e as olheiras profundas e roxas que a destacavam da aglomeração de pais à espera. Fora isto, a expressão de alheamento, o lábio costurado em uma linha reta a qual nunca vi curva alguma. Não foi nenhuma surpresa quando ela desabou minutos antes do sinal tocar. Alguém soltou um grito, mas creio não ter sido ela. Caiu sem sequer suspirar, os olhos plenamente brancos até ir encontrando ombros pela descida. 
Dias passaram-se, e o seu menino era trazido ou levado por outra pessoa. E quando finalmente ela apareceu, trazia o ventre inchado como se alguém o tivesse soprado na noite anterior. As olheiras ainda mais cavadas na pele sobre o tom pálido de sempre.
Dizem que a gravidez traz um brilho especial a muitas mulheres, olhei-a disfarçadamente e constatei que infelizmente não foi o caso. Às vezes meu lado cusco quer perguntar o porquê daquela tristeza, mas me atenho ao fato de que parece que aquela mulher nem está mais aqui. Se me atrevesse, imagino que minhas palavras caíssem a seus pés bamboleantes, e que ela as pisasse distraidamente  como se o fantasma fosse eu...

Sobre o verão da Alsácia

Tal como aquela velha piada: 
Vai ser bom!
Não foi?


sábado, 13 de setembro de 2014

Vamos ver se nos entendemos

Situação nada hipotética na minha vida. Sabe aquele momento que senta ao teu lado uma mãe e desata a falar e reclamar que não tem sossego, que como os filhos roubam tempo e paciência e patati patatá? E depois com a cara mais deslavada do mundo, abre um sorriso colgate e pergunta: mas compensa né? Eu acho que a pergunta em si é retórica, mas mesmo assim faço um esforço de imaginação. Quem sabe daqui uns anos, quando ele estiver um homem feito, quando estiver discursando num púlpito de uma universidade qualquer, quando tiver casando com a pessoa que ame, quando estiver pegando nos braços pela primeira vez alguém que ajudou a fazer, quem sabe um dia, quem sabe talvez, eu diga que sim, que compensou. Até agora a resposta é um grande e redondo NÃO.


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Vida de emigrante

Com sete anos vivendo fora do Brasil, eu já não me deslumbro com isto. Pelo contrário, às vezes fico muito sem graça quando alguém diz com aquela pompa que moro na Europa. Ah péra, to recebendo um telefonema da França! Antes eu confesso, logo que tornei-me emigrante que sentia lá no fundo uma ponta de orgulho, um orgulho absurdo e bem escondido, pois nem eu mesma sabia o que faria com ele. Afinal, orgulho de que mesmo? Não sou um ser especial só porque vivo fora do meu país. E por acaso nem é a mim que concedem este título, mas é me  transmitido pela crença de que "nas Europa" vive gente educada, sim, muito honesta, onde tudo é lindo, muito bom.  E por convivência, esta civilidade seria me passada através de uma espécie de osmose cultural ou coisa que o valha. 
Eu já deixei-me disto no momento em que pus os pés em Portugal, e creio não ter levado um ano para livrar-me completamente desta síndrome de vira-lata que acomete quase todo o brasileiro, inclusive aqueles que moram fora do Brasil. E o antídoto é de graça, e não dói. Ao menos a mim não doeu (tanto).
Para aqueles que sonham deslumbrados com o país das maravilhas, só recomendo-lhes aquela música do Titãs: "quem espera que a vida seja feita de ilusão, pode até ficar maluco ou morrer na solidão". Não há perfeição aqui fora, há pessoas de todos os tipos: educadas, mal educadas, que só querem se dar bem, e pelo amor do meu saco de paciência, o jeitinho "brasileiro" é universal. E muitas, muitas vezes as pessoas só não fazem mais, não porque sejam moralmente superiores, mas porque há um tácito acordo de entre-vigias. Se eu não posso, fulano também não pode, porque se fulano fizer e não der nada, eu vou atrás. 
Depois de um ano na França, descobri que para ser mal educado é só preciso falar "pardon", que funciona como um passaporte dando-me o direito inclusive, de tirar as pessoas do lugar que ocupam para eu sentar. Não, eu ainda não me utilizei dele, mas já fui confrontada com esta atitude mais vezes do que gostaria. E ontem foi o estopim, quando uma mulher de quase 200 quilos passou-me à frente na fila para pegar o seu filho na mesma sala, e quando eu suspirei, ela desatou a xingar-me para toda a escola ouvir. Ai de mim que não respeitei o código do "pardon", minhas desculpas, senhora, por não tê-la deixado ser mal educada em paz...
Depois quando escuto algum brasileiro a falar só maravilhas do exterior, eu  penso silenciosamente, "coitado...se ficar mais tempo ainda vai ver-se nu desta ingenuidade toda". E vai doer mais nele do que doeu em mim.


sábado, 6 de setembro de 2014

Na praça

Ela olhava para as crianças e soltava risadas que mais se assemelhavam a gritos engasgados. Talvez perdidos pelas palavras que queria dizer. Os meninos iam e vinham com seus patinetes de metal, faziam manobras às vezes bem sucedidas, às vezes nem tanto. A pista estava democraticamente dividida com os dois lados em inclinação maior para os meninos grandes e a rampa menos íngrime, assim como um pedaço da plataforma, para os pequenos como o meu filho. A menina, de cadeira de rodas e mãos tortas, observava incontida eles girarem à sua volta, balançava levemente os braços e fazia menção de subir na pequena rampa. Uma hora ela foi. Colocou as mãos em forma de concha pelo pegador das rodas e as movimentou naquela direção. As crianças pequenas pararam. Os adultos observavam sua determinação e os adolescentes seguiam fazendo o que já faziam há pelo menos uma hora desde que eu tinha chegado na praça da Mairie. Ela tentou. Empurrava com esforço. Já sabia o gosto da sensação de descer semi-selvagemente pelas mãos do pai ou que quer que seja. Ela havia deslizado de costas e rira tão alto como alguém que ganhara na loteria. As rodas subiram meio palmo e não mais. O Fabian parou por instantes, mas depois desviou para descer nas pontas dos pés em sua bicicleta sem pedais. Os adultos começaram a ficar preocupados, até que o senhor veio de um banco e lhe pôs quase rampa toda para trás. Ela foi e voltou meia dúzia de vezes, sempre rindo em gritos, gritos que me sacolejavam por dentro e me davam vontade de rir também. Na última vez a cadeira rodopiou por milésimos de segundo e emborcou para o lado. Prendi a respiração, mas ela estava presa por um colete preto e só ria ainda mais alto. Desta vez eu ri junto, gargalhei, não sei se de alívio ou de vergonha. Dizem que uma das coisas que as pessoas com deficiência mais detestam é que lhes sintam pena. Então mas e como faz se este é o primeiro pensamento que nos vem e que paira ali como se fizesse fundo em toda a cena? Ignorando a tudo, ela ria. Ria. E continuava a rir. De mim ou dos meus preconceitos...que importa? Ela ria.

Hoje foi o dia

Vi um homosexual assumido a xingar outro homem chamando-o de "traveco", sendo que este não se parecia nem um pouco afeminado. Mas se fosse? 
Às vezes a vida é tão surreal que podemos duvidar se não estamos fazendo parte de algum esquete de pseudo humor...

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Mãe solteira

Não sou, mas agora vivo como uma. Minha mãe foi mãe solteira por alguns anos da minha infãncia, mas embora ela trabalhasse, nunca foi independente. Sempre teve meus avós e meus padrinhos dando cobertura quando precisasse. Isto é uma coisa que me aterroriza, hoje inclusive falei com o marido que tenho medo de limpar o aquário sozinha. Já o limpei outras vezes, é chato e trabalhoso, mas a rainha do drama que mora em mim, imagina-se a escorregar no azulejo e transformá-lo em uma chuva de vidros pontiagudos sobre a minha pele. Então e quem me socorre? Quem vai cuidar do Fabian? Não tenho ninguém. Esta solidão real me assusta, não aquela que me leva a falar sozinha, esta eu conheço de outros carnavais e até a suporto bem. 
Mas eu sabia que seria assim, e às vezes me pego pensando que se ficar viúva (Deus queira que demore muitos anos) vai ser mais do mesmo e isto me deixa ainda mais angustiada. Deito na cama e aquela silhueta contra a luz transformou-se no monte de cobertas vazias a que tentei em vão que se parecesse a algo com vida. Desisti de brigar com o sono e comigo: trouxe o Fabian com travesseiro, coruja, tapa-olhos e homem-aranha, para o meu lado e lá quando a noite  faz a curva, permito-me escorregar para os sonhos na esperança de não estar tão só. 

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

#somostodosracistas

Pois bem, a tia explica meu povo do facebook. Depois de me terem saturado a linha do tempo com tantas fotos, denúncias, pitacos, desaforos e paninhos quentes, resolvi eu abrir a boca, não lá, porque periga me fugirem os amigos todos de uma só vez. 
Para quem não sabe, a histeria coletiva agora é sobre um filme sem som capturado no estádio do arqui-rival do meu time, o Grêmio, de uma moça branca de olhos claros a gritar ma-ca-co. Bem assim, pausadamente. Tão pausadamente que se via o desenho inconfundível que sua boca articulou. Ela e mais um grupo xingavam o goleiro Aranha do Santos, bem atrás do gol. O grêmio perdia em casa por dois a zero e os gritos foram tão insistentes que o jogador pediu para os cinegrafistas filmarem os agressores, mas por um motivo qualquer nada foi divulgado até cair na net como aqueles filmes de celular que se espalham feito pragas e explodir em indignações. Foi no calor do momento, disseram uns. Aihnn mas somos todos macacos, dizia a loira magra. Alguém por sua vez levantou a bandeira do humanismo e outros gritaram virtualmente "racista", criticando a sociedade, as torcidas organizadas e tudo, tudo.
Minha gente, nós brancos somos todos racistas. - Pausa para o choque. - Porque racismo é estrutural, é uma coisa que não se escolhe, simplesmente se é. Vivemos em um sistema racista e que automaticamente por nossa branquitude nos dá privilégios, por isto não se trata de uma escolha, a menos que tenhamos a decência de sermos racistas em desconstrução. 
Este sistema racista, o qual nos reveste cada poro,  impede ao máximo a ascensão econômica da etnia negra, a auto-estima, a educação, a liberdade de crenças religiosas, etc. Basta apenas correr os olhos pelas profissões com maior retorno financeiro e lembrar quantas vezes fomos atendidos por médicos negros e depois quantos são os que nos recolhem o lixo, nos varrem a rua, nos entregam o gás ou nos faxinam a casa. É só reparar que tipo de papéis em novelas eles desempenham, é só olhar para as bonecas enfileiradas nas lojas, para as Barbies em 50 tons de loiro e com apenas uma amiga negra (ainda por cima de cabelo liso). É só olhar para a nossa história e relembrar que o incentivo à imigração de alemães, italianos, chineses, foram além dos motivos econômicos, uma questão de embranquecimento da população brasileira, que ainda assim, segue sendo em sua maioria  "parda", negra e indígena. 
Não vou nem falar das piadas. E dos ditos populares tais como "isto é coisa de negão", "nego só faz merda mesmo". Porque as mesmas pessoas que agitam os dedos apontando racismo, são as que abrem a boca para falar isto. Ah mas é só brincadeira, eu não estava falando sério! 
As pessoas acham que racista é aquele cara que um dia acorda e diz: hoje me deu uma vontade de tacar um pau num nego! Não é. Dizer que a coleguinha tem que alisar o cabelo ruim  para ficar mais bonita, é racismo. Pensar isto também. Aliás, falando em padrão de beleza, onde será mesmo que anda o negro nisto? Quantas modelos negras nas capas de revista? E quantas as  poucas atrizes inclusive estrangeiras que não tenham ainda passado por cirurgias para afinar o nariz, pintar o cabelo de loiro, alisar, tomar menos sol, etc. Veio-me agora na cabeça o chorume que foi a Lupita ter ganho de uma revista o título de mulher mais bonita do mundo. Quantas vozes se mostraram contra, alegando nada ter a ver com racismo e sim com gostos pessoais? E o que são os gostos "pessoais" senão imposições culturais, diga-se mais uma vez, de uma cultura racista? 
A hegemonia do belo como sendo o branco, principalmente o combo: branco, loiro, alto, magro de olhos azuis ou verdes. Coisa que mais me irrita é dizer que tal criança/mulher/rapaz é lindíssima/o e vai-se a ver é só porque tem os cabelos claros e olhos azuis, não há nada de especial em seus traços físicos analisando friamente, assim como me irrita a admiração desmedida principalmente por uma criança negra ostentar olhos claros ( que muitas vezes não passam de photoshop). Acompanhado daquela famosa frase: partilhe se você não tem preconceito. Gente, simplesmente parem! Tá ridículo. Vamos por a mão, as pernas, a cabeça principalmente, na consciência e parar de apontar o dedinho cheio de merda para o outro. Não pensem que só porque vocês não gritaram macaco são as grandes sapiências humanitárias, tipo dando uma de benfeitor de escravos, sinházinhas e sinhôzinhos indignados porque afinal de contas, vocês tem até amigos negros, né? Vocês até já namoraram um. Seus bisavós por parte de mãe eram negros... Parem de rodeio e repensem seus privilégios por serem brancos. Pensem que estudaram todos em colégio particular, que entre vocês e um negro quem tem mais chance de ser contratado são vocês, que é sem noção usar camiseta "orgulho branco", que a mulher negra é hipersexualizada, tida como quente e que só serve para casos e nunca para compromisso, comecem por estas frases automáticas que a gente tem vergonha de gritar em um estádio, que vocês chegam lá.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Tia Graça

Eu tinha seis anos quando deixei de colar feijões e corda em forma de letras. Sentia-me finalmente grande quando ganhei um caderno com linhas: naquele ano ia aprender a escrever! Julgo nunca ter até hoje encontrado pessoa com mais paciência do que a minha professora da primeira série, a professora Graça. Maria da Graça para a diretora, Gracinha para os pais e Tia Graça para nós. Tinha os cabelos cor de fogo, curtos, porém desgranhados para cima, e a pele tão branca que por vezes misturava-se com os dentes, constantemente à mostra. Era pouco mais alta do que os alunos e vestia calças de abrigo com tênis brancos.
Lembro-me de como eu era chata e insistente assim como meus outros colegas, com o quadro riscado à frente. Levantava-me com os meus garranchos e perguntava se podia mudar de folha ou de linha ou se estava bom a letra daquele tamanho, que torta, ocupava duas linhas ou três. Tia Graça sorria, passava as mãos nos meus cabelos e dizia que sim, com uma voz doce. Às vezes eu penso, poderia ser a vida como a tia Graça? Bem que poderia. A gente assim sem jeito, colecionando tropeços seja por falta de experiência ou de juízo e ela por fim, a nos responder doce e com um sorriso rasgado de que está tudo bem. 
Repito: nunca até hoje descobri criatura tão dotada de paciência...tem horas que eu olho para o meu filho e penso que nem Jó o aguentaria. Queria nestes momentos em que eu como errada, falha e impetuosa que sou, ser agraciada com um fiapo que seja do dom da tia Graça. Mas desconfio que até ela ficaria de cabelos (ainda mais) em pé...

Meu dia

Se resume a:

Mãe, o papai já tá quase demolando?

Mãe, o papai já vai chegá?

Mãe, tu vai botá a ropa em mim puque o pai vai nos levá de avião?

É lá na otra lua, mãe?

Nós vamo na paia? O pai já aumou a casinha pá nois?

Over and over again.