sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

"Há que endurecer, mas sem perder a ternura"...( e como é que se faz isto meu filho?)

Chegando ao fim a primeira semana de férias, não deixo de pensar que este país tem-nas em demasia. Afinal férias de inverno para quem não tem carro, em um lugar que não tem quase nada para fazer significa apenas ficar em casa dia após dia. Ontem mesmo me dei conta que se não saísse, ia completar uma semana sem por o nariz para fora de casa, lá reuni coragem e fomos na praça da Mairie. Às vezes sinto-me observadora da minha própria vida, eu sento em um banco sentindo aquele frio que me adormece os dedos e enquanto vejo ao longe o Fabian brincar, imagino-me longe, muito longe. Não sei ao certo o que procuro e qual o propósito de estar aqui, se é viver dias iguais, se é voltar a estudar, se é me dar um tempo. Por enquanto não sinto qualquer ódio em particular, sinto-me apenas a vagar através do tempo e tal como se fosse em um sonho, belisco-me, mas não tenho a certeza de que sinto mesmo a dor ou se esta é apenas uma construção da minha mente. De qualquer forma tudo tem de passar por lá mesmo, mas no fundo, eu sigo...distante...longe...dormente.... 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Bandido bom é bandido morto

Eu acho que devia ter uns oito anos quando soube que meu avô tinha sido assaltado. Foi no centro da cidade, tinha ido buscar um dinheiro (como naquela época existia o imposto por transferência bancária, muita gente preferia retirar e fazer o depósito com a quantia em mãos). Levou um pontapé, caiu e ninguém fez nada. No centro lotado, as pessoas simplesmente passaram e sequer ofereceram a mão para ele levantar. Lembro que senti muita raiva quando ele contou, eu queria trucidar quem tinha feito isto com o meu vô, mas como disse, eu tinha oito anos... 
Hoje, descendo os olhos sobre as notícias, pulam casos e mais casos de pessoas que fazem justiça com as próprias mãos, surram, amarram em postes, matam. Dizem elas que bandido bom é bandido morto. E este punhado de gente é obscenamente aplaudido por uma multidão descontente com este Brasil da copa, com a corrupção esparramada nos noticiários, com as verdades absolutas de filmes caseiros no youtube. Uma coisa que devíamos saber separar é o sentimento de raiva e impotência das vítimas  do revanchismo. A raiva é legítima, o último não e nem é preciso explicar porque. Qualquer pessoa em seu perfeito juízo vai saber que a pretensa ideia de "dar uma lição" não deixa de ser crime.
Os dedos estão apontados, acusadores, por uma gente branca, que tem faculdade, que viajou a Disney e conhece a torre Eiffel. E estes dedos acusam: a culpa é do Lula, é da Dilma! A culpa é do bolsa escola, a culpa é destes pobres que só sabem fazer filhos! A culpa por fim, é do próprio bandido que escolheu um caminho torto. Eu não sei se estas pessoas já tentaram por alguns minutos saírem da frente dos seus smartphones e das páginas da Veja... Mas a verdade é que o marginal que nos assalta é uma espécie de efeito cuja causa somos nós. 
Há um tempo atrás li uma reportagem sobre o porquê a taxa de violência em Luxemburgo ser tão baixa. Dizia o autor que a diferença entre abrir com tranquilidade o seu laptop no transporte público está em ganhar menos. O salário de um lixeiro para o de um gerente comercial são dois mil euros a menos em média. Aqui na França também podemos notar isto, mesmo que a diferença salarial seja maior. Nada é comparado com os menos de 700 reais de salário mínimo e os salários da classe média de oito mil reais, vinte ou trinta. Nem estou falando de gente riquíssima, de presidentes de empresas...estou falando de um salário que é perfeitamente possível de atingir (se você é da classe certa). 
Outra coisa que as pessoas não tem noção, é que a questão "escolha" que jogam para o criminoso é no mínimo ilusória. Ah, claro, ele pode ser honesto, eu sou honesta, não é difícil. Mas eu estudei em escola particular a vida toda, eu não tenho nenhum familiar toxicodependente, eu tenho uma família estruturada. Se as pessoas soubessem as histórias que fico sabendo de amigas professoras cujos alunos com dez anos se prostituem, que outros estão no tráfico pois só assim para ostentarem roupas de marca, que não há simplesmente ninguém que se interesse por eles... Que aos dez, onze anos são pequenos adultos que fazem escolhas de adultos, mas que no fundo tem a maturidade cronológica esperada para a idade. É fácil ser bom quando se é privilegiado, quando a violência é apenas no noticiário e não na nossa casa quando o pai bebe e sai distribuindo socos em quem alcançar. É fácil manter-se honesto quando as portas não se fecham pela cor da minha pele, quando tenho a oportunidade de terminar a faculdade e já emendar um mestrado. Pergunto-me se estas pessoas que reclamam  deste país corrupto e violento abririam mão de ganhar salários tão altos em nome de uma melhor distribuição de renda. Ou falar de impunidade, dar lições em moleques batedores de carteira e jogar a culpa em toda a corrupção que rola em Brasília é mais a cara delas? 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Ironias

Hoje é o último dia de aula antes das férias (mais duas semanas em off). A professora fixou no início desta semana um aviso no alto da porta dizendo que as crianças que desejassem se fantasiar podiam fazê-lo. A primeira coisa que eu perguntei ao Fabian foi se queria se fantasiar, mas ele disse muito seguramente que não! Sacudi os ombros: saiu igualzinho ao pai.  Hoje quando chegou de manhã, ao ver que todos estavam preparados para o "carnaval" ele vira-se e pergunta ao Fernando: então, tu não vai por este troço em mim? 
Ah pois é...o único brasileiro da turma que não queria saber de carnaval.

Avaliação escolar

Ontem veio a avaliação do Fabian para lermos e assinarmos embaixo. Muitas coisas não puderam ser pesadas porque ele não domina o francês. Mas apesar de estar em desvantagem com relação as outras crianças, vi aspectos positivos na parte de expressão artística, no respeito às regras (para comer, lavar as mãos, esperar o colega falar) e principalmente na atenção na hora da professora contar uma história. Já no Brasil tinham me falado disto: o Fabian é uma das crianças que mais gosta de estar parado a escutar um conto, neste caso, mesmo que não entenda muito bem. Diz a professora que ele responde as perguntas que ela faz sobre o livro, mas em português, o que já é um passo. 
Nós temos reforçado para que ele participe mais das aulas, que não tenha vergonha de falar, mesmo que ainda não se saia muito bem. Conosco ele diz algumas palavras em francês e inclusive canta as músicas que aprende na escola, mas eu sei, a criança que temos em casa é por vezes muito diferente da que a professora conhece. Ainda assim estou contente, acho que é um menino que já passou por muitas mudanças em tão pouco tempo de vida, portanto é só dar tempo ao tempo. 

O que é ser inteligente?

Tenho a plena consciência de que fui uma aluna mediana, não no que diz respeito à notas porque sempre tirei Bons e Muito Bons, mas notas boas para mim não é sinônimo de ser inteligente. As provas tão temidas eram apenas avaliações superficiais do conhecimento fresco ainda pela memorização. Afinal, olhando hoje para tudo o que me foi ensinado, questiono-me o que permaneceu e o que se "evaporou" da minha cabeça. Então se a inteligência fosse medida por notas, seria coerente pensar que agora eu já não possuo mais esta tal inteligência? Ela se foi com os anos e com o tempo? 
Para as ciências exatas era preciso calma, exercícios e prestar atenção na aula, só assim para alcançar um bom resultado. Mas nunca tive qualquer problema em educação artística, por exemplo, em criar histórias e fazer redações e interpretar textos e feições. Às vezes pergunto-me porque este tipo de habilidade não é tida como inteligência, porque a sociedade sobrevaloriza ser bom em matemática, química ou física quase como se fosse o selo oficial de um QI alto. Ninguém olha para um desenho bonito e pensa: nossa que criança inteligente! Mas olham ao contrário, para a boa nota de um teste sobre átomos e dão tapinhas nas costas dos filhos. E hoje, já adulta, imagino que nas provas da vida, podemos mais é enfiar estas notas no fiofó, porque de nada servem...e há tão poucos, mas tão poucos com a inteligência que esta nos cobra: a inteligência emocional... (Agora veio-me a lembrança da primeira vez que achei um livro no lixo: e o nome era exatamente este: A inteligência emocional. Arrependo-me até hoje de não o ter resgatado. Enfim.)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A última moda aqui em casa

É o Gommy bear. Para quem tem a sorte de não saber trata-se de um urso verde que canta música de boate, das bens histéricas. O Fabian adora, imagino porque! Já eu não consigo dissociar a imagem do urso com a de um daqueles homens  e de barba por fazer com olhar de LSD

Facebookeando


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O câncer do Brasil




Não, não é a corrupção. São os crentes, mais especificamente os evangélicos. É claro que há como em toda regra algumas exceções, mas o problema está em a comunidade crente ter se tornado cada dia mais expressiva no Brasil, inclusive na política. A primeira vez que tomei contato com eles foi na faculdade. Eu e uma amiga tínhamos uma aula daquelas que nem davam tempo de almoçar antes no RU, já que começava à uma e pouco, e nem dava para almoçar depois, porque terminava às três. Neste meio tempo ficávamos vagando pelos corredores de luzes apagadas e salas vazias enquanto comíamos algum lanche que tínhamos trazido. Naquele dia percebemos um alvoroçamento incomum: balões, música (rap? já não lembro), e algumas pessoas passando com pratos com doces e salgados. Alguém nos viu sentadas a um canto e nos convidou para entrar na "festa". Não foi somente alguém, diria que foi um certo alguém alto e lindo, de olhos verdes da cor do mar de Maceió. Olhamo-nos e fomos com muito prazer. Chegando lá, muita alegria, confraternização entre estudantes na maioria do curso de letras, e ficamos sabendo que a tal festa aconteceria todas as quintas naquele horário. Quando nos despedimos por causa da aula, eles perguntaram: então, voltam? E nós: que dúvida! Depois...bem depois nos apresentaram a bíblia e a sua "missão" (caramba que aquela gente se leva bem à sério) na faculdade. Queriam que participássemos das festas que rapidamente deixaram de ser apenas diversão para ser o veículo por onde tentavam nos convencer a frequentar uma igreja evangélica. Para quem não conhece há várias: Universal (que é a mais conhecida), Igreja do evangelho quadrangular, do triangular, etc. Mas ao saber que tanto eu quanto a minha amiga não tínhamos intenção de nos engajar à causa, a nascente camaradagem terminou. Ali.
Eu não sou contra as religiões no geral, mas sou contra a ignorância, ao preconceito e consequente intolerância travestida em fé. Porque se as pessoas vão a qualquer lugar, seja um terreiro de umbanda, seja uma igreja batista ou evangélica e aquilo faz-lhes bem, é isto que importa. Mas não acho jamais que este tipo de culto faça bem porque o que acontece ali é uma lavagem cerebral em que são todos muito amigos e muito unidos se comungam da mesma fé, no entanto são proibidos de manter contato com pessoas de outras religiões a não ser para trazê-las para o rebanho. Há casos que vi com os meus próprios olhos de pessoas que inclusive se afastaram da família, que deixaram de assistir tv, que passaram a escutar somente a rádio do pastor e que finalmente acabaram se divorciando porque não há Cristo  que aguente alguém assim. Para mim este fanatismo evangélico é uma pseudo religião, porque se o significado da mesma é "religar" a Deus ou a uma energia divina e por conseguinte a tudo que desta advém (ou seja, a humanidade está incluída), e a única coisa que faz é separar, é ostracizar e infernizar quem não acredita no mesmo, então esta não cumpre o seu papel. Além disto, outra coisa que deixa-me perplexa é o fato das pessoas se preocuparem muito mais com o demônio do que com Deus. Tem uma piada que diz que no motel se fala mais "Deus" do que nestas igrejas... O que contribui para isto é o pastor e o seu discurso de medo: tudo pode ser artimanha do diabo, uma música, um filme, uma notícia de jornal e até a marca de uma maionese famosa (isto mesmo a Hellmann´s haha). Tal julgamento não abre qualquer espaço para reflexão e para que o crente pense em nada que não seja o que é dito por ele. Em certa medida, a igreja evangélica é nos tempos modernos, o que a católica foi na Idade Média: um instrumento de medo, de controle e de enriquecimento.
Quando falei aqui sobre a polêmica do beijo, os comentários que mais me apavoraram por serem extramente maledicentes e preconceituosos, partiram de nada mais nada menos do que destes servos do Senhor. E a desculpa nem era de estar sendo um babaca, não, eles estavam apenas dizendo A verdade, contida to-di-nha na bíblia. Ora, dá para levar à sério alguém que acredita em um livro que foi escrito anos depois (mais de cinquenta pelo menos) da morte de Jesus, e na maioria por gente que sequer o conheceu, ouvindo apenas o boca a boca? Um livro escrito por milhares de autores diferentes dizendo que aquela era a palavra de Deus? Por homens comuns ou com outros interesses, um livro cujas páginas se perderam na história e outras  foram acrescentadas, reescritas e/ou censuradas ao bel prazer da santa madre igreja?  Quem me prova se em algum destes escritos lá no meio não havia "Deus" dito que não tinha nada contra os homossexuais,  sendo que até os espalhou por quase toda sua criação? Quem me prova que o diabo não foi apenas um personagem criado pela Igreja católica para aterrorizar as "criancinhas" tal como nós falamos em nome do bicho papão para sermos respeitados?
O mundo não precisa de mais pessoas tementes a Deus e ao diabo. Precisa de gente de bem, independente de acreditarem ou não em alguma coisa, basta apenas que acreditem em seu próprio valor e contribuição para a humanidade...pena que isto não enriqueça muita gente, não é?

As brigas

Ontem o Fabian voltou da escola com um arranhão no pescoço e a gengiva cortada. Tem um hematoma tão grande dentro do lábio superior que mal consegue fechar a boca. Eu sei que meu filho não é flor que se cheire, mas eu fico apreensiva com esta situação. Ele é um menino enorme, com tamanho de cinco anos, mas tem a cabeça de um menino de três, ainda acha que as disputas se resolvem na força. Muito provavelmente andou se metendo com um menino maior que ele. Quando perguntei quem tinha feito aquilo, disse-me que foi "o menino escuro", se ele não estiver inventando (o que é comum acontecer), agora faz sentido o tapa furtivo que deu em um colega da escola negro a minha frente e sem qualquer razão para tal. 
Dói, eu sei que dói e por mais que o aconselhemos que não comece uma briga e que brinque direito, a verdade é que a escola é o primeiro batismo social das crianças e como tal, lá irá aprender como na vida, seja no amor, seja na dor. O problema é que nem tudo um pouco de gelo resolve.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Enquanto isto, nas aulas de francês

Chegamos em um impasse. Que é como quem diz, não estou mais nem ao nível dos meus colegas e ainda (acredito) estou longe dos outros, os que já falam francês. A professora já havia me falado da possibilidade de mudar de turma, a mim e a outro colega do Kosovo. Acontece que com medo (e talvez um pouco de acomodação) fui me deixando ficar, convencendo-me de que não seria a melhor opção para mim. Mas depois de um mês das "invasões georgianas", as aulas tem vindo a regredir a fim de que os novatos recebam toda a matéria dada antes deles chegarem. Deixou de ser desafiador, parei inclusive de tentar realizar traduções mais elaboradas e escrever em francês. Hoje depois de corrigir minha folha de exercícios sem nenhum erro, disse-me que era hora de passar para o professor Jean Claude. Assisto mais a aula de quinta e depois das duas semanas de férias, mudamos eu e o outro colega para outra turma. Friozinho na barriga à parte, acho que vai ser bom, nem que seja para pegar no tranco.

O homem francês

Ele colocava as compras sobre a esteira em um balé de mãos delicadas. Agarrava, tirava, olhava timidamente para a senhora da caixa em busca de aprovação. Ou não. Era calvo e muito magro, suas roupas eram tão ajustadas que imagino que exista uma loja só para este tipo de corpo fora do padrão. Que aliás, aqui na França nem é tão fora assim, pois nunca vi tanta gente magra por metro cúbico. 
Eu e o marido olhávamos com a ânsia característica do cliente a seguir, mas ele não se importava. Pagou, sorriu e agradeceu em um tempo só dele, como se estivéssemos em universos paralelos. Dessincronizados. 
Na verdade não querendo tecer um estereótipo, mas apenas baseando-me pelo meu sentido de observação, aquele homem que estava a nossa frente na fila do mercado, é um exemplo clássico do que parece representar o que chamaríamos de "homem francês". Frágeis de aparência, magros, altos na mesma proporção de timidez, ou seria polidez? Eu não sei, mas intriga-me este jeito quiçá afeminado se comparado ao "macho latino", impetuoso, que flerta, que olha, que anda com passos seguros de si. Não, o homem francês não olha para as mulheres, neste tempo todo nunca vi nenhum desviar o olhar para uma mulher bonita, muito menos virar o pescoço. Se a Cláudia Schiffer ou qualquer outro mulherão passasse por aqui, ia estranhar a indiferença e possivelmente ficar um tiquinho deprimida. Acho que o quadro se torna ainda mais contrastante se analisarmos os franceses perante a maior fatia de imigrantes, os árabes. 
No filme Benvienue chez les Ch'tis, na última cena, o personagem principal chora sem cerimônia agarrado a outro homem que por sua vez também chora. É uma despedida. Na nossa cultura é compreensível (cada vez mais) que um homem chore, mas diante de certos momentos de dor como em face à morte e principalmente diante das pessoas "certas". A mulher, os pais, os irmãos e pouco menos.  É engraçado ver o nosso estranhamento diante daquela cena que reflete uma ausência daquela sacudidela de pó tão característica do homem brasileiro. Do "alto lá, sou homem!", e um desconcertante tapinha nas costas, muito másculo para não comprometer. As lágrimas, eles engolem, na maioria das vezes, à medida que olham para o lado buscando desentupir aquele nó que se instalou na garganta. Naquela cena, dois homens franceses heterossexuais se abraçam e choram sem medo, sem culpa. Estariam eles tão seguros de sua masculinidade a ponto de pensarem que não precisam de provar nada a ninguém? E desta feita veio-me a imagem e o pensamento preconceituoso, é certo, com que encarei pelas primeiras vezes o homem francês. Aquela aparente fragilidade esconde uma coragem que muitos homens brasileiros (e quem diz brasileiros diz qualquer outro macho latino) não têm...

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Traz-me a primavera



pousa em meus lábios este teu jeito de chuva
desce devagarinho pelas curvas da minha aridez
veja, ela tem sede.
deixa que beba de ti
deixa que se embriague e abuse...
deixa-a tonta a vagar por mais
deixa  os teus sonhos libertarem meu sol
fazendo cair aos teus pés
os meus medos
um a um
(não junta-me)
deixe a carne toda espalhada
 em promessas pelo chão
fecundando um pensamento insípido por vez
beija-me com tempestade
e ama-me garoa fininha
pouquinha, mas longa
 por muitos dias
e assim, vá varrendo de mansinho
este inverno cá de mim.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Então e já estão adaptados? Já estão falando francês?

Ninguém pode imaginar a raiva que fico quando escuto estas perguntas e o impressionante é que uma vem no seguimento da outra, impossível dissociá-las. Afinal para estar adaptado é preciso falar francês. Se for só isto, falar como índio conta para adaptação? Arrastar um pão duro e comprido por tudo que for superfície lotada de bactérias também conta pontos? E depois se um dia eu conseguir fazer aqueles "RRRR" e aqueles "IÚU" e "IÊEE" com um charmoso biquinho, posso me considerar francesinha da gema? 
Hoje quando fui buscar o Fabian na escola, perguntei as mesmas coisas de sempre, se havia brincado com os amigos, o que a professora tinha ensinado hoje, etc. Quando insisti para que ele respondesse a última pergunta, ainda parados à espera que o sinal abrisse, ele olha para mim e diz: não sei mãe, eu não entendo o que ela diz. E eu, pois eu sei filho, a mamãe também não, mas eu estou indo na escola para aprender cada dia um pouquinho mais...
Ele já veio nos dizer que não gostava desta casa, que ia pegar um avião e arrumar outra casinha, e por duas vezes disse que não queria falar francês. Eu fico de modos que assim, perplexa porque ou as pessoas todas que me disseram que era fácil, que uh la la as crianças aprendem rápido e quiçá mais do que eu, que logo ele estaria falando muito bem e patati patatá, estão todas erradas ou meu filho tem muita complexidade para uma criança de 3 anos ou é muito burro. Não sei. Acho que no fundo todos nós temos uma certa amnésia para fatos passados. Se hoje alguém me perguntar como foi o meu parto vou dizer que fiz com um pé nas costas (não é verdade porque não seria lá uma posição muito boa), mas provavelmente estarei esquecendo de mencionar a merda que foi o meu pós parto e as três semanas que passei orando para que me arrancassem a xoxota porque aquilo doía como o cão.
Talvez seja uma forma de tranquilizar os outros dando-lhes umas palmadinhas nas costas, no sentido de que é no andar da carroça que as melancias se ajeitam. Ou talvez uma forma de minimizar o problema alheio porque afinal já faz tanto tempo que passamos por isto que até para nós aquela experiência horrorosa nem foi tão ruim assim (vista hoje). Ao menos por mim, por nós posso falar, já estamos aqui há quase meio ano, sendo que o Fabian vai para a escola todos os dias e mesmo não sendo uma criança tímida, está sendo bem difícil sua adaptação. Aliás eu já o disse, será que as pessoas acham que existe alguma tecla SAP ou que podemos trocar de chip tal qual um telefone desbloqueado e sair falando, sair vivendo la vie en rose? Não sei os outros, mas eu e agora vejo no meu filho, não somos celulares livres, temos os nossos bloqueios linguísticos e emocionais e ainda levaremos algum tempo até achar/captar o "sinal" francês...

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Diga-me o que publicas que te direi se és um imbecil



Semana passada houve uma polêmica porque uma professora de uma universidade privada famosa, escreveu em seu facebook o seu desapontamento por não haver mais glamour ao se viajar de avião. Não satisfeita, tirou uma foto do homem ao qual cabia o comentário, chamando-lhe de Mr. Rodoviária e lamentou o fato dele ir no mesmo voo. O que está em causa nem é o preconceito pelo modo de vestir, nem a ideia de soberba de uma classe que não suporta que pessoas como seu porteiro ou a empregada de limpeza possam hoje ter condições de desfrutar de uma viagem de avião. O problema está em tornar público. O problema está em querendo ou não, uma professora universitária tem uma imagem a zelar, um cargo de formação de consciência político e identitário e deveria ter mais cuidado com o que torna público. O problema ainda maior, ao meu ver, é expor, é dar cara ao visado. Se ela dissesse a mesma coisa em palavras apenas estaria sendo idiota. Mas dizer isto e ainda ilustrar é mesquinho demais. E sou completamente contra a esta "nova" mania que atinge os registradores de plantão que tem a necessidade de ilustrar os seus causos. Já vi em alguns blogs que sigo, os autores para serem engraçados colocarem fotos dos seus alvos e na época não disse nada, mas agora digo: isto é muito triste e de uma falta de educação incrível.  Uma coisa é eu dizer que vi uma mulher de sessenta anos de mini saia e achei ridículo, outra completamente diferente é sacar do meu telefone e tirar a foto da tal senhora. Que por acaso até pode um dia dar de cara com isto na net. Ela vai saber que as pernas são dela, que a saia é dela, que estava no centro de Strasboug naquele dia cinzento. Assim como este homem, apelidado de Mr. Rodoviária, era nada menos que um advogado e procurador  que por acaso teve a bondade de levar na brincadeira a estupidez da senhora. Mas ela podia não ter a mesma sorte, que é o mesmo que dizer que as aparências enganam e aqueles que são fracos para ver, deviam permanecer calados. Entendeu querida professora ou precisa que tire foto?

Update filmográfico

Isto é filme para passar em escola, é tão rico e levanta tantas questões que daria uma boa discussão.

Doze anos de escravidão: muito bom, mas mesmo muito bom. O fato de ter realmente acontecido, dando nome e rosto aos personagens, é muito mais tocante do que se fosse apenas mais uma história hollywoodiana para fazer chorar. E o marido passou um hora e meia implicando comigo porque eu disse que o Brad Pitt entrava em alguma parte...foi no fim, mas aquele sotaque matou a véia aqui. 
Categoria: puta que pariu isto aconteceu mesmo...

Uma das surpresas é a ótima atuação de Oprah.

O mordomo: Uma resposta clara à diferença de tratamento entre os negros do sul e do norte dos Estados Unidos levantada por um dos blogs que sigo. O blogger reclamava que no sul há muito mais racismo por parte dos negros em relação aos brancos do que em outras partes do país. Dizia ele que além disto, o vitimismo era frequente, ora se analisarmos o quão resistente foi o sul em abolir a escravidão, assim como mais tarde assumir os negros como parte da sociedade, dando-lhes espaço para ocuparem cargos e lugares nunca antes possíveis, podemos ter ideia de quanto rancor guarda a identidade afro nesta região.
Categoria: puta que pariu isto aconteceu mesmo...

A muda sabe tudo, mas não fala nada! 


Open Grave: Uma salva de palmas por eu não ter conseguido adivinhar o fim. Só aí já merece ter sido um dos melhores filmes que vi, mas não é só isto: um suspense inteligente que envolve um sujeito acordar em um meio de uma cova aberta (é claro que lotada de cadáveres) sem saber quem é e o porquê de estar ali. Alguém lhe estende uma corda, mas ele não sabe o que poderá encontrar no outro ponto desta. Nenhum ator conhecido, mas por um lado é bom...não sendo um filme com a Sandra Bullock e o Ben Stiller podemos considerar que é um bom sinal.
Categoria: como é que eu não tinha pensado nisto!


Este cabelinho espetado do Javier e a cor de alaranjada à Karl Lagerfeld tá "u Ó", sem falar na roupa cafonérrima. 


The counselor (ou O Conselheiro do Crime): Uma verdadeira bosta. Sério, o meu primeiro pensamento inocente é humm deixa ver... Brad Pitt, Cameron Diaz (já fez os seus filmes de merda, mas alguns bons), Penélope Cruz, Javier Bardem e Michael Fassbender juntos só pode ser bom! Uau um filmaço!! Mas... a história é clichê: um cara que quer ganhar dinheiro fácil se envolve no crime, neste caso um transporte milionário de cocaína. Dá tudo errado é claro, vai dizer que alguém ia acreditar que daria certo? Mas nem é pela previsibilidade da coisa, é mais porque é parado e entre um tiro e outro o McCarthy resolveu que os seus traficantes tinham feito um curso de filosofia na Ufrgs. E assim são diálogos de matar... sobre o porquê fazemos as coisas que fazemos, porque as mulheres nos fodem (a vida), sobra a importância de se caso escolhêssemos um caminho desviante temos de ter colhões para assumir o risco (jura??), etc. 
Categoria: Pontos para quem não dormir no filme...isto porque nenhuma cena de nu com o Brad é sacanagem com a minha pessoa.


All is lost: Filme todo com apenas um ator e mesmo assim ficamos discutindo se era o Harrison Ford ou o Robert Redford. O mais estranho  nem é a falta de monólogo, já que nem todo mundo é como eu. Mas o que torna o  filme questionável é a crescente falta de sorte desacompanhada de um sonoro palavrão (que acaba vindo no fim, mas pronto). 
Categoria: Não veria de novo.



Blue Jasmine: É um filme do Woody Allen que não parece do Woody Allen, ou seja: não é chato com diálogos intermináveis e existencialistas. É um filme sobre uma dondoca que se vê pobre da noite para o dia, tendo que conviver novamente com sua irmã de criação. Este filme toca em um ponto básico, o qual concordo que a maioria das mulheres no fundo quer um homem que as sustente, que é muito mais fácil chegar lá com o caminho já feito (procurando espécimes bem sucedidos) do que batalhar do zero para alcançar o sucesso.  E é incrível como o amor acontece rápido quando se tem todas as predisposiçõe$ para tal.
Categoria: eu conheço alguém assim...

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Por favor, parem!

Uma Thurman já equipada para a inauguração da Copa


Parem de partilhar estes vídeos contra a copa, já chega, cansou. Não sou a favor da Copa no Brasil, acho que foi uma ótima desculpa para mais desvios de verba e o discurso de que é bom para o país, mais empregos e infra-estrutura é balela. Mas agora chega de ficar enchendo o saco com vídeos que fazem o  com que a Somália, Afeganistão e Cuba pareçam o primeiro mundo perto de nós. As pessoas querem mostrar uma realidade vista em lupa e com muito mais drama e sangue do que um filme de Quentin Tarantino. Deixem logo esta missão hercúlea de fazer os estrangeiros terem a pior visão possível de nosso país, isto não vai adiantar...sabem porque? Porque quem quer vir, vem de qualquer jeito. Porque os ingressos já se encontram esgotados e valem uma pequena fortuna. Porque os que virão não estão nem um pouco preocupados com as mazelas da nossa terrinha, nem vão a uma excursão nos hospitais públicos, nem vão andar de ônibus, nem visitar nossas escolas com goteiras. Eles vem aqui por causa do futebol, boa? Não que isto seja louvável ou condenável, simplesmente não me interessa. Querem fazer alguma coisa para mudar ou é só mesmo isto, encher a paciência virtualmente? O que diga-se de passagem, nos últimos tempos tem se tornado uma arte...

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Porque hoje eu to piegas



Quem é que também tem um "cara" destes na vida?

Quatro meses depois

Ontem foi dia de conversar novamente com a professora, sinceramente ela deve nos achar um saco de pais porque é a segunda vez em que o fazemos. Não sei se os outros pais tem esta preocupação de saber como seus filhos estão se adaptando, pois nunca o laissez faire, laissez aller me pareceu tão óbvio. O lema atribuído ao liberalismo econômico poderia muito bem caber no estilo de educação francês. Não estou dizendo que o sistema deles é pior ou melhor, mas apenas diferente. As crianças são vistas como pequenos adultos, são incentivadas intelectualmente mais do que no Brasil, no entanto no que toca a carinho e proteção, isto quase não existe. Há um certo distanciamento com o qual ainda tenho que me acostumar. Não existe esta história de beijo ou colo quando caem e o Fabian se ressente disto. A professora diz que ele é um bom menino, tem seus amigos e fala com eles em português. Quando não se faz entender a primeira reação dele é se impor, parece que o moço gosta de ser o líder das brincadeiras (cof cof saiu à mãe). Ele adora a hora do recreio, mas se fecha (diz ela como um bebê) quando precisa participar das atividades na sala ou falar alguma coisa em francês. Em casa ele diz algumas palavras como "chapeau", "vache", "chien", "bonjour", "oui" e inclusive canta do jeito dele as músicas que aprendeu na escola. Mas eu já sabia disto, há muitas vezes uma diferença enorme entre a criança que temos em casa e o que ela é na escola. Por não entender o francês e pela expressão fechada da professora, o Fabian frequentemente acha que está sendo xingado e começa a chorar. Ela disse que é normal, há outros meninos na mesma condição que ainda não dominam o idioma, pelo menos foi bom ver a minha diferença de compreensão entre a primeira vez que falamos e esta, quando entendi quase tudo e até fiz algumas colocações para ela. 
Por exemplo nesta questão cultural, nós brasileiros e inclusive os portugueses temos esta coisa de querer protegê-los do mundo. E mesmo não sendo uma mãe que sufoca, sinto que há um fosso entre como enxergamos a forma de criá-los e como eles o fazem aqui. Onde as crianças geralmente andam soltas há muitos metros de distância dos pais e dos avós, quando brincam, os responsáveis ficam mais uma vez observando de longe ou nem isto, se põem a ler um livro. Quando chove, não é raro ver as crianças andando na chuva sem proteção, assim como quando faz frio vemos os pais muito mais agasalhados que os filhos.Se a minha mãe viesse aqui ia lhe dar um faniquito, pois estas diferenças são muitas vezes gritantes e cabe a nós tentar relativizá-las. A partir da semana que vem o Fabian passa a frequentar a escola  também à tarde, mas enquanto isto vamos fazendo um trabalho em casa para que ele faça um esforço de falar mesmo que seja "errado" as palavras. Precisamos explicar-lhe o porque de estarmos aqui, a importância dele aprender a falar. A professora disse que ele precisa doar mais, que não está mais na posição de somente receber como os bebês.  E assim vamos indo um passinho de cada vez...porque nenhuma criança é igual a outra. E nestas horas eu penso, quem disse que é mais fácil para elas? E quem disse que era rápido? Eu conto com mais ou menos dois anos de adaptação tanto para ele como para mim, antes disto me parece muito precipitado dizer que já nos sentimos em casa.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A polêmica do beijo gay



Não foi apenas o facebook que fora invadido pela cena tão esperada, creio eu há mais de dez anos na tv brasileira: em todas as notícias que supostamente nada tinham a ver, tais como a morte do cineasta brasileiro, ou o norte americano excêntrico que foi enterrado com sua Harley Davidson, etc. Em todas as mais variadas notícias este tema se insurgia nos comentários, uns muito a favor, outros (talvez a maioria) muito contra. É um beijo gay, não é o fim do mundo minha gente! Os nossos hermanos da Argentina tem cenas tórridas de beijo de língua e insinuação de pré ou pós coito tal como nós temos nas nossas novelas com casais hétero.
Eu até entendo aquele pessoal mais velho que acha uma pouca vergonha e tal...mas os jovens? E quando vem com a desculpa "não sou preconceituoso, mas não precisava mostrar"... Ou então: "não sou contra gays, mas acho que eles devem ser discretos na vida pública". Ou seja, são todos iguais, mas tão diferentes, não é? E outro argumento que me mata é o da "sociedade não está pronta para isto". Meu bem, a sociedade nunca está pronta para nada. O povo é um punhado de ninguém, reacionário, em que precisa aceitar as mudanças com o tempo e muitas vezes enfiadas goela abaixo. A sociedade não estava pronta para o divórcio, também não estava para o voto feminino, tampouco para a libertação dos escravos e para que a união de fato (antigo amancebamento) fosse considerado perante a lei como válido em todos os seus direitos e deveres. E hoje a sociedade não está preparada para o casamento gay, nem para a adoção, e pasmem: nem para um beijo gay no horário nobre. Os gays sempre foram representados como personagens caricatas para fazer rir e perambulavam com seus trejeitos afeminados (ou masculinizados quando se tratava do lesbianismo) apenas para servirem de bons conselheiros dos mocinhos. Assistiam e partilhavam da felicidade alheia, mas nunca tiveram a permissão para o seu próprio final feliz. Eu não vi a novela, apenas fui pegando uma coisa daqui e outra dali que as pessoas comentavam, mas agradeço a Globo neste caso por ter dado aquilo que a sociedade não estava preparada. Um "happy end" que já estava mais do que na hora.