quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A psicóloga vai ao psicólogo

Estava visivelmente inquieta desde a última vez que lhe pusera os olhos. Sorriu e sentou-se como de costume no lado esquerdo do sofá, assim vez por outra, podiam escapar pela janela seus olhos castanhos. Depois do embaraço dos primeiros minutos lhe disse: então?! Então, ele sorriu e lhe devolveu a pergunta: Então, como tem passado? Bem... Os olhos a encarar o tapete retangular e os bicos dos pés. Seguiu-se um silêncio pausado. Ele sabia esperar.
Sabe, tenho pensado que ando a sofrer antecipadamente. Ele nem se foi e já sofro a sua ausência. E tenho tido raiva de mim, acho que o prendi demais. Se talvez não fosse tão dependente, ele já poderia ter ido, arrumado um emprego e já ter condições para nos levar com ele. Mas eu fui fraca. Tive esperanças. "E agora?", lhe pergunta. Elas morreram de tristeza uma a uma. Os olhos queriam fugir através dos vidros, pairar pelo céu azul e de poucas nuvens. As lágrimas também se preparavam para partir, mas ela segurou-as, assim como ao marido. Ninguém a deixaria só, na penumbra de seus medos. 
Ele ajeitou-se na cadeira e com os olhos ternos lhe ofereceu a mão. Era este o seu modo de ajudar. Sorria com os olhos. Sorria firme, com direito a rugas e tudo. Sorria sem vergonha e seguro de que era naquele momento o único porto que ela avistava.
Ela deixou que as lágrimas lhe colorissem os olhos de rubro. Era a cor do amor e da libertação. Escravas de sua amargura e egoísmo, elas podiam correr soltas pelos contornos de seu rosto. E surpreendiam-na com afagos pela pele úmida, nos vincos de um choro compulsivo. Ele apenas olhava e continuava a lhe estender a mão. Desta vez a mão de verdade, a de carne e osso trazia uma caixa de lenços. Ela agarrou com força substancial  em meio a visão desfocada dos sentimentos.
Tenho pensado ultimamente...que vou precisar de um trabalho. Daqueles de braço e alma. Daqueles que esfregamos o chão com escova e os rejuntes até ficarem brancos. Vou precisar de ocupar as minhas forças para que o tempo passe depressa e para que me impeça de construir e destruir expetativas na minha cabeça. 
De certa forma, um psicólogo não deixa de ser um faxineiro. Ele invade a casa com permissão para levantar as sujeiras escondidas embaixo do tapete, tirar o pó dos cantos, lavar o chão com água limpa, esfregar as janelas da inconsciência. Mas o trabalho em si deve continuar a ser do dono da casa. Porque o faxineiro não vai todos os dias e é importante aprender a conservar a casa. Senão o trabalho do faxineiro não renderá o dia que passe a organizar e limpar. 
É importante estarmos bem, e se não estivermos, a pedir ajuda. A ajuda sempre vem para quem a procura. É necessário fazermos uma faxina em nossa casa primeiro, todos os dias antes de sair a faxinar a dos outros. Corremos o risco de levar o nosso pó para casas alheias e o nosso olhar acomodado ante a sujeira. Ninguém disse que ia ser fácil. Afinal limpar é mais complicado do que parece. Pega um pano, molha na água, torce um pouco, desliza nos móveis, torna a repetir. E quando se tem o serviço pronto, passamos o dedo no primeiro móvel e notamos que o pó instalou-se novamente. Limpar é um trabalho árduo. Há que aceitar o pó. Porque ele sempre volta. É da natureza do pó se acomodar. Mas é da nossa natureza continuar a limpar.

2 comentários:

  1. E nao é que nunca tinha pensado ou visto isso por esse lado???

    Fogo, vou ter muito que limpar e arrumar, a vida toda!!!

    Bjs
    Marina

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  2. Sempre assim, é uma limpeza constante!!

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