quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Eis aqui alguém que não se esconde


Chegamos naquela salinha improvisada, ele esperou que entrasse e chaveou a porta. Ali ficamos, mede isto, afasta aquilo, aperta ali, escorrega lá. Até me sentir completamente enquadrada em números. Mas faltava aquele, o terrível, do qual não podia me esquivar. Então como vai ser?, pergunto-lhe. E ele: com meias por favor. Está preparada? E eu, sim, como sempre. Não sou uma mulher de rodeios, subi com firmeza e já antevia o resultado. Ele exclamou, "pô". Um pô assim, seco. Não era de muitas conversas. Também eu olhei para baixo timidamente. Um número saltava e ele anotou. 76.6 quilos de medo, 28.5% de ansiedade. Sim, no meio disto não esqueceu dos meus 55 quilos de paciência (afinal havia alguma) misturada entre ossos e músculos. E água. Sou assim uma pessoa com sobre peso, ainda não obesa de angústias, mas com prescrição para chegar no mínimo aos 66 de bom senso. Avisei o professor de que esta se tratava não da primeira, não da segunda, mas da terceira vez que isto me acontecia. Tenho tendência para o desatino disse a ele. Ou talvez não, disse a mim mesma. 
Não sei o que se passa comigo. Tenho ânsia de tempo. Quero que ele passe, mas ao mesmo tempo quero que congele. Dá para entender? Não? Então vou explicar como aquele chocolate me chama assim, de fininho, pede-me que lhe segure e lhe ponha na boca. Sentiu? É doce, não como a vida. Muito melhor que servir nas calças naquele momento. Não, não consegues perceber. É a forma como ele se derrete na boca, a língua que lhe massageia entre o céu, transformando-lhe em um pouco de alegria pastosa. Aí ele desce garganta abaixo. E eu preciso de mais. É um doce, mas também pode ser um salgado. E o tempo, diria-me ele. O que tem o tempo a ver com isto? Ah, já esqueci-me. Está vendo, é por isto que preciso de manter a boca ocupada. Há qualquer ligação nos canais bucais com a passagem do tempo. Se estão ocupados, o tempo não tem vez. Não é simples? Agora deixa-me explicar como saíres disto, disse ele. Eu, como? Não, não come. Fecha a boca, assim. Mas então...e o tempo? Ele sacudia os ombros: deixe apenas que passe. Deixe que o tempo passe.

2 comentários:

  1. Oh vida complicada...queremos caber Naquelas calças mas adoramos Aquele momento de chocolate...olha coragem!!

    Bjs
    Marina

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