Ana encolhera os ombros pela décima vez desde que entrara na sala recheada de mulheres. Era-lhe automático, sempre que pensava de onde lhe saíra a ideia de um coaching para avós, pensava "que se dane!". O dinheiro era muito bom e ainda lhe ia dar uma mão no conserto de seu carro popular. Mas mentia, como psicóloga há mais de dez anos e com mais de 35 anos de existência, sabia que era para minimizar o mal no mundo. Como se treinar mulheres na menopausa pudesse evitar o sofrimento das gerações futuras. Como se sim e sabia que sim. E foi pensando no inferno que sua mãe e sogra lhe fizeram da vida, que decidiu de uma vez por todas que sairia das palestras para divorciados e enredaria neste ramo tão inexplorado e tortuoso. Desejava que as duas caras que a inspiraram estivessem ali hoje, mas não estavam. Chegou até a divagar em enviar-lhes um convite grátis pelo correio, mas sabia que no fundo as "melhores! avós do mundo achariam desnecessário alguém lhes ensinar alguma coisa que fosse. Já sabiam elas melhor a missa do que o padre. Pff...
Olhou mais uma vez para a platéia e meia centena de mulheres a olharam de volta expectantes. Ajeitou as folhas que trazia e conferiu mais uma vez o microfone. Um ruído opaco de seus dedos lhe indicou que tudo estava a postos.
- Bem, obrigada pela vossa companhia, eu me chamo Ana Ludwig e hoje nós vamos nos concentrar no que podemos fazer para tornarmo-nos avós melhores. Falaremos da educação dos netos, da deseducação dos avós, dos limites saudáveis, entre outros tópicos que listei no folder que deixei em cada cadeira.
Assim ia descorrendo sobre a importância de não descarregarem suas frustrações enquanto mães e idealizarem um passado irreal para as noras, estabelecendo metas para que estas cumpram. Mostrava-lhes imagens e estudos sobre a convivência pacífica entre gerações que passava por uma certa dose de tolerância de ambas as partes. Enquanto falava ia observando a maioria dos rostos que a escutavam. Poderia dizer que haveria mulheres dos quarenta aos setenta anos dos mais variados estilos. Ia fazendo pausas e bebia um gole de água para recuperar o fôlego e desencorajar as lembranças de brigas e discussões que ocorreram desde que Inácio nascera. Único neto homem de um dos lados e único neto do outro, o menino sempre fora alvo de palpites, ainda mais sendo prematuro, e às vezes Ana, muito ponderada, saía dos eixos e encarnava a favelada. Tal eram os imprompérios lhe saía da boca.
- Bom, passemos agora às dúvidas e comentários. - Seus olhos passearam pelo público até que uma mão tímida se ergueu lá do fundo.
- Mas então vou ter de deixar de falar que suco gelado dá dor de garganta? - Alguns risinhos ecoaram.
Ana torceu o pescoço para evitar um espasmo dos olhos virados para cima e acrescentou um "sim".
A senhora gorda e de sutiã de copa enorme ainda hesitava. Não satisfeita, começou a contar uma variada gama de superstições a ver com a corrente de ar, o sorvete no inverno e outras que as avós de sua família ainda não se tinham lembrado. Ao negar-lhe qualquer fundamento científico nisto, percebeu que todas se entreolhavam cúmplices e faziam sinais afirmativos com a cabeça. Pronto, estava feita. Uma avó cheia de botox e com unhas de gel em rosa fúcsia lhe desmentia que nenhuma criança deve andar com duas peças a mais que um adulto no verão. Ana começava a perceber porque nenhum colega de profissão navegara por aquele grupo específico. Começou a sentir o peito chiar. Ai não a maldita da asma! Procurava com uma das mãos a bombinha escondida na bolsa. As avós continuavam, algumas ao mesmo tempo, outras desataram a falar para si e bem alto e não respondiam quando lhes pedira silêncio. Andavam perdidas a discutirem umas com as outras, cada uma um assunto diverso até que Ana bateu com muita força no microfone. O ruído inesperado fez as velhas se calarem.
- Chega! - Gritou Ana, parecendo ignorar que gritava no microfone. - Vocês vieram aqui para que afinal? Até se eu falasse para as portas acho que conseguiria passar alguma mensagem. Vocês pensam o que? Nasceram avós?! Prontas? Perfeitas? Avós que nunca se calam, que querem sempre a última palavra. Que são incovenientes, que são invasivas, que não respeitam a decisão dos próprios filhos! - silêncio total.
Por acaso não lembram de quando eram vocês as mães, alvo de toda a crítica e picuinha de suas sogras e mães? Foi bom? Ah deve ser uma espécie de revanche, agora é que se vingam? - Lá do fundo uma mão muito frouxamente se ergue. Ana já estava por tudo e deixou a mulher de cabelos grisalhos falar.
- Acho que a senhora está enganada. A sala de conferências para avós é no outro prédio. Estamos aqui à espera da palestra sobre sexo na terceira idade.
Ana sem saber se ria ou se chorava, achou por bem nem perguntar porque não lhe disseram isto antes. Pegou na bolsa e na bombinha e saiu porta a fora, já havia enfrentado avós demais para o seu gosto. Voltaria para os divorciados, estava decidida.
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