terça-feira, 23 de julho de 2013

Cidades

A minha cidade é feia, já aqui o disse. É feia e me dói admitir porque é quase como dizer isto de um filho ou de alguém que se gosta muito. Ando pelo coração da cidade perdida entre prédios altos e de fachadas decadentes. São como velhos curvados pelo tempo e pelo vento minuano. O centro é uma porção de ruas pousadas em morro e descidas íngremes, uma paisagem cinzenta e viva simultaneamente. Vozes anônimas cantadas, gritadas, resmungadas, adquirem o tom da própria voz da minha cidade. Passam todas elas em coro, ecoam em suas artérias pululantes, alguém vende ouro, alguém quer que eu venda meu cabelo, alguém oferece preços atrativos, alguém anuncia consultas para colocar aparelhos ortodônticos. Daqui a nada começam a anunciar, "ólhó promoção de silicone: prótese 230 ml na hora, na hora!". 
Os ônibus e carros circulam oprimidos em um mar de cabeças. Avançam e cortam obstáculos ao sabor da correnteza. É com uma ponta de desânimo e relutância que junto-me à maré. Faço a minha parte. Faço-me cidade e incorporo concreto e asfalto, de minha pele brotam paralelepípedos, de meus olhos janelas espelhadas. No meu sangue pulsa o Guaíba inteiro, de meu calor, agora o frio. Sou assim, um Porto Alegre cinzento de outono. E ainda dizem que as cidades pertencem às pessoas... não, as cidades é que as tomam para si e faz parte da vida esta inconsciência de que se é coletivo.
 Aos poucos preparo-me para deixá-la outra vez, ela se ressente, sinto-o. Não quer ver ninguém partir. Quer saber se volto e preocupa-se se lá onde vou outra cidade me irá acolher. Digo-lhe que não sei com a incerteza que me é costumeira, não sei de nada, nem do último olhar que lhe vou deitar quando estiver ao céu. Vejo meus punhos cerrados, misturo-me. Já dentro de mim Lisboa eriça-me a pele com as calçadas de calcário e basalto. Duas cidades disputam meu corpo, meu coração. Reviro-me, tenho a alma em carne viva. Meus pensamentos nadam em ruas fantasmas, sem minha história, sem memória de mim. Há o medo que escorrega entre pedras, há um medo aqui dentro, um medo sem fim. 

2 comentários:

  1. gosto da tua escrita. ás vezes ao ler-te vejo um pouco de "Carla", despertas minhas saudades da narrativa, mas para mim... essa vontade tem estado adormecida por falta de tudo e nada.
    Compreendo teus receios!
    Transforma esse medo em força. sei que o vais fazer. é so mais um passo em tua vida
    beijos Carla

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  2. Obrigada Carla! Gostaria de ver este teu lado! Espero que a vontade retorne, eu também, às vezes não tenho e não escrevo nada, outras me obrigo para não perder o costume e finalmente há aqueles dias em que a alma escorre pelas letras e eu até consigo gostar do que fiz.
    beijinhos

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