Maria olhou para o filho. Olhou para os ombros e as mãos sujas a carregar alguns bocados de papelão. Ele nada dizia. Mas o silêncio, este gritava. Há tempos queria sentar-se e dizer a história sobre o seu pai. O menino nunca perguntou nada, mas achava que deveria saber. Pouca coisa além de um nome e de uma data. Já sequer lembrava do rosto, mas desconfiava de que lhe havia puxado os olhos. Escuros e profundos. O filho remexia no lixo deixado depois do natal pelas famílias de classe média, algum pedaço de carne, algum queijo fora da validade, pedaços de pão velho. Às vezes parava e olhava pelos carros a fecharem os vidros alguém a rir e divertir-se, crianças a brincar com o presente recebido no dia anterior. Aquilo era pior que a fome. Estar a observar o filho diante de uma realidade que não pôde lhe oferecer em nenhum momento. O sorriso dos outros nada tinham a ver com a falta do seu. Mesmo assim tinha raiva. Parou por instantes ao constatar que um dos vidros abria e de lá saia uma mão pequenina a soprar. O filho olhava consternado, mas sorriu palidamente. Chovia bolas de sabão. E eles viram-se rodeado delas, leves e frágeis a estourarem pelo ar e pela garoa daquela manhã. Em um movimento viu a mão escura do filho agarrar a bola, por aqueles segundos foi novamente criança. Mas o sinal abriu, os carros se foram e outros vieram. E ele seguiu no seu silêncio, a abrir e fechar um saco plástico de cada vez.
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