terça-feira, 29 de junho de 2021

Carcassonne

Bipolar life

Esquecer os remédios, brigar com eles porque não fazem o efeito necessário, brigar com a voz, digo com o Jacques. Engordar... emagrecer...engordar de novo por conta da ansiedade. Entrar em grupos de bipolares e achar tudo muito chato e depois útil porque em algum momento alguém já passou por isso e vai te entender. Descobrir que irrita a incompreensão dos outros, a ignorância talvez... Mas ao mesmo tempo encontrar dentro de si uma força em que mesmo muito mal é possível ajudar alguém em pior estado. E uma compaixão que eu nunca imaginei sequer sentir pelas pessoas portadoras de deficiências mentais.
Descobrir que ainda estou muito frágil e que quando alguém se desespera ao meu lado e grita, eu tremo toda feito vara verde de nervoso. Nisto foi bom ter voltado pra casa. Mas eu ainda não me sinto em casa, dentro de mim. É como se eu fosse uma visita dentro do meu corpo sem jeito nenhum para exercer controle sobre ele. 
Bipolar, este diagnóstico ainda matuta nos meus pensamentos. É para a vida toda, esses remédios que o psiquiatra ainda não encontrou a fórmula certa para me fazer "normal".

terça-feira, 22 de junho de 2021

Eles


Olhou para os pixels que formavam de muito muito perto o par de olhos azuis que a encaravam. Por mais que aumentasse o zoom no telefone daquela fotografia guardada, escondida, não era capaz de decifrá-los. Continuavam a encará-la desta vez de longe, contornos definidos em incerteza. Desceu para a boca emoldurada por uma barba castanho-dourada e macia (ainda podia lembrar do toque gentil e das cócegas quando roçou de leve os seus lábios). A boca cerrada com as palavras que ela inutilmente tentou lhe arrancar, os cabelos que começavam a subir formando tímidos caracóis que ele não iria permitir por muito tempo. Lembrou dos dedos grossos quando estes se fecharam em sua cintura com força, dos braços que a ergueram um metro do chão quando enfim suas pernas o abraçaram. Os beijos úmidos descendo pelo pescoço, seus gemidos sufocados pelo medo de ser descoberta. Lá embaixo eles dançavam, encaixavam o que não conseguiam com o resto; lá embaixo ele falava e ela o engolia, angústia e tudo... prazer, culpa e dor de uma vez só. 

Durava pouco os segundos em que suas respirações sincronizavam, em que esqueciam do quanto eram diferentes e do mundo que o
s separava. A idade, o casamento dela, o medo disfarçado em insolência dele. Contraiam-se como se seus corações estivessem entre suas pernas e ela tinha a sensação de que batiam um para o outro para que não morressem, movimento involuntário que ia perdendo as forças à medida em que os dedos dele a abandonavam e na forma relutante em que ela se desfazia do seu esperma no banho. Ela já sabe que iriam resistir e mentir para si mesmos que não aconteceria de novo, por semanas talvez, até ficarem tão exaustos que a única coisa que lhes restava era se entrelaçarem como animais no cio na cama dela outra vez. 

Seu nome era um mantra dentro de sua cabeça. Ela ouvia repetidas vezes: Jacques, Jacques, Jacques… em seus sonhos ele não tinha uma face. Era qualquer coisa de embaçado, misturado com o cheiro de amaciante de sua roupa. Não havia jamais sentido seu cheiro de homem, apenas o odor de flores em torno de seu dorso forte. Ela se perguntava como podia lembrar de tantos detalhes quando sonhava mas jamais de sua face, de seus beijos ou de sua voz tímida. Ele se lembrava de seu nome? Ele a teria em seus contatos de telefone ou apenas seria mais uma em sua lista de amigos no snapchat? Mordeu o lábio seco de resquícios de batom vermelho. Era hora de levantar. Abriu os olhos devagar. Esfregou-os certa de que os borrava de rímel. Não havia se desmaquiado antes de dormir. O marido ressonava ao lado. Barriga para cima, subindo e descendo como uma gangorra. Olhou sua silhueta no escuro. Ele não tinha culpa de nada, tampouco ela. Se o amor acabava um dia, era porque os dois se abandonaram dessincronizados em plena tempestade. Mas devia sentir culpa, Paulo sempre fora amoroso, gentil até ao ponto de mimá-la como uma criança. Vai ver foi esse seu erro. Cuidar demais. Amar depois. Paulo não podia ter filhos, nem sequer era o seu sonho, mas esteve ao seu lado quando ao ouvir a notícia se sentira menos homem. Tentaram por anos, três, quatro, até resolverem procurar ajuda. Ela desistiu mal, demorou a engolir que seriam apenas dois. Não que pensasse que ser mãe a completaria de alguma forma, mas era a sensação de haver qualquer que faltava que a angustiava. Aos poucos cessaram as perguntas sobre filhos e ela deixou de ir à sessão infantil para olhar as roupas minúsculas de recém nascido. Paulo engoliu em seco os vários meses em que ela lhe foi bruta nas respostas e nos gestos. Pensou em separar e não lhe passava qualquer ideia de adoção pela mente. 

Continua...

Segunda Internaçao

 Ele nao viu os remedios que ela engolira. Nem ela havia contado mas era qualquer coisa perto de cem. Era para ter feito uma lavagem intestinal, mas ela queria morrer. Quietinha. Deitou-se na cama e esperou dormir. Nao dormiu. Era meio dia, desceu tastaveando as escadas para almoçar. Tinha que fingir enquanto o filho estava em casa. Depois deitou, tentou dormir mas nao tinha sono. Pensou a noite que esse era seu ultimo dia. Chorou, pediu perdao à bisavo a quem ela se agarrava nos momentos de desespero. De certeza a bisa via tudo de onde estava, sabia o quanto era dificil seus dias, que ela nao era louca e que de fato existia um homem com ela que a perturbava a todo momento, tomando seu corpo, sua voz, a impedindo de pensar direito. Por toda sua vida esse homem estivera la, mas depois de 2017 cada dia era uma tortura. Depois que ela descobriu que ele existia.  Jacques dizia se chamar. Nao sabe como mas no outro dia tirando a enorme tristeza ela ainda guardava sua vida. Sem qualquer sequela ela levantou da cama, abriu a cortina e calçou os chinelos. Fora sua primeira tentativa de suicidio e tudo parecia normal como se nada tivesse acontecido. Dizem que os milagres sao assim, silenciosos.

Apaixonada pour um homem feio de voz inesquecivel

Nascido em 78 no mesmo dia do meu marido, o que torna as coisas um tanto interessantes, quem é este homem que pela primeira vez me faz molhar calcinha quando fala "Arthur fuking Shelby"? Paul Anderson, dono de olhos azuis expressivos, uma face estreita e um grande e torto nariz a moda Vincent Cassel. Mas o seu talento advém principalmente de uma voz rouca marinada em pelo menos trinta anos de cigarro. Ou nao, pois o homem é todo natureba e nada macho como os seus personagens o fazem parecer. Se é que algum dia Paul foi fumante so tenho a agradecer esse pequeno souvenir. 
A beleza nunca foi tão relativa para mim depois dele, como se fora um divisor de aguas em meu filtro "ô là em casa" ou seria a passada dos meus trinta e poucos para os quase quarenta? Ta bem, estou sendo lamechas, tenho 36. Mas é verdade que agora aqueles super über models de rosto quadrado, loiros, olhos azuis, peitoral de salva vidas e meia nas sungas brancas, nao fazem mais o meu gênero, ao menos nao laaa embaixo. 
Uma voz rouca e é tudo que preciso para me interessar. Fiz uma lista de filmes em que ele aparece depois de maratonar o seriado Peaky Blinders, so para ve-lo, ou melhor escuta-lo.  E finalmente entendo o gosto das minhas amigas por caras aleatorios que de bonitos padrao nao tinham nada. 
Fico imaginando cenas em que ele sentado a beber me vê passar, vestido pelos joelhos e cintura fina, me acompanha com o olhar para so então me agarrar pelo braço e sussurrar meu nome no ouvido com a voz pastosa pela cerveja. Eu atirada em seus braços finos, totalmente embriagada pela sua voz, mergulho em um beijo de lingua sentindo roçar seu bigode em meu queixo. Eu detestava homem de barba, eu nem olhava para tipos de homem com menos de 1.80, eu que nao ligava para sujeitos assimétricos...eu...eu...que estou so agora saindo de historias de contos de principes e entrando no mundo real. Obrigada Paul.




segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Ha coisas que me ultrapassam

Adesivos na cara dos bebês. A internet tem varias coisas bizarras, é verdade, mas quase nada supera as pessoas com síndrome de Michael Jackson. Ai são eles a por fotos dos pés, das costas, chegam até a cortar cabeças. Para passado alguns anos estamparem a cara da criança em toda a sua exuberância (ou não porque também há crianças feias). Perguntas que eu faço:
  •  o medo era sequestrarem o bebê, agora que cresceu já não o vão querer mais? Comércio de órgãos ta ai, não se animem... 
  • a criança era estilo Benjamin Button? 
  • afinal ja não são mais milionários?
Acho engraçado quando vem com aquele discurso de não exporem porque ele ainda não deu o seu consentimento, direito de imagem e etc. Pfff... tudo isso para mais tarde andarem a mandar nudes a desconhecidos.


sexta-feira, 17 de agosto de 2018

E há oito anos atrás...

estava eu precisamente em uma sala de espera cheia de gravidas esperando a minha vez de entrar. Veria o meu filho pela ultima vez através do pequeno aparelho de tv pendurado no teto. A ginecologista me descolaria a membrana de não sei o que, o que me provocaria uma falsa ideia de que eu estava entrando em trabalho de parto. O marido sairia tastaveando para casa à procura da mala de maternidade já arrumada no quarto do bebê. Depois se acomodaria em uma poltrona pequena e desconfortável ao meu lado na cama do hospital. Eu, já prontinha, de intestino limpo, com soro, e aparelhos para ver os batimentos do Fabian, tirei a ultima foto gravida. E foram horas de impaciência do pai, de toques e mais toques em que as mãos pequenas da enfermeira se transformavam nas gigantescas mãos do Hulk perscrutando minhas entranhas. Assim foi, centímetro após centímetro. Estouraram a bolsa. Todos tinham pressa, menos ele. Até que à sete de manha fui levada para a sala de parto. Dez minutos depois ele nasceu. Oito anos e parece que foi em outra vida. Recordo como se tivesse assistido a um filme, daqueles que a gente não lembra como acabou.