domingo, 14 de abril de 2013

E agora José (ou será Maria)?

E agora Maria ? São três filhos para criar, um deles recém nascido. Tens 45 anos e tiveste uma pneumonia logo que  saíste do hospital. O marido faz horas extras, as crianças exigem atenção. E agora Maria? Não tens com quem contar, a não ser tua velha mãe com quase 80 anos. Em três meses ela foi e voltou três vezes para o Rio. E agora Maria? Andas a cambalear sem forças para gerir a casa e levar os mais velhos à escola. Tens de ir à pé com a bebê nos braços. Tens o mundo nas costas. E agora Maria? Estás no hospital e não sentes nada. Não sabes de nada, mas sei eu. Sabemos todos. Tens leucemia mas ainda não te diagnosticaram o tipo. E agora Maria? E agora minha tia?

Poema de Drumond, cujo título do post é expressão muito usada por aqui.

      JOSÉ
                  E agora, José?
              A festa acabou,
              a luz apagou,
              o povo sumiu,
              a noite esfriou,
              e agora, José?
              e agora, você?
              você que é sem nome,
              que zomba dos outros,
              você que faz versos,
              que ama, protesta?
              e agora, José?
              Está sem mulher,
              está sem discurso,
              está sem carinho,
              já não pode beber,
              já não pode fumar,
              cuspir já não pode,
              a noite esfriou,
              o dia não veio,
              o bonde não veio,
              o riso não veio
              não veio a utopia
              e tudo acabou
              e tudo fugiu
              e tudo mofou,
              e agora, José?
              E agora, José?
              Sua doce palavra,
              seu instante de febre,
              sua gula e jejum,
              sua biblioteca,
              sua lavra de ouro,
              seu terno de vidro,
              sua incoerência,
              seu ódio - e agora?
              Com a chave na mão
              quer abrir a porta,
              não existe porta;
              quer morrer no mar,
              mas o mar secou;
              quer ir para Minas,
              Minas não há mais.
              José, e agora?
              Se você gritasse,
              se você gemesse,
              se você tocasse
              a valsa vienense,
              se você dormisse,
              se você cansasse,
              se você morresse...
              Mas você não morre,
              você é duro, José!
              Sozinho no escuro
              qual bicho-do-mato,
              sem teogonia,
              sem parede nua
              para se encostar,
              sem cavalo preto
              que fuja a galope,
              você marcha, José!
              José, para onde?

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