segunda-feira, 1 de abril de 2013

Sacolé



Sua vida mudou quando viu a boca de Ana. Era uma moça bonita, bem feita de corpo, mas o que mais chamava sua atenção como um íman, era a boca. Conjunção de lábios roliços e rosados. A pele parecia de seda, mal ela lambia o lábio inferior, deixava um rastro de luxúria. Fazia de tudo para não encará-la. Era sua cunhada, a Ana, namorada de seu irmão mais novo, então com 24 anos.  Ele bem tentava, mas já dizia-se de que de boas intenções o inferno está cheio, e ele com certeza iria passar o resto da eternidade no calor da culpa. 
A Ana chegava e o suplício começava e, quando estavam à sós, era um descalabro. Suava. Escorriam gotas pela camisa, pelas orelhas. Ela não desconfiava. Mascava chiclete e fazia bolas enquanto folheava distraidamente uma revista de fofocas. Às vezes perguntava-lhe qualquer coisa e ele tinha de esforçar-se para recuperar o tom de voz e geralmente o que saía era algo mais parecido com um adolescente imberbe do que com um homem da sua idade, lá no meio dos trinta. Mexia nervosamente no smartphone à procura da ligação da mulher, alguma mensagem depressiva sobre não aturar mais os berros do bebê, ou um recado para passar na farmácia antes de ir para casa. O telefone tocou e não era o seu. A cunhada remexeu no bolso da calça e tirou de lá um objeto morno que gritava. Alô... Mascava. Os lábios róseos de morango cobertos de corante até a língua. Monosilábica. Ana só era assim no telefone. Desliga e lhe pousa o olhar enquanto devolve o aparelho para perto das nádegas. 
- É o seu irmão. Disse que ficou preso em uma apresentação na faculdade e pediu para você me dar uma carona. 
- Hum.
- Isto é um sim?
- Hum hum. Sim. Claro.
Ela levanta-se e deixa cair a revista. 
- Vamos?
Ele limpa o suor das têmporas e fecha a porta. Não sem antes checar mais uma vez por um sinal da mulher. Implorava, rezou a todos os santos para que houvesse uma luz, para que alguém lhe tirasse desta enrascada que se prolongava há dúzia de meses. A tela continuava muda. Assim como os santos. Resignado obedeceu um pouco daquela voz que lhe assumia lentamente o controle. Não olhe em hipótese nenhuma para ali. Use o espelho, use o trânsito, ligue o rádio. A cunhada estacou em uma janela.
- Peraí...
Ele viu impacientemente ela bater palmas e abrir a bolsa. Pergunto? Não pergunto? Debatia-se em uma timidez infantil. Passava a mão nos cabelos. Só queria chegar à casa são e fiel como sempre o fora. Olhar para a cara de olheiras da esposa e para seus lábios finos e contidos, atirar-se a eles comedidamente antes que o choro do bebê os separasse. Oh inferno esta Ana! Porq...
- Obrigada! Para você também. Tchau!
Olhou para o lado, mal podia acreditar. Pôs a mão nas ancas, suspirou quase assoviando. É isto né não, Deus, você que me foder! Você quer me ver fodido!
Ana abria a embalagem plástica e transparente devagar como quem apreciava aquele ritual. Ele ficou hipnotizado enquanto ela metia o cubo de gelo vermelho por entre os lábios apertados. Formava um botão de rosa ainda fechado. Não, era uma vulva. Vermelha. Escarlate. Que abria e fechava e chupava.
- Adoro sacolé!
Todo o percurso até o carro foi feito em silêncio da parte dele. O silêncio que era cortado pela sucção do líquido doce que deixava a sua boca levemente inchada e ainda mais rosada. Colocou o cinto, deu a partida sem olhar. Por sorte não vinha ninguém e ele lembrou-se do telefone na cavidade para este fim. Mudo. Sem rede? Não. Nenhum sinal da mulher.
Ana continuava, ele evitava olhar para os espelhos, não evitou foi uma saraivada de buzinas no trajeto de quinze minutos. A cada desvio, Ana segurava-se e perguntava se estava bem. Ele ria nervosamente, pedia desculpas para adiante cometer os mesmos erros. Piscas para o lado errado, sinal vermelho, ultrapassagem pela direita, se somassem os pontos ficaria um ano sem dirigir. Finalmente avistou a esquina do prédio do pai da cunhada. Ela  morava ali desde pequena, já havia lhe contado. Um edifício baixo, com algumas pastilhas em falta e sem elevador. Qual era o andar mesmo? O quarto. 
- Pode me deixar aqui. Obrigada.
Desviou-se com o resto do sacolé entre os dedos. Um beijo lhe calhou na metade dos lábios e ele sentiu o frescor de sua boca carnuda. E aquele beijo foi pior do que nada porque agora metade dele sabia o que era aquele colchão de carne que o irmão violava aparentando ser sem consentimento. Agora sabia e já havia sentido o gosto de suco de morango misturado à maciez de seus contornos arredondados como seus quadris. Era adúltero sem o querer, ou melhor , queria mas não planejava. A culpa sem o desfrute era pior do que o ato consumado.  Falhou. Sua língua invadiu, conquistando, evocando tudo que era ou devia ser dele. Ela a entregar-se em uma rendição de pouca luta, ao sexo que suas línguas selvagemente dançavam. Quando abriu os olhos, a cunhada já lhe acenava junto às grades do prédio, com um molho de chave a meter-se na bolsa. Realidade, sonho ou desejo? Nunca soube. Dizem que os olhos são as janelas da alma e ele nunca conseguiu olhar nos olhos da cunhada. E se são os olhos as janelas, os lábios são a porta que ela deixava entreaberta. E sentia que sua vida não seria mais a mesma desde que vira pela primeira vez a boca de Ana.

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