sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Boxe

Depois de muito dar de cabeça na parede (em sentido figurado) aprendi que para bater não é preciso raiva, mas técnica. A raiva é um bom começo, mas tem o inconveniente de nos deixar marcas. Lembro das primeiras vezes que cheguei com os nós dos dedos estourados, um derrame em um pé e ambas as canelas salpicadas dos mais variados tamanhos de roxo como um dálmata. Ao me ver no chuveiro gemendo quando a água me encostava, o marido disse: assim não pode ser, não é possível vir deste jeito todas as aulas. Eu sei...mas não resisti. Não resisti em colocar para fora toda raiva numa sessão só. Olhava para o saco rangendo as correntes e pensava...nem sei no que pensava. Eu não sabia por onde começar. Que tal nos dois socos murchos que dei em um menino que me bateu enquanto meu avô o segurava? Esmoreci, aquilo não me deu raiva, mas comiseração, e esta era a última coisa que procurava naquele momento. 
Depois pensei nas vozes que me invadem para dizer que não consigo, que sou um fracasso. Que não tenho força para tal. Pá e pá. O barulho seco seguido de um apertão no abdômen marcava o ritmo e a raiva era a personagem principal. Não bater em ninguém era a minha premissa (não apanhar também), e este foi um dos motivos por ter preterido  a escola de boxe ao lado do meu prédio. Acompanhei algumas aulas da janela do quarto e decidi que o que eu queria mesmo era aprender a bater no saco apenas. O que também não foi fácil. Não é fácil se despir de toda a programação de como-ser-uma-boa-menina e de repente revidar com força e com vontade aquele objeto inofensivo balançando languidamente. Sei lá se alguém já sentiu isto, mas no começo eu senti dó de bater no saco. Embora eu soubesse que era mais provável eu sair machucada daquele encontro, minha timidez me forçou a dar os primeiros socos quase como pedindo licença e desculpas, para depois entregar-me ao descontrole total. Sou dessas, oito ou oitenta, exagerada, como diria Cazuza, até nas coisas mais banais para mim é tudo ou nunca mais. 
Mas tem uma hora que nos deixamos ir em cada gota de suor que foge pela cara: há um vazio no meio da raiva. Não é possível sentir raiva por tanto tempo, ou melhor, expressá-la, porque a raiva que soltei fedia a mofo e tinha buracos de traça. Há um momento em que não nos resta mais nada, só as batidas de um coração descompassado, só a repiração difícil de quem foi consumido por alguma doença grave e dá os seus últimos suspiros. E depois de sentir-me sem forças, vazia de mim, a mente como uma peneira que deixa os pensamentos esvaírem antes que sejam registrados, vou embora e prometo voltar na próxima aula. O boxe é talvez o único exercício que faço sem pensar em quantas calorias vou gastar.

2 comentários:

  1. Tem vezes que sinto vontade de socar e estourar o mundo. Uma raiva que tenho que conter para não fazer besteira...principalmente quando fico noites sem dormir porque meu filhinho não deixa ou porque minha cabeça fica caraminholando a madrugada com preocupação ou inconformismo.

    C'e lá vie

    Bibi

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    1. Faz muito tempo que eu queria fazer boxe, era tipo um sonho sabe? Eu sou muito passiva-agressiva portanto achava que era uma ótima forma de por para fora sem machucar ninguém. Experimenta, vai que também goste!
      Beijinhos

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