"Franklin, eu tinha verdadeiro pavor de ter um filho. Antes de engravidar, minha visão do que significava criar uma criança — ler histórias sobre trens e casinhas com um sorriso no rosto, na hora de dormir, enfiar papinha em bocas escancaradas — parecia ser a de uma outra pessoa. Eu morria de medo de um confronto com o que poderia vir a ser uma natureza fechada, pétrea, de um confronto com meu próprio egoísmo e falta de generosidade, com o poder denso e tardio do meu próprio ressentimento. Por mais intrigada que estivesse com o “virar da página”, sentia-me mortificada com a perspectiva de me ver irremediavelmente encurralada na história alheia. E creio que foi esse terror que talvez tenha me atraído, da mesma forma como um parapeito nos tenta a dar o salto."
"Qualquer que seja o gatilho, o chamado não penetrou meu sistema e isso me deixou com a sensação de que havia sido enganada. Quando percebi, aos trinta e poucos anos, que ainda não entrara no cio materno, comecei a me preocupar com a possibilidade de haver algo errado comigo, algo faltando."
"Afinal, agora que os filhos não aram mais nossas terras nem nos dão guarida quando ficamos incontinentes, não há motivo sensato para tê-los."
"(...) andei revirando meu sótão mental a ver se encontrava minhas ressalvas originais à maternidade. Lembro-me, sim, de que a montoeira de medos, todos do tipo errado. Caso eu tivesse enumerado as desvantagens da procriação, “filho pode acabar sendo assassino” jamais teria aparecido na lista. Na verdade, ela teria sido algo mais ou menos assim: 1. Pentelhação. 2. Menos tempo só para nós dois. (Que tal tempo nenhum só para nós dois?) 3. Os outros. (Reunião de Pais e Mestres. Professores de balé. Os amigos insuportáveis das crianças e seus insuportáveis pais.) 4. Virar uma vaca gorda. (Eu era esbelta e preferia ficar como estava. Minha cunhada teve varizes durante a gravidez, aquelas veias enormes nas pernas dela nunca mais desincharam e a perspectiva de ver minhas panturrilhas se ramificando em radículas azuis me torturava mais do que eu poderia admitir. De modo que não admiti nada. Sou vaidosa, ou já fui um dia, e uma de minhas vaidades era fingir que eu não tinha vaidade.) 5. Altruísmo artificial: ser forçada a tomar decisões segundo o que é melhor para uma outra pessoa. (Eu sou pavorosa.) 6. Redução nas minhas viagens. (Note que eu disse redução. Não fim delas.) 7. Tédio enlouquecedor. (Eu achava criança pequena uma chatice inominável. E, desde o princípio, sempre admiti isso para mim mesma.) 8. Vida social imprestável. (Nunca consegui ter uma conversa decente na presença de crianças de cinco anos na sala.) 9. Rebaixamento social. (Eu era uma empresária respeitada. Assim que aparecesse com uma criança a tiracolo, todos os homens que eu conhecia — e todas as mulheres também, o que é deprimente — deixariam de me levar tão a sério.) 10. Arcar com as conseqüências. (Procriar é saldar uma dívida. Mas quem quer saldar uma dívida da qual se pode escapar? Tudo indica que as mulheres sem filhos escapam impune e furtivamente. Além do mais, de que adianta pagar uma dívida para o credor errado? Só a mais desalmada das mães poderia se sentir recompensada da trabalheira ao ver a própria filha levando finalmente uma vida tão horrenda quanto a sua.)"
" Sentia-me dispensável, jogada fora, engolida por um grande projeto biológico que não iniciei nem escolhi, que me produziu mas que também iria me mastigar e depois cuspir fora. Eu me senti usada."
"Eu esperava que, com o tempo, a ambivalência sumisse, mas a sensação conflitante foi
se acentuando e, desse modo, ficando mais secreta. Finalmente vou abrir o jogo. Acho que a
ambivalência não desapareceu porque não era o que parecia ser. Não é verdade que eu me
sentisse “ambivalente” a respeito da maternidade. Você queria ter um filho. Eu não. Tudo
somado, até parecia uma ambivalência, mas, mesmo formando um casal que era realmente
o máximo, não éramos uma mesma pessoa. Nunca consegui que você gostasse de berinjela. "
"Já não tenho
mais tanta certeza se me arrependi de nosso primeiro filho meses mesmo de ele nascer. É
difícil, para mim, reconstruir aquele período sem contaminar as lembranças com o
tremendo desapontamento dos anos posteriores, um desapontamento que escapa às
restrições do tempo e extravasa para o período em que Kevin ainda não existia para que eu
desejasse o contrário."
"No momento mesmo em que ele nascia, associei nosso
filho com minhas próprias limitações — não só com o sofrimento, mas também com a
derrota."
"A questão é que não previ o que exatamente iria acontecer comigo quando Kevin foi
içado pela primeira vez até meu peito. Eu não havia previsto nada exatamente. Eu queria o
que não podia imaginar. Queria ser transformada; queria ser transportada. Queria que uma
porta se abrisse e toda uma nova vista que eu não sabia existir ali fora se esparramasse
diante de meus olhos. Eu queria no mínimo uma revelação, e revelações, por sua própria
natureza, não podem ser antecipadas; elas prometem aquilo que ainda não se conhece.
Mas, se houve uma lição a ser tirada do meu décimo aniversário, foi a de que as
expectativas são perigosas quando são ao mesmo tempo grandes e amorfas. "
"E continuei esperando. Mas todo mundo diz..., pensei eu. E aí, muito
distintamente: Cuidado com o que “todo mundo diz”. "
"Quanto mais eu tentava, mais consciente ficava de que o esforço era abominável. Aquela
ternura toda que, no fim, eu simplesmente imitava, não deveria ter chegado sem ser
convidada? Portanto não era só Kevin que me deprimia, nem o fato de você estar
começando a me negar afeto, Franklin; a verdade é que eu me deprimia. Eu era culpada de
mau procedimento emocional"
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