quarta-feira, 30 de julho de 2014

A desnecesárea

Tenho uma conhecida no facebook a contar ansiosamente a chegada do bebê, a cada dia ela põe hashtag de como o tempo passa devagar e a conta se não me engano anda pelos quatorze dias. Podemos pensar que ela refere-se ao termo da gestação em que a qualquer momento pode ser a hora "P", aquela coisa meio de filme: a bolsa estoura, as contrações apertam. Mas não é nada disto. Ela vai fazer cesariana, já li nos comentários. Tem qualquer problema que impede um parto normal, e eu até acreditaria nisto se o país em que ela vai parir não fosse o Brasil, onde a rede privada anda com uma média de 70% de cesáreas.  Tenho de dizer o óbvio: não sou contra este procedimento quando é necessário, o problema é justamente o abuso desta cirurgia, porque é disto que se trata, é uma cirurgia em que o resultado é sair de lá um bebê. Fico pasma como se trata levianamente como se fossem lá colocar uns mililitros de silicone por estética. O exagero é tanto que estes tempos, uma atriz chegou a antecipar algumas semanas o parto para que o filho nascesse com determinado signo (!!).  O bebê ficou semanas na incubadora e sujeitou-se a todos os riscos de uma criança prematura por um simples capricho. 
Estava pensando agora, de todas as amigas e conhecidas que tenho, nenhuma teve filho por parto normal. E depois ao perscrutar os olhos pelos sites de famosos, constato que cesariana é quase sinônimo de parto como se só houvesse esta opção. Estranho é quando a pessoa decide durante a gravidez ter um natural, mas sabe-se lá o que acontece a meio que quando nasce,  surge lá um probleminha e o resultado foi encarar a faca. 
Este quadro tem muitos responsáveis, primeiro as mulheres, porque não querem sentir dor. A expressão aquela que usamos para coisas difíceis "foi um parto", está com os dias contados. Um parto nunca foi tão fácil como querem fazer parecer. A ignorância faz as futuras mães associarem um parto normal a um parto semi-medieval, com doulas, paninhos quentes e muito, muito sofrimento. Epidural está aí,não seja por isto minhas senhoras! Segundo, há mulheres que querem um parto natural, mas rapidamente se dão conta de que estão nadando contra a maré. Ouvem coleções de histórias horripilantes de bebês de cinco kgs, de bebês que não deram a volta, de vaginas rasgadas, de horas de dilatação, ah e o cordão! Ah, o cordão enrolado no pescoço, esta é clássica. Eu sou uma das que nasceu de parto normal com o cordão enrolado e ó para mim vivinha. Depois de tudo isto, as coitadas acabam convencidas de que seguro mesmo é deixar tudo nas mãos dos médicos, e a elas agora cabe deitar e relaxar. E por último, os médicos, estes carniceiros (não todos, mas aqueles que não podem ver uma grávida que já trazem o bisturi) que não respeitam a escolha da mulher. Ademais, para estes o parto cirúrgico apresenta apenas vantagens: é rápido, o seguro de saúde paga mais, é controlado, e pode acomodar em sua agenda pelo menos três por dia. Desta forma, aproveitam cada consulta para medir o peso e o feto, para dizer que é muito grande, que sua bacia por sua vez é muito estreita, que para que sofrer se ela pode passar a "fase parto" e pensar nas visitas no hospital. E que quem sabe já deixam marcado para uma sexta que aí tem um final de semana e os que moram longe podem vir, porque é sempre melhor que conheçam o novo integrante da família no quarto do hospital ao invés de se amontoarem no sofá da sala. E é assim que aos fins de semana lotam maternidades com recém nascidos e dizeres na rede social de que nasceu (exatamente no dia em que haviam previsto quase oito meses atrás). 
Meu parto não foi lá aquelas maravilhas, mas não foi ruim. Claro que se eu soubesse o que sei hoje, teria participado mais (pelo menos não teria deixado me fazerem episiotomia) porque o parto é antes de mais nada nosso, a começar com a escolha de como ele deverá ser conduzido. Os médicos, grandes deuses da vida e da morte, expulsaram séculos de sabedoria passada de mulheres para mulheres. Hoje o nascimento se dá na maioria das vezes, em um ambiente asséptico em que a mulher é despida de qualquer  iniciativa, permanecendo sob os holofotes apenas como atriz coadjuvante e passiva. E por este andar,  não demorará muito para dizerem que parto normal é aquele em que fica ali um corte de dez centímetros no ventre como souvenir. Parto selvagem, com gritos e  sangue? Isto é para animais...ou no sentido mais humano da coisa, de filmes antigos.

sábado, 26 de julho de 2014

Braderie

Nada melhor para um programa de sábado do que se enfiar em um mar de gente. Não só isto, um mar de gente portando guarda-chuvas, porque hoje São Pedro ligou o ar condicionado e decidiu que já era outono. Tudo que separou este dia de mais um passado entre o sofá e a internet, foi a pergunta inocente da médica antes de nos despedirmos. "Vão a braderie em Strasbourg?" E quando soube que era uma feira de usados com a participação das lojas do centro com a última demarcação de preços, é claro que eu quis ir (para desespero do marido).  A minha intenção nunca foi gastar, o motivo foi mais ou menos  um misto de masoquismo ingênuo e a certeza de que tenho carência de rostos desconhecidos, aliás, não sei porque, sinto falta de multidão. Não todos os dias, porém me parece uma forma de sentir a cidade pulsante, e fazer por minha vez pertencente a ela. Pelas ruas estreitas vou escutando a moça que atrapalha-se no francês e no inglês a gaguejar um sotaque amorfo. Os casais de braços dados a dividirem um refúgio, as crianças nos carrinhos a dormir em plena chuva sem qualquer proteção e o cachorro de uma senhora que passeia com sua roupa plastificada. Alguns doces encantam os olhos, mas não o meu paladar que pede leite condensado como premissa básica para uma torta. Vagueio pelos preços achando os macarons pela hora da morte e  os chocolates  mais caros do que as calças jeans da rua ao lado. Uma blusa da Marilyn Monroe com a bandeira do Brasil me chama atenção assim como a máquina de sorvete do francês que acena para a plaquinha com os sabores do dia: baunilha e morango. Lembrei-me da brincadeira tão sem graça como insistente em que diziam só tem isto, quer o que? O vendedor deu-me a opção entre o morango com baunilha separados na casquinha ou misturados. Escolhi tudo misturado para combinar bem com o dia, com a chuva, com os desvios para não levar um safanão do guarda-chuva alheio e com a sensação de que tão cedo não convenço o marido a um passeio destes.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

"Depois de um tempo ele vai perceber que todas as guerras são a mesma guerra"

Nunca me importei com os conflitos da faixa de Gaza e não é por ter feito História que toda e qualquer história me interesse. No entanto, esta semana vi um vídeo no facebook de um homem segurando pelos cabelos, a cabeça sem corpo de um menino que aparentava ter a idade do meu filho. O homem o qual só se via a mão, continuava a sacudi-la e com ela um pouco de um tecido ralo do que antes fora uma camiseta vermelha. Os olhos sem vida do menino me varreram a noite assim como os restos do que um dia fora um ser humano. Não consegui dormir. 
Quando começaram timidamente reportagens e protestos virtuais contra a ofensiva israelita, rapidamente lembrei-me da sobrinha da vizinha da minha madrinha (pode parecer aquelas histórias inventadas, mas por acaso não é). A mulher muito magra e de cabelos curtos era a típica emigrante que come merda e arrota caviar. Ficou horas a falar na sala da minha dinda sobre o quanto Israel era bom, como era tudo mais desenvolvido e como aqueles piercings e anéis de orelha com brincos (era a febre da Jade e da novela da Glória Perez) já se usava lá há muito tempo. No meio daquela tagarelice toda estava a jovem obesa e muito tímida, Shirrah. Escondia-se nos olhos azuis e cabelos loiros, soltando alguns monosílabos e poucas frases articuladas em inglês. A mulher tinha muito orgulho da filha que no ano seguinte iria completar 16  e assim servir por dois anos no exército. Já a mãe,  fora uma "aborrecente" revoltada a quem nada estava bom, foi em última medida de reabilitação mandada para um kibutz, lugar este em que teve de aprender a viver em comunidade, a repartir, a trabalhar se quisesse comer, e lugar também onde desertou de todos os luxos que a família brasileira lhe ofereceu. 
E ao relatar para o marido este episódio caricato, voamos para a segunda guerra e até antes, para a raiva de Hitler. Para além deste ter se apaixonado por uma judia na sua mocidade  e ela não lhe ter ligado nenhuma, seu ódio pelos judeus não era infundado de todo. O problema foi tê-lo desfocado. O problema na verdade da Alemanha quebrada pelos tratados da primeira guerra, pelo sofrimento do povo, não foram os judeus, mas os ricos e os ricos eram em sua maioria judeus. Ao avançar em histeria coletiva contra estes, os "culpados" na versão obtusa do ditador,  fugiram entre outros países principalmente para os Eua (muitos deles são hoje donos de bancos e impérios familiares). País que não por coincidência é o único a votar contra o cessar fogo de Israel. Além de lucrar imensamente com o comércio de armas, diga-se de passagem. 
O conflito de Gaza é uma guerra étnico-político-religiosa. Alguém disse por aí que não é verdade que viveram sempre em guerra, houve períodos de paz, eu acho é que houve períodos de entre guerra pois são séculos a mais de hostilidades para chamarmos aquilo de paz. Às vezes eu penso, mas cumé que pode um pedaço tão pequeno de terra dar tanto rebuliço, uma terra que não é rica, não tem petróleo nem nada. E por outro lado, como é que um Deus pode ser tão sacana em prometer uma terra já ocupada? Ou como este Deus já escolheu o seu lado desde aquela época? Ou porque as pessoas gostam de viver vizinhas da morte por um pouco de orgulho, de mar, de crença, ou de ódio por tantos e tantos séculos? À propósito, será que a Shirrah seguiu carreira no exército? Será que ela tem facebook? Queria mandar um vídeo para ela...


*Citação meio de cabeça de O Tempo e o Vento, Erico Verissimo.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

E boca fechada

Sou péssima a guardar segredos...peço até que não me falem. Tem um ditado que fala que segredo de três, só matando dois, ou dois matando um. Não sei, mas era isto. E porque não consigo guardar segredos dos outros, os meus também andam ali saltando até a beira da voz como crianças irriquietas a dizerem "agora sou eu!". Tenho aqui um segredo...mas não posso contar e isto me angustia. Quem sabe daqui uns meses?

terça-feira, 22 de julho de 2014

Muda de vida se tu não vives satisfeito

Adoro esta música do António Variações! Ele é legítima versão portuguesa do nosso querido Raul Seixas, e vejo muitas semelhanças para além da barba farfulhenta e do jeito meio nem aí para o mundo. Mas voltando ao que me trouxe aqui, dizia o marido que esta semana passada mais um amigo/conhecido ficou desempregado e perguntava se ele podia ajudar enviando currículo e indicando sites de emprego. Ora, eu sinceramente não sei o que ainda fazem alguns dos nossos amigos em Portugal, sendo que cada dia mais aperta o cerco e o mercado de trabalho principalmente da informática, não é tão grande como isto. Temos um que passou meses e meses desempregado e agora vai pulando de emprego com contrato renovável mensalmente com ganhos de 1500 euros brutos a recibos verdes. Para quem estava acostumado a receber quatro mil, isto é um salário baixíssimo e convenhamos que a crise veio para ficar, nem que seja duas décadas. Se para os portugueses que tem família, filhos pequenos e tal, é admissível um certo apego ao país, para nós que emigramos e deixamos tudo para trás, o que nos impede de fazê-lo novamente? O que nos prende mais? 
Uma coisa que tenho aprendido (e ultimamente tenho aprendido tanto...), é que a vida não espera por ninguém. Nem a vida, nem os amigos, nem nada. Se as pessoas ficam estacadas em um lugar reclamando à espera de soluções do governo ou do patrão ou dos números do euromilhões, vai ser uma espera em vão. Mudar não é fácil. Não é mesmo. Mas às vezes o caos completo é a única forma de reajustar nossas necessidades e talvez nossos desejos. As ruas pelas quais passamos, mudam, o restaurante preferido fecha, os amigos se mudam ou simplesmente mudam e com isto levam a nossa amizade. Nada é garantido. E por incrível que pareça podemos ser felizes em qualquer lugar, desde que haja dinheiro. E quem disse que Portugal detém o monopólio de qualidade de vida (como nos disse um amigo como maior motivo para não se ir embora)? Há muitos países com um potencial enorme para recomeçarmos... É claro que eu sei porque não vão embora: o medo é maior do que a vontade de mudar de vida. E nós tivemos uma sorte do caramba, um empurrão do destino, vá lá. Eu nunca pensei que um dia pudesse dizer isto, mas se não fosse aquela tramóia do português, provavelmente estaríamos na mesma vida de antes, contando as cabeças dos colegas que já foram para rua. Vivendo refugiados com um medo de peru em véspera de Natal... Onde está a qualidade de vida nisto?
Muda de vida - António Variações

sábado, 19 de julho de 2014

O verão tem cheiro de cloro

Esta semana fomos pela primeira vez na piscina pública mais próxima de casa, que ainda assim fica a uns 20 minutos (ou mais) de passos de formiga do Fabian. Surpreendeu-me a limpeza apesar de tanta gente estendida nas toalhas e circulando nos arredores. Quatro euros, o que eu quero? Paz, mas a paz é muito cara e o calor e um filho irrequieto fizeram com que conscientemente eu desejasse aquela agitação toda.  Não há muçulmanas, conforme me haviam dito, pois no perímetro da piscina só se pode entrar com trajes de banho. Fico a matutar pensando naquele ex-colega, será que esta proibição é anti-democrática? Será que deviam deixar as mulheres entrar de véu e vestido? Ou será que ao invés de culpar o Estado deveríamos responsabilizar a religião por culpabilizar seus corpos pelo assédio masculino?... Cabeças se encontrando, o Fabian de bóias nos braços, um mergulha e passa raspando, deixando um rastro de bolinhas. Um thimbum, um chuá, outro é só gritos. E o Fabian agarrado no meu pescoço com um medo de 60 centímetros de profundidade. Ensino-lhe a bater os pés e a saltar timidamente para dentro d'água. E os risos seguem, as bolas infláveis vez por outra fazem uma vítima. O salva-vidas passa a cada dez minutos para ver se alguém já morreu e volta para a sua cadeira alta a fingir que não olha para a moça de biquini rosa fucsia. Mulheres grávidas quase a parir lustram a barriga no sol, bebês com fralda impermeável desfilam com suas perninhas tortas e os irmãos mais velhos afogam os mais novos em uma brincadeira vingativa por terem de ser eles a os vigiarem, enquanto a mãe enfarda batatas com ketchup. 
E depois ao repetir a experiência, vemos os mesmos rostos desconhecidos, o Fabian volta a desejar o picolé e eu volto a dizer que não, que já comeu em casa. Saio de lá zonza e cansada, quase como se tivessem me passado no moedor e triturado meus ossos. Atiro- me no sofá e entrego o filho ao pai, para que gaste um pouco mais da bateria. Meu cérebro é uma gelatina e tudo que penso é que amanhã há mais.  Estes são os quatro euros mais bem pagos deste verão.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Tanto tempo perdido

Ah se eu soubesse... Se tivessem me dito que não custava nada, que eu não precisava ter dito tantos nãos (ai os anos na completa ignorância!), que eu poderia correr livre e solta...eu tinha usado  um absorvente interno antes. 

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Memórias de infância

A minha amiga Ana Carolina vestia calças e blusões de tricô, tinha os cabelos compridos como os meus e muitas vezes os lábios borrados de batom cor-de-rosa. Quando batia na sua porta, sempre abria a mãe dela, uma mecha de cabelos brancos presa em um rabo de cavalo e uma cara do qual nunca vi sair um sorriso. O que mais me intrigava era o cuidado que ela tinha com as bonecas da filha,  frequentemente guardadas na caixa original logo após da brincadeira. A minha boneca-bebê vivia cheia da sujeira própria do 

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Na sala de espera

Depois de falar incontáveis vezes que eu não estava doente, que a médica iria apenas examinar algumas partes do meu corpo para ver se estava tudo bem, o Fabian insistia no dodói na minha barriga. Até que eu cedi. Ele perguntava, eu tacava-lhe "hum hum" sem pestanejar. Ele virou-se para a estante repleta de folhetos informativos e sacou um dos ginecológicos que mais lhe chamou a atenção. Ficou longo tempo a olhar as figuras, folheava, depois voltava. " Mamãe, já sei poque tua barriga tá doendo". Ah é, porque? Sim, mãe, tua barriga tá cheia de bolinhas...ó! Vira-me o folheto e me mostra o desenho de um canal vaginal cheio de espermatozóides...

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Desabafo - XENOFOBIA



Eu morei em Portugal por seis anos e até então nunca tinha sofrido preconceito. Tenho a noção de que sou privilegiada no Brasil: branca, classe média e magra (na altura). Não tinha qualquer sentimento negativo com relação ao país nem aos portugueses, tinha sim, muita curiosidade de como seria a vida lá, no entanto uma sucessão de fatos foram acontecendo e aos poucos fui criando uma raiva e um nojo tão grande que até hoje luto para me libertar.
De segurança a me perseguir na loja quase até entrar no provador, de clientes em um restaurante que trabalhei a flertarem ostensivamente, querendo meu telefone e olhando para a minha bunda quando me virava, de colegas da faculdade sempre corrigirem o meu "brasileiro" porque para eles nós falamos brasileiro e não português. Todos os dias eu acordava na defensiva, mal notava que me encontrava sempre em estado de alerta, sempre pronta para alguma manifestação de preconceito. Teve uma que para mim foi tão surreal que ainda acho que não aconteceu. Fui ao cartório retirar a certidão de casamento que estaria pronta depois de um mês, cheguei lá e mostrei meus documentos para um senhor negro* que me atendeu. Ele foi até o computador na minha frente e chamou duas senhoras gordas* para verem a tela antes de imprimir. Elas se riram, eles todos se riram na minha frente e me chamaram em alto e bom som de "caçadora" na frente de outras pessoas que também esperavam, pois além de ter uma diferença grande de idade do meu marido (que aliás se não fosse ele, eu não teria emigrado), sou brasileira. E isto justifica tudo. Se no Brasil sofria com machismo, em Portugal era o combo machismo + xenofobia. E não era só dirigida a mim, mas era ligar a televisão e escutar "dois brasileiros assaltaram um banco em Lisboa", "brasileiros envolvidos em golpe", "brasileiras deportadas por ilegalidade e prostituição". Era abrir o jornal e dar com as mesmas notícias. Ah e os comentários, sempre carregados de ódio entoavam um mantra: voltem para a vossa terra monte de lixo! Para os portugueses os brasileiros se dividem em: homem/ladrão, mulher/puta. A situação de xenofobia começou a ter níveis tão altos que criaram uma lei que era proibido dizer a nacionalidade dos infratores.
Por um lado eu entendo o protagonismo que nós brasileiros, juntamente com ciganos, africanos e mais tarde ucranianos tivemos em folhas policiais, pois Portugal era um país tão calmo que as notícias às vezes tinham de falar de uma porca que atolou num vilarejo (esta é verdade mesmo) para encher linguiça. Mas quanto mais davam importância a pessoas que foram para bagunçar, mais aumentava o ódio para com aqueles que acredito ser a maioria, vivem suas vidas honestamente.
Hoje resido na França há quase um ano, porém com o episódio da derrota do Brasil na copa, reacendeu o ranço que os portugueses tem disfarçado em futebol. Meu facebook inundou-se de posts a ridicularizarem o Brasil, os brasileiros e eu por ter passado e sentido esta raiva na pele, não acho tão inocente assim. Teve gente que partilhou um vídeo de uma senhora com deficiência mental para gozarem, a que eu achei de uma profunda falta de respeito.
Não fiquei triste nem horrorizada com a derrota do Brasil que pelo que tinha demonstrado em campo, era inevitável. Fiquei sim, muito chocada por estar revivendo mesmo que virtualmente tudo que passei na pele. E tal como vejo dizerem aqui "não aguentam nem meia horinha de misandia", uns não aguentaram nem três posts meus a criticar, que dirá seis anos de xenofobia.

*Dei esta informação pois se tratando de pessoas que sofrem outras formas de opressão, imaginei que tivessem mais simpatia  e ao menos deixassem para debochar quando eu não estivesse mais ali.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Mãããããeeee olha o "cófaço"

E é assim incontáveis vezes no dia. Mããe. Ô mããe. Manhê! Olha, olha, olha o cófaço*! Vou olhar a coisa espetacular e é um pulo seguido de um despencar sobre o sofá. Ou um gesto a bagunçar o cabelo. Ou uma empinada discreta no patinete. Quando estamos eu e o marido então é uma guerra. Intromete-se quando falamos para olharmos qualquer coisa que ele está fazendo neste momento. Eu já me peguei gritando para o Fernando: olha de uma vez porque aí ele pára!! E de fato isto apazigua o pequeno por instantes até inventar uma nova dança ou coisa do tipo.  
Já vi pais falando mal da adolescência, do quanto o filho não quer saber de ninguém, que chega em casa e se tranca no quarto e só sai de lá para comer. No quanto sentem-se tristes porque os filhos não os  acompanham nos programas de antes e que agora tem tempo só para o casal, tempo demais. Escuto com toda a atenção possível e tento simpatizar com a dor deles, mas tudo o que penso é que esta fase ermitã parece o céu depois da overdose de interação na primeira infância. 
Vá, me dêem um desconto que estou há três dias com o Fabian em casa, faz frio e chove sem parar. 



*o que eu faço

terça-feira, 8 de julho de 2014

Não é só futebol

Não é, não sejamos ingênuos. Esta vergonhosa derrota do Brasil contra a Alemanha reacendeu uma velha disputa. Tenho a minha timeline invadida de posts de portugueses, alguns extremamente ofensivos que chamam as brasileiras de putas e tals. Tenho um "amigo" que colocou trinta postagens ridicularizando o Brasil aí eu me pergunto porque? Porque dar tanta importância? Porque gostar de ver o outro perder? Como eu já disse, não tive uma única pessoa que fizesse o mesmo quando Portugal perdeu, tive sim, foi gente fantasiada de vermelho e verde a torcer por eles. Então porque esta reação? Mágoa, raiva, inveja? Eu to crendo que sim. E é nestas horas que a falsa cordialidade do país irmão cai por terra, porque sim, nestes seis anos que morei lá encontrei muito mais gente que odiava ou simplesmente tinha picuinha pelo Brasil do que o contrário. Desta vez Freud não explica, mas explica a História. Dói ver uma ex-colônia superar o colonizador, não dói? Pena que a copa acaba, mas a crise fique. Ou nem tão pena assim.

O recalque bate nas cinco estrelas da camisa e volta em caspa pro Cristianinho.

sábado, 5 de julho de 2014

Bonitinha indelicada

Aí a amiga decora as unhas de gel como se fosse uma árvore de natal e ainda pergunta "tô linda, não tô"? 



Não, amiga, não tá. Tá faltando as luzinhas.


Fabionices

Ainda a história das pantufas...

- Fabian, bota agora as pantufas "bleu"!
- Não posso, mãe.
- Porque não pode?
- Puque a panpufa tá cansada di caminhá com os meus pé.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Bicicletar

Registro dos nossos primeiros passeios pela cidade.


Já pensei várias vezes em escrever sobre mobilidade urbana. E sobre bicicletas. E sobre não ter carro. Mas daí eu me lembro que soa um bocado hipócrita quando me vem à tona a cena dos baguetes a despencarem da proteção solar do carrinho carregado do Fabian enquanto atravessávamos a rua, assim como os olhos do marido, confiantes em mais umas quadras com dez quilos de sacolas em cada braço. De repente só me saem palavrões da cabeça, e a falta que faz a merda de um carro. Felizmente não precisamos para coisas do dia-a-dia, uma porque o Fernando trabalha a três minutos à pé de casa e outra porque a escola do Fabian dá mais ou menos o mesmo para o outro lado. 
Apesar disto, um carro não é considerado um artigo de luxo, com qualquer 1500 euros compra-se algum que quebre o galho. Inserir aqui aquela imagem do Batman tapeando o Robin com a legenda: um país desenvolvido não é aquele em que os pobres tem carro e sim aquele  em que os ricos andam de transporte público. Cala a boca Robin, sabe de nada inocente! Nunca vi nenhum rico que andasse de ônibus ou de trem ou de tram. A não ser que eu tenha uma falta de sorte do caramba, pois não peguei nenhum político em época de eleição. 
Para começo de conversa, os ricos não trocam a comodidade dos seus carros para andarem de transporte coletivo, o que acontece é que a classe média não tem urticária em andar de pé ou mais frequentemente, de pedalar. Vejo muita gente reclamando do trânsito de Porto Alegre, no entanto ninguém quer abrir mão de ter o seu próprio transporte. Aliás, comprar um carro ainda é considerado símbolo de status: o primeiro passo para a escala financeira e social que culmina na compra de um imóvel ou em um mestrado na Europa. Talvez seja um pouco de ingenuidade minha comparar a capital gaúcha com a alsaciana, visto que os números não mentem*, mas pode-se ter uma ideia do porquê dá certo investir em mobilidade urbana. 
Aqui os ciclistas são reis, e quando digo isto não é por uma questão de logística, onde vemos quilômetros e quilômetros de ciclovias, mas porque há um profundo respeito por eles, mais ou menos como quando se fala no comércio que o cliente tem sempre razão. O ciclista tem sempre razão, mesmo quando não tem razão. Os motoristas em sua maioria, obedecem ao código de trânsito, porém o campo "ciclístico" ainda é uma área meio república das bananas, com indivíduos andando na contra-mão, invadindo o espaço dos pedestres, forçando uma velocidade inapropriada em lugares proibidos, etc. 
 É claro que a geografia ajuda para a popularização deste meio de locomoção, Strasbourg é uma cidade muito mais plana do que Porto Alegre, e também mais segura. Se um carro é acessível com alguma economia, uma bicicleta é muito mais.  Podemos encontrar modelos a partir de 50 euros, sem falar que não é necessário pagar imposto anual nem seguro. Em todas as esquinas há dezenas de bicicletas trancafiadas em postes e árvores (porque nunca se pode dar chance ao azar); nas universidades, nas escolas, e em ruas principais, há estacionamentos cobertos para elas. As oficinas que as consertam vivem cheias e as maiores feiras que se tem para usados, são para comprá-las. Elas estão de tal modo inseridas na vida deles, que quando uma criança deixa as fraldas, já colocam-na um modelo sem pedais no meio das pernas para irem se habituando, e quando tem entre três e quatro anos passam frequentemente para as bicicletas com pedais e sem rodinhas. 
A "magrela" como carinhosamente chamamos bicicleta, não é só coisa para crianças, para quem gosta de esportes radicais ou para quem não tem dinheiro. Ela ocupa um lugar cativo no coração dos franceses. Ela é democrática, é tipo aquele pretinho básico, vai bem tanto com terno quanto com mini saia. Com salto ou chinelo de dedo. Vai na chuva, no frio e no sol da uma da tarde. Vai  bem com cadeirinha para levar o filho na escola, ou com cesta para ir no mercado, ao trabalho ou para a faculdade. E como um vulgar meio de transporte, seu condutor tem pressa, buzina, xinga. E é por isto que funciona: por andar ali entre o respeito por parte dos "motorizados" e a informalidade de fazer o que lhe dá na telha. Poderia mesmo dizer que este  bicicletar, mais do que uma paixão mascarada em neologismo, é o próprio manifesto do jeitinho francês em forma de mobilidade urbana.


*Strasbourg tem 272 mil habitantes, mais coisa menos coisa.

Não exageremos

Li que a Copa do Mundo no Brasil estava mais organizada do que as Olimpíadas de Londres. Para quem já leu um pouco que seja sobre psicologia, isto é de fácil explicação: tem a ver com a gestão das expectativas. Todo mundo esperava o melhor  vindo dos britânicos e já do Brasil...Parafraseando Valesca Poposuda, era só tiro, porrada e bomba. Os atrasos foram o esperado que acontecem em qualquer evento desta importância, estádios prontos, os protestos foram tímidos, os anfitriões, cordiais. De onde não se esperava mesmo nada, eis que o país soube fazer as coisas razoavelmente bem, e é isto, agora virou um sucesso. Acredito que o único toque especial foi realmente o povo brasileiro, porque ô gente para fazer festa! E a copa não deixa de ser uma.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Manias

Que aqui em casa a tv é monopolizada pelo Fabian, ninguém questiona, mas agora o que anda a tocar em replay é o tal do Gummy Bear. Sério que cada vez que eu vejo aquele urso com cara de quem tomou LSD, e suas músicas eletrônicas muito histéricas, tenho vontade de voar para longe. Não há um dia que este urso medonho não venha aporrinhar, o pior de tudo é ficar com as músicas na cabeça horas e horas depois...