sexta-feira, 11 de julho de 2014

Desabafo - XENOFOBIA



Eu morei em Portugal por seis anos e até então nunca tinha sofrido preconceito. Tenho a noção de que sou privilegiada no Brasil: branca, classe média e magra (na altura). Não tinha qualquer sentimento negativo com relação ao país nem aos portugueses, tinha sim, muita curiosidade de como seria a vida lá, no entanto uma sucessão de fatos foram acontecendo e aos poucos fui criando uma raiva e um nojo tão grande que até hoje luto para me libertar.
De segurança a me perseguir na loja quase até entrar no provador, de clientes em um restaurante que trabalhei a flertarem ostensivamente, querendo meu telefone e olhando para a minha bunda quando me virava, de colegas da faculdade sempre corrigirem o meu "brasileiro" porque para eles nós falamos brasileiro e não português. Todos os dias eu acordava na defensiva, mal notava que me encontrava sempre em estado de alerta, sempre pronta para alguma manifestação de preconceito. Teve uma que para mim foi tão surreal que ainda acho que não aconteceu. Fui ao cartório retirar a certidão de casamento que estaria pronta depois de um mês, cheguei lá e mostrei meus documentos para um senhor negro* que me atendeu. Ele foi até o computador na minha frente e chamou duas senhoras gordas* para verem a tela antes de imprimir. Elas se riram, eles todos se riram na minha frente e me chamaram em alto e bom som de "caçadora" na frente de outras pessoas que também esperavam, pois além de ter uma diferença grande de idade do meu marido (que aliás se não fosse ele, eu não teria emigrado), sou brasileira. E isto justifica tudo. Se no Brasil sofria com machismo, em Portugal era o combo machismo + xenofobia. E não era só dirigida a mim, mas era ligar a televisão e escutar "dois brasileiros assaltaram um banco em Lisboa", "brasileiros envolvidos em golpe", "brasileiras deportadas por ilegalidade e prostituição". Era abrir o jornal e dar com as mesmas notícias. Ah e os comentários, sempre carregados de ódio entoavam um mantra: voltem para a vossa terra monte de lixo! Para os portugueses os brasileiros se dividem em: homem/ladrão, mulher/puta. A situação de xenofobia começou a ter níveis tão altos que criaram uma lei que era proibido dizer a nacionalidade dos infratores.
Por um lado eu entendo o protagonismo que nós brasileiros, juntamente com ciganos, africanos e mais tarde ucranianos tivemos em folhas policiais, pois Portugal era um país tão calmo que as notícias às vezes tinham de falar de uma porca que atolou num vilarejo (esta é verdade mesmo) para encher linguiça. Mas quanto mais davam importância a pessoas que foram para bagunçar, mais aumentava o ódio para com aqueles que acredito ser a maioria, vivem suas vidas honestamente.
Hoje resido na França há quase um ano, porém com o episódio da derrota do Brasil na copa, reacendeu o ranço que os portugueses tem disfarçado em futebol. Meu facebook inundou-se de posts a ridicularizarem o Brasil, os brasileiros e eu por ter passado e sentido esta raiva na pele, não acho tão inocente assim. Teve gente que partilhou um vídeo de uma senhora com deficiência mental para gozarem, a que eu achei de uma profunda falta de respeito.
Não fiquei triste nem horrorizada com a derrota do Brasil que pelo que tinha demonstrado em campo, era inevitável. Fiquei sim, muito chocada por estar revivendo mesmo que virtualmente tudo que passei na pele. E tal como vejo dizerem aqui "não aguentam nem meia horinha de misandia", uns não aguentaram nem três posts meus a criticar, que dirá seis anos de xenofobia.

*Dei esta informação pois se tratando de pessoas que sofrem outras formas de opressão, imaginei que tivessem mais simpatia  e ao menos deixassem para debochar quando eu não estivesse mais ali.

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