terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Se a minha mãe tivesse dito

Às vezes eu sinto como se estivesse contando coisas surreais, inventadas pela minha cabeça, de um país imaginário: o país em que nasci. Quando ela me olhou aqui em casa, sentada à mesa, e perguntou porque  não queria mais filhos, eu pensei em mentir. Mentir nunca foi o meu forte, embora o silêncio sim. As palavras foram saindo sem concordância verbal ou boa entonação, mas eu contei o que representava ser mãe na minha cultura. Ela ouvia tudo com admiração, como uma criança que escuta um conto de fadas. Passado já dois anos e meio aqui, consigo ter clareza o suficiente para ver o quanto é doentio a maternidade para nós. Esta anulação absurda, este campeonato de sadomasoquismo para ver quem é que sofre mais e, obviamente, quem sofre mais tem lugar garantido no pódio das mães-perfeitas e ganha de prêmio o seu chicotinho dourado. 
Se a professora entendesse português e tivesse paciência para ler os comentários de ódio dirigidos às mães que não vão em cantigas e falam "mermo" o que pensam, oh la la. Estreito é o caminho da verdade universal sobre ser mãe e se pisamos um pouquinho fora dos dogmas... 
Isto surgiu por causa do tal "desafio" do facebook de colocar fotos que mostrem o quanto gostam de ser mãe. Ora, que desafio tem em uma coisa que fazem a toda hora? Em meio a isto, uma moça ainda dando os primeiros passos na maternidade, abriu o jogo sem dó, e é claro que choveram xingamentos, os quais eu mesma já estou acostumada. Eles nunca mudam. Vejamos:
- Se detesta ser mãe então porque teve filho? 
Hummm, ovo ou a galinha? Como é que alguém pode gostar ou não sem antes passar por isto? Não é uma semana com filhos de amigos ou sobrinhos que vai dar para saber.
- Mas ser mãe é uma coisa sagrada, filhos são bênçãos do senhor!!!11
Taí uma coisa que me deixou aliviada, segundo a professora, este tipo de idéia obsessiva com a maternidade aqui só floresce nos núcleos de famílias extremamente religiosas. O que graças a Deus (hahaha) são cada vez menos representativas face à mulher francesa.
- Na hora de revirar os olhinhos não pensou né? Somamos aos que já vão para a praga direto com "agora aguenta, bem feito!". 
Esses são para mim os mais contraditórios e os que fazem toda a argamassa cuidadosamente passada para exaltar a maternidade cair por terra. Quer dizer que filhos não são mais tão bons assim? Agora eles são jogados nestas mulheres como se pedras se tratassem, como a punição pelo pecado de sentirem tesão (o que às vezes nem é o caso) durante o coito. Quer moleza? Queria uma boneca? E acharem que somos egoistas e mimadas porque queremos existir? Que vontade de sentar com essa jovem e conversar (os comentários estão abertos apenas para amigos de amigos) que tudo bem se sentir cansada, acabada, triste. Ainda tem muito pela frente e ela precisa se fortalecer, ainda bem que pelo menos há algumas boas amigas com ela. 
- Pensa se a tua mãe tivesse escrito isto, que lixo tu te sentirias.
Era justamente  o assunto do post, porém não consigo ser concisa sobre isto, acho que há tanta coisa para ser falada e ultimamente tenho visto que mais mães abrem a cortina, o que me deixa feliz mesmo. Se a minha mãe tivesse verbalizado que não fui a melhor coisa que aconteceu na vida dela, eu a entenderia profundamente. Não me sentiria culpada, pois a todo momento fazemos escolhas e ela fez a escolha dela em não ter abortado, mas eu sinto, eu quase posso sentir-me no lugar dela, a solidão, os julgamentos, a responsabilidade. Eu sei que eu não estava nos planos, ao menos não avulsa, fora do combo mamãe-papai-filhinha. Eu sei que nada saiu como ela queria, que a família ajudou, mas também se intrometeu muito, que fomos morar em um estúdio que eu não queria, mas que lá ela pôde ter um pouco de paz. Depois que fui mãe, consigo ver a mulher por trás deste mito. Consigo ver as dores, as frustrações, o que abdicou por minha causa. E tudo bem se não valeu a pena, nem todas as nossas escolhas valem e é ok se arrepender. 
Não desejo nem à mais insuportável mãe de facebook, a minha maternidade sufocante, 24 sobre 24 horas, completamente sozinha a não ser duas vezes por mês quando o marido vem nos ver. Não sei o que vai ser do futuro deste blog e se algum dia o Fabian terá acesso a ele. Mas de uma coisa eu sei, quero que meu filho não esqueça de que sou um ser imperfeito, cheia de manias e falhas, quero que ele saiba que não podemos mandar nos sentimentos e que é difícil, mas às vezes necessário, falar sobre coisas doloridas para que possamos curar-nos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário