terça-feira, 2 de outubro de 2012

A dança dos olhos negros - Capítulo I

O ar estava húmido, escuro e pesado. Ela suspirou embaixo do que antes fora uma mesa, agora estava resignada a uma espécie de esconderijo tosco. Ouvia vozes e pelo pouco do que se atrevera espiar dera com a casa completamente revirada. Ao longe distinguia-se gritos. De mulher? De criança? Não importava, já tivera tanto por uma noite. Seu pai e seu irmão jaziam ao relento nos campos. Sucumbiram sobre as lanças e espadas do inimigo. Inimigo este que os considerava bárbaros e por isto queimava suas casas, estuprava suas mulheres e assassinava crianças.
De repente os passos tornaram-se mais próximos. As risadas dos homens satisfeitos pelo saque e pelo sangue atravessaram o recinto. Ela encolheu-se, mas sabia que era em vão. Sentiu uma mão forte e áspera puxá-la pelos ombros. Seu cheiro ocre de sangue velho encobriu-lhe as narinas e por um instante pensou que ia desmaiar.
- Vejam só o que achei perdido por aqui! - Bradava o homem com palavras cheirando a álcool. 
Seguiram-se risos, cada vez mais altos e mãos por todo seu corpo. Alguém lhe empunhou como se fosse uma recompensa e a levara para a luz. Esteve tantas horas em completa escuridão que o simples fato da aproximação da luz, fez com que seu rosto se contorcesse e ela lembrou-se de que aquele desconforto seria o menor dos seus problemas. Fechou com mais força os olhos e rezou para que terminasse logo.
Atiraram-na sobre o piso frio da entrada da que antes fora a casa de sua família. Tentou cobrir-se o mais que pôde como um animal acuado a olhar seus algozes à espera da morte. Pela primeira vez encarou-os. Diziam que eram frios, os seus olhos castanhos, escuros como um poço. Pareciam recém chegados de Niflhem. Eram assim o romanos, grandes guerreiros, sedentos de domínio sobre todas as tribos. Seus deuses devem ser mais poderosos que os nossos e muito mais difíceis de contentar. Eram em sua maioria mais baixos que o seu povo, mas fortes e bem treinados por baixo da armadura cor de carmim. Sentiu as pernas tremerem quando a mesma mão que lhe carregara lhe forçou a suspender o peso nos pés. Achava que quando alguém estivesse sob ameaça o corpo se acordava, os sentidos se apurariam a fim de que pudesse lutar ou fugir. Mas seu corpo ao contrário, adormecia, sua visão estava turva e seus ouvidos pouco captavam do exterior, apesar de ter consciência de que a aldeia estava mergulhada no caos.

- Vejam só, está é especial. 
Rasgaram-lhe a túnica e um seio branco de auréola rosada ficou pendido em meio aos trapos de linho   que emolduravam o corpo esguio.
- Sim, é virgem. - Apontavam para os adornos em seu pescoço. Tinham ao menos algum conhecimento sobre o costumes germânicos afinal. Podia sentir no mínimo dez pares de olhos sobre sua nudez. Escuros. Olhos de poço negro, insaciáveis. 
- Quem vai ser o primeiro?
Houve certa agitação, empurrões. As espadas tilintaram em sinal de aviso. Um dos homens deu um passo à frente e lhe agarrou da mão do primeiro. Foi ele que a achara em seu esconderijo e tomava o que devia ser seu por direito. A sua primeira vez com um homem.
E depois disto o que sucederia? Dezenas de pênis rasgariam sua vagina e ela neste momento dava tudo para ser uma velha enrugada que não despertasse os instintos do inimigo. Mas lá estava com os lábios trêmulos e as coxas rijas, fechadas, a mulher mais bela de toda a tribo, um adjetivo que neste momento particularmente odiava. Os cabelos compridos em trnaças loiras como o trigo, pingavam suados pelo medo e ansiedade. Se fosse para ser, que seja rápido. E quando finalmente o primeiro guerreiro avançou e abriu-lhe as pernas, ela apertou o sexo. Ouviu os cascos e alguém a apear do cavalo. Não sabia qual era a sensação, se de alívio ou de dor. Seu destino poderia ser pior do que havia imaginado. Mais alguém para a festa? Mas os homens silenciaram. Apenas o que a sustinha os braços algemados pelas suas mãos arquejava. Os passos foram diminuindo. Pode ver pelos cílios dourados que era alguém superior. Tinha adornos nas armas e o elmo era ligeiramente maior do que o dos outros entre o seu braço.
- O que temos aqui?
- Publius encontrou-a em um canto. Íamos ensinar esta puta a se submeter à águia romana.

Por alguns segundos houve silêncio. O homem ponderou. Olhou para o seu corpo e ela tentou aprumar o que restava de sua dignidade. Desta vez não tentou encolher-se. Os seios pulavam conforme o peito lutava para respirar arduamente. E com um gesto, saiu-lhe a voz rouca:
- Ande para fora daí. Quero ela para mim.
E depois virando-se aos demais - Eu já disse que quero o melhor para mim.
Em um salto o grupo deu um passo atrás e o peso pouco a pouco saía de cima dela. Pode ver pelos suspiros, a frustração que ficara o homem que agora lutava para vestir-se. O que a requisitara, virou-se e estendeu-lhe a mão ao que ela rapidamente correspondeu. E levantou-se segurando o pouco tecido que não estava violado pelas mãos ávidas dos seus algozes. Seguia consternada sem saber se aquilo de fato seria melhor do que um estupro coletivo, pois de um romano não se pode esperar grande piedade, mesmo para uma mulher jovem e bonita. Ele agarrou pela cintura e susteve seu peso para que pudesse montar no animal. Lenta colocou as pernas entre o lombo e pode sentir o pelo morno em sua pele dolorida. Ele subiu depois, atrás de suas costas, bem colado a sua nuca. O toque metálico de sua armadura fez-lhe calafrios e ainda mais que o silêncio, a respiração contida e a certeza de que seria dele dali a momentos a aterrorizava. E depois provavelmente encontraria a morte ou talvez ele a atirasse para aqueles monstros depois que saciasse a fome de sua carne. A visão da chegada ao acampamento romano deteve seus pensamentos. Ficou impressionada pelas fileiras intermináveis e  organizadas pelas colinas, pela quantidade de soldados que abrigava. Talvez mais de trezentos homens a circular, acender fogueiras, a contar as jóias e armas roubadas de seu povo. Ele contornou  as barracas e amarrou o animal perto de outros que pastavam ao pé algumas árvores. Com brusquidão ele a puxara por entre um labirinto até  deter-se frente a uma. Não era maior que as restantes como esperara, pensou enquanto ele a empurrava para dentro. E a escuridão apoderou-se de seus olhos outra vez. Caiu sobre o que parecia ser uma cama improvisada. Ele virou-se e pode mais uma vez encarar seus olhos negros.
- Descanse. Logo venho cuidar de você. - voltou a cabeça antes de sair. - ah, fugir não é uma boa idéia.
Aquele homem lhe falara em seu dialeto. Isto deixou-lhe com mais medo, foi quase como se ele pudesse transpassar sua alma, não com sua lança, mas com suas palavras. Ela aquiesceu e vendo-se sem escolha, deitou-se encolhida sobre as pernas. As lágrimas desciam quentes e queimavam. Suspirou agradecida por finalmente estar sozinha. Era hora de chorar seus mortos.

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