quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Hecatombe romântica



Devia ter-lhe dito que às vezes o amor era uma substância estranha que salivava pelos poros, que a fazia febril e titubeante. Devia ter-lhe dito que o raciocínio tinha-na abandonado, que o corpo soluçava de abstinência dos seus beijos, das mãos escorregadias pelo seu sexo... Ela devia ter-lhe dito. Devia ter insistido, mesmo que perdida em pensamentos obsessivos de solidão, pensamentos estes que faziam-na andar aos círculos como um cachorro que morde o próprio rabo. Ela vagava noites a pensar, a ouvir "Bésame mucho" em espiral, sentindo-se lúcida na fraqueza de seu próprio sofrimento. Devia ter-lhe dito que o tempo o havia  atenuado com uma catarse diária, expulsando as vozes que  chamavam-lhe sem permissão. Seu coração desacelerava. O pulso. A vida. Desacelerava. Ela devia ter-lhe dito. Mas não disse. E ele voltou a tempo de intoxicá-la novamente.

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