Uma das coisas que tenho aprendido aqui é que o assédio não é normal. Não é coisa de gente civilizada e nunca deveria ser um balançar de ombros, como se não tivéssemos escolha a não ser aceitar e fingir que não era conosco. É mais fácil assim, não foi comigo que aconteceu, mas com outra pessoa, aquela que atravessou a rua, aquela que sentou-se na minha varanda. Mas aquela não era eu, não pode ser eu.
Pois bem. Estava juntando o cocô do meu cachorro em um beco que dá para o estacionamento de um prédio. Passaram dois velhos que haviam estacionado o carro momentos antes, um deles olhou-me, olhou e olhou de novo. Parecia que eu era um frango daqueles dourados e que giram e soltam um cheiro que fez o seu estômago revirar. Acontece que eu não sou um frango e lembrei-me disto justamente depois de morar na França. Nunca quis ser. E como se tivesse despertado de um sonho, quase mecanicamente e com a cara mais carrancuda que pude, lhe ofertei o dedo do meio.
Já descrevi aqui o "paraíso" que isto é comparado ao Brasil no que toca ao assédio, mas isto não nos livra de vez por outra lidar com umas aberrações destas, como um sujeito de um edifício do outro lado da rua achar-se no direito de me espionar toda vez que sento na sacada. Teve alturas que cheguei a baixar o toldo para que ele não me visse, em outras simplesmente voltei para dentro de casa . Ora, agi justamente como fui ensinada todos estes anos: sou eu que devo mudar-me para que não seja "incomodada". Já mandei-o se foder, mental e fisicamente, meu marido já xingou para que parasse de olhar para cá. Inclusive fez com ele o que ele faz comigo: olhou fixamente para sua sacada até ele se sentir desconfortável e sair. Se adiantou alguma coisa? Um pouco. Ele está mais discreto, mas duvido que mude. Já tenho treinado uma frase que usamos muito em português: perdeu alguma coisa aqui? Além de alguns palavrões caso haja insistência. Gritados bem alto e forte, como deve ser para que não me esqueça nunca de que não sou mais um frango.
Nenhum comentário:
Postar um comentário