sábado, 14 de novembro de 2015

Paris

Acordei com mensagens no telefone perguntando se eu estava bem. Não sei se as pessoas sabem, mas moro a oito horas de Paris, e prefiro pular aquela parte em que fingimos se importar e damos condolências mecânicas: oh que horror, meu Deus! Não que não tenha sido horrível, mas aqui está tudo igual, se não fossem as notificações do Le Figaro no tablet do marido, só tínhamos visto de manhã (às vezes a ignorância é uma bênção).
Quebrei minha promessa de ficar longe, mas não consegui resistir visitar o grupo de brasileiros em Paris no facebook, o qual faço parte. Aquilo dava uma tese antropológica, sério. 
Acho incrível como a burrice e a pressa em tomar lados os faz pensar que a extrema direita é a solução para resolver o terrorismo. Vou ser conscientemente preconceituosa nesta frase, mas é o que penso: a maioria dos emigrantes brasileiros na França são povo de pouca instrução, de mente tacanha e agressiva. São dotados do mais alto grau de viralatismo e acham-se vejam só, que fazem parte de uma outra estirpe de emigrantes. Quando conseguem papéis, acham que estão por cima da carne seca e quando conseguem a cidadania, deixam de ser brasileiros para serem apenas franceses. Tomam as dores dos franceses (dos xenófobos, principalmente) e clamam pela Le Pen esquecendo-se que legalizados ou não, serão sempre emigrantes.
Os mortos já estão mortos, volto-me para os que ficaram e penso nas consequências destes atos. Por mais que se diga que não devemos generalizar, a verdade é que o outro sempre foi um problema social. O outro historicamente e culturalmente exerce um papel de coesão no imaginário de uma determinada coletividade. O outro é aquilo que nós não somos, é aquilo que repudiamos quase de maneira instintiva. Desde as cidades-estados da Grécia antiga e até muito antes da escrita, o outro, o estrangeiro, o não-pertencente, serviu de espelho para a construção e consolidação de nossa identidade e por isto, rejeitá-lo em diversos graus faz parte da dialética de nossa formação. 
O outro também tem um papel importante: quando a coisa aperta, é preciso achar um culpado fácil, um vilão comum a quem o povo possa concentrar toda a sua revolta e insatisfação. Oportunistas sedentos de poder oferecem-lhes a cabeça do outro de bandeja certos de que ocupados em odiar, o povo fará o que eles quiserem. 
O meu maior medo talvez não seja o maior medo das pessoas, não é de outros atentados isolados, embora isto seja fácil de dizer morando em uma cidade do tamanho de uma ervilha, mas do crescimento da intolerância com relação aos emigrantes e que isto acabe gerando intolerância dos emigrantes para os nativos e depois isto continue até todo mundo estar se odiando sem saber bem o porquê.
 Eu sou o outro aqui, por mais que esteja legalizada, por mais que contribua com os impostos. Não há para a extrema direita, emigrantes e emigrantes, há tão e só emigrantes e eles não os querem aqui. Simples como isto.

Um comentário:

  1. Muito bem escrito, muito bem dito. Concordo com tudo. Este assunto toca-me muito, estudei muito estas coisas (entreguei a minha tese de doutoramento em direitos fundamentais dos imigrantes agora), e investiguei e deparei-me muito com estas reacções. Em Portugal é igual!! Choca-me como é que nós, que temos uma diáspora de cerca de 2 milhões de imigrantes, somos tão xenófobos quando se trata de pensar em quem nos procura. Então os comentários que tenho lido em relação aos refugiados, nem imagina... Um abraço.

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