sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Ela

Sempre disse que não gostava de ler histórias em primeira pessoa. E nem chegava a terminar a primeira página do livro se assim começasse. Calava-o, fechava-o e pronto. Ela detestava aquela perspectiva bitolada, como se tivesse de antolhos que a impedia de ver a realidade ficcional. Sim, porque e os outros personagens? O que pensavam? Só sabia o que o locutor falava para ela. E assim não podia ser. Sabe que cada um sempre puxa a brasa para o seu assado.
Assim como detestava filmes sem final. Sabe aqueles momentos em que deixam todos tensos e depois pumba: a sala de cinema escura e as letrinhas os mandando embora. Algumas pessoas levantando apressadas e ela lá: ahn, como assim? O que aconteceu afinal? Ele vai ficar com ela? A menina do início do filme foi para onde mesmo? Canadá? E o beijo? E o final feliz? Não era de se pensar que pelo menos nas histórias um final feliz?
Não é possível imaginar um final para a vida, não sabemos nunca o que vai acontecer nos próximos minutos, que dirá dias ou anos. Ou se vamos deixar de existir neste exato momento. É por isto que pelo menos nos filmes deve haver um final. E um final feliz.
Também não gostava de quando as pessoas não tinham paciência com os jovens e suas boybands. Todo mundo teve a boyband de seu tempo. Se não tem talento ou tem pouco, de que interessa? Não gostava quando os adultos fingiam que nunca foram jovens. Faziam-se de desentendidos para suas memórias, enquanto elas lhe mostravam o quão inquietante fora aquela época.
Não entendia como as pessoas tinham mais filhos. E pior, um filho logo a seguir a outro. Não dizem que criar filhos é difícil? Que crianças durante muito tempo são cansativas? Que é caro educar, que precisam de intimidade entre um casal, que as férias já  não seriam as mesmas, nem os destinos tão longe e hotéis de 4 estrelas nem ver... Então porque as pessoas tem mais filhos? Ah, porque é bom. Ah é? E porque? Se todo mundo reclama ter de levantar à noite, ter que fazer o desfralde, levar à escola, ao parque, escutar os intermitentes: mãeeee olha eu aqui! Olha o que eu fiz! Olha o que eu faço!!! E ela sente-se perdida mesmo, perplexa por não saber onde as pessoas colocam o tal lado bom ou a razão para ter mais filhos. Sim, porque o primeiro é novo, tudo novo. A gente é um calouro, não sabe o que nos espera, curte e escuta cada conselho atentamente. Mas e depois vem o segundo...porque os pais se distraem ou porque querem dar um irmãozinho. Nééé (mistura de não com é), a pobre criança não quer um irmão, quem quer são os pais. Ela nem sabe nesta altura o que é um irmão de verdade, se soubesse não pedia. Ora pois. As crianças, apesar de tudo, tem um lado sensato.
Depois também não entendia os velhos. Parecia que quando se chega a uma certa idade, o DNA sofre uma mutação que faz com que as pessoas comecem a ter atitudes estranhas. É melhor acreditar que seja involuntário do que pensar que certo diz a pessoa acorda e resolve: vou incomodar os outros só porque sim. Só porque me dá vontade. Vou fazer de tudo para passar à frente e depois começo a andar bem devagarinho, assim, passo de passarinho. Ou vou contar todas as moedas para ver se não me querem enganar, duas ou três vezes. Vou conferir a nota para ver se não me cobraram a mais. Vou perguntar porque fazem bolo com passas ao invés de chocolate e quanto de açúcar vai em cada fatia. O assunto aumenta conforme o tamanho da fila. E ela revira os olhos. Será que um dia vou ficar assim?

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