Tenho uma conhecida no facebook a contar ansiosamente a chegada do bebê, a cada dia ela põe hashtag de como o tempo passa devagar e a conta se não me engano anda pelos quatorze dias. Podemos pensar que ela refere-se ao termo da gestação em que a qualquer momento pode ser a hora "P", aquela coisa meio de filme: a bolsa estoura, as contrações apertam. Mas não é nada disto. Ela vai fazer cesariana, já li nos comentários. Tem qualquer problema que impede um parto normal, e eu até acreditaria nisto se o país em que ela vai parir não fosse o Brasil, onde a rede privada anda com uma média de 70% de cesáreas. Tenho de dizer o óbvio: não sou contra este procedimento quando é necessário, o problema é justamente o abuso desta cirurgia, porque é disto que se trata, é uma cirurgia em que o resultado é sair de lá um bebê. Fico pasma como se trata levianamente como se fossem lá colocar uns mililitros de silicone por estética. O exagero é tanto que estes tempos, uma atriz chegou a antecipar algumas semanas o parto para que o filho nascesse com determinado signo (!!). O bebê ficou semanas na incubadora e sujeitou-se a todos os riscos de uma criança prematura por um simples capricho.
Estava pensando agora, de todas as amigas e conhecidas que tenho, nenhuma teve filho por parto normal. E depois ao perscrutar os olhos pelos sites de famosos, constato que cesariana é quase sinônimo de parto como se só houvesse esta opção. Estranho é quando a pessoa decide durante a gravidez ter um natural, mas sabe-se lá o que acontece a meio que quando nasce, surge lá um probleminha e o resultado foi encarar a faca.
Este quadro tem muitos responsáveis, primeiro as mulheres, porque não querem sentir dor. A expressão aquela que usamos para coisas difíceis "foi um parto", está com os dias contados. Um parto nunca foi tão fácil como querem fazer parecer. A ignorância faz as futuras mães associarem um parto normal a um parto semi-medieval, com doulas, paninhos quentes e muito, muito sofrimento. Epidural está aí,não seja por isto minhas senhoras! Segundo, há mulheres que querem um parto natural, mas rapidamente se dão conta de que estão nadando contra a maré. Ouvem coleções de histórias horripilantes de bebês de cinco kgs, de bebês que não deram a volta, de vaginas rasgadas, de horas de dilatação, ah e o cordão! Ah, o cordão enrolado no pescoço, esta é clássica. Eu sou uma das que nasceu de parto normal com o cordão enrolado e ó para mim vivinha. Depois de tudo isto, as coitadas acabam convencidas de que seguro mesmo é deixar tudo nas mãos dos médicos, e a elas agora cabe deitar e relaxar. E por último, os médicos, estes carniceiros (não todos, mas aqueles que não podem ver uma grávida que já trazem o bisturi) que não respeitam a escolha da mulher. Ademais, para estes o parto cirúrgico apresenta apenas vantagens: é rápido, o seguro de saúde paga mais, é controlado, e pode acomodar em sua agenda pelo menos três por dia. Desta forma, aproveitam cada consulta para medir o peso e o feto, para dizer que é muito grande, que sua bacia por sua vez é muito estreita, que para que sofrer se ela pode passar a "fase parto" e pensar nas visitas no hospital. E que quem sabe já deixam marcado para uma sexta que aí tem um final de semana e os que moram longe podem vir, porque é sempre melhor que conheçam o novo integrante da família no quarto do hospital ao invés de se amontoarem no sofá da sala. E é assim que aos fins de semana lotam maternidades com recém nascidos e dizeres na rede social de que nasceu (exatamente no dia em que haviam previsto quase oito meses atrás).
Meu parto não foi lá aquelas maravilhas, mas não foi ruim. Claro que se eu soubesse o que sei hoje, teria participado mais (pelo menos não teria deixado me fazerem episiotomia) porque o parto é antes de mais nada nosso, a começar com a escolha de como ele deverá ser conduzido. Os médicos, grandes deuses da vida e da morte, expulsaram séculos de sabedoria passada de mulheres para mulheres. Hoje o nascimento se dá na maioria das vezes, em um ambiente asséptico em que a mulher é despida de qualquer iniciativa, permanecendo sob os holofotes apenas como atriz coadjuvante e passiva. E por este andar, não demorará muito para dizerem que parto normal é aquele em que fica ali um corte de dez centímetros no ventre como souvenir. Parto selvagem, com gritos e sangue? Isto é para animais...ou no sentido mais humano da coisa, de filmes antigos.