Moro num país tropical...só que não. Em fevereiro teve carnaval (de um jeito francês) e não há muitos fuscas, mas os minis do mr. Bean ainda desfilam pelas ruas com canteiros floridos. É impressionante como mesmo estando a milhares de quilômetros ainda seja possível escutar música brasileira com alguma frequência, bastando apenas afinar os ouvidos. Ou às vezes nem isto. Logo que chegamos em Strasbourg, um francês disse entusiasmado ao saber que éramos brasileiros: eu conheço uma música em português! Olhamo-nos curiosos. Ele começou atabalhoadamente a cantar "são as águas de marçô fechando o veráuô" , embora tenha garantido que o cantor, João Gilbertô era português e não nosso conterrâneo.
Em um dia o carrossel em frente à praça da mairie tocava Michel Teló desesperadamente, ai se eu te pego em uma versão remix que eu podia ouvir até chegar em casa. Outra vez, ao entrar em uma loja de brinquedos alternativos, as notas tão rápido começaram a se encaixar na minha cabeça, que exclamei um pouco mais alto do que planejava: aquarela de Toquinho! Nestas horas dá uma felicidade incontida como se um pedaço do Brasil viesse ao nosso encontro. Coisas que só o vislumbre de nossa canção favorita surgindo ao acaso pode-se assemelhar... E o entusiasmo foi quase o mesmo quando de noite, uma moça loira cantou a Garota de Ipanema em um inglês carregado de R para todo mundo ouvir.
Estes dias passava os olhos pelos preços da arca das carnes congeladas, quando o rádio do supermercado começou a tocar uma música embalada. À princípio parei de procurar a bandeja mais barata. Com o tempo a gente vai ficando bom nisto. A música ia e vinha conforme o zumbido das pessoas aumentava ou se afastava. Aqui felizmente não há nenhum gerente que fica louco por instantes no corredor dos iogurtes. Fiquei à espera. Não podia acabar sem eu puxar lá do fundo da memória, o nome, cantor e o estilo. Mudei de posição para ver se conseguia chegar mais perto do som, ou como não avistava nenhum aparelho, se podia ao menos ficar mais longe dos outros clientes. Já não procurava quantos euros o quilo, nem me apercebi que passava pelos animais mortos em halal. Estava chegando ao fim quando de repente seguiu-se o rá rá rá rá. Não precisou completar, minha mente piscava o lepo lepo ô ô. Olhei para os lados, todos concentrados em agarrar primeiro a melancia mais vistosa, a bandeja de peitos de frango menos amassada, enquanto as crianças corriam com seus carrinhos em miniatura cheios de sorvete. Ninguém ligou para minha cara triunfante quase de quem via o próprio Silvio Santos a saltar de terno e microfone naqueles corredores caóticos. Virei para o marido que estava a poucos passos e disse-lhe que o rádio estava tocando música brasileira. Ele não tinha reparado. Confidenciei-lhe que se fosse cara caramba cara cara ô, eu não me aguentava, saía com os dedos para cima e de quebra ainda puxava o trenzinho. Não tem graça nenhuma a gente guardar esta brasilidade toda amarrada no peito, e vai ver até é por isto que eles gostam tanto de nós.
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