terça-feira, 18 de novembro de 2014

Bla bla bla meritocracia

Tem gente que parece que vive em uma eterna propaganda L'Oreal: porque eles merecem!


Eu já estou tão cansada de dizer o óbvio, mas parece que ainda é preciso. Quando falo que o Brasil deveria ser um país de bem estar social, e que fico feliz com algumas medidas afirmativas  (embora estejam longe do ideal, são muito mais do que grande parte da população já teve), não estou falando em premiar os que nada fazem. Dói ver alguns conhecidos estufarem o peito e dizerem: estou aqui onde cheguei por mérito próprio. E dizem-no enquanto rosnam contra as cotas para os pobres, negros e índios nas universidades públicas, contra as bolsas que o governo oferece para que os pobres ponham as crianças na escola ao invés de estarem nos semáforos a pedir dinheiro. Dói e não só dói como dá vontade de falar que merecem sim, uma ova ou um ovo (podre) nesta cara. 
Ao dizerem que merecem estar ganhando quatro, cinco mil reais, ir a Miami ou andar em um carro zero por fruto de seu trabalho, estão agindo como esquizofrênicos sociais. Mais ou menos isto:  dois obesos necessitam emagrecer. Enquanto um tem dinheiro e faz uma redução de estômago, o outro tem que penar, passar fome, caminhar na rua ouvindo "lá vai o botijão", olhar muitas vezes frustrado para a balança que não baixou quase nada. Depois de meio ano, o gordo que fez cirurgia emagreceu trinta quilos, enquanto que o outro com muito esforço perdeu dez. Ah mas a culpa é dele que é preguiçoso! Podia ter levantado mais cedo e aumentado em duas horas o treino de cardio. São assim, estes queridos amigos e conhecidos que pensam com tal arrogância que chegaram onde estão por mérito tão e somente deles e dos pais que trabalharam para que pudessem receber uma boa educação. 
Há por aí uma charge que infelizmente não encontrei... trata-se de duas crianças, uma está em cima de um livro roto no qual está escrito "ensino público", e tem um homem a olhar para ela dizendo que não consegue alcançar o sucesso porque não se esforça o bastante. A outra está em um plano elevado por uma dezena de livros, em que se lia coisas como "tempo livre", "aulas de inglês",  "cursinho de vestibular", "intercâmbio", "ensino privado", etc, etc. Ao seu lado estão seus pais a vibrarem e a seguinte mensagem: vai lá, filho! Você merece! 
Não quero dizer que é mau ter tido a oportunidade que tivemos, mas que é cinismo esquecer de que somos privilegiados. Ora, encontramos a estrada pronta e asfaltada, sendo uma escolha nossa percorrê-la ou não. Enquanto outros tem-na esburacada e cheia de interrupções, pedágios e obstáculos, culminando em subempregos mal remunerados. Como disse a atriz Thaís Araújo (uma das poucas atrizes negras da Globo), "não há nada de errado em ser doméstica, o problema está em sê-lo por falta de opção". E é aí onde quero chegar: quando as chances de crescimento se equipararem para todas as classes sociais, cujo ponto de partida passa a ser o mesmo, só então poderemos falar em mérito por uma ascensão social e/ou econômica.  E não me venham lá com a história do Silvio Santos contada como se fosse novela mexicana: de camelô a dono de emissora de tv. Porque a única coisa que a meritocracia faz, é premiar os que já estão na ribalta, com a papinha mastigada, e sendo bastante realista, são estes o que na verdade menos se esforçaram para chegarem onde estão.

5 comentários:

  1. Não tenho nada contra as oportunidades, os privilégios, a papinha feita. Tenho contra quem acha que só por ter isso merece mais ainda, quem não reconhece o esforço alheio.
    Contra os calões que acham que o leite está na prateleira do supermercado e esquecem o agricultor que ordenha a vaca.
    Sempre irão existir os priveligiados, mas o que falta existir são os agradecidos (não os subservientes).
    Bjks

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  2. No fundo, no fundo o melhor seria que não existisse privilegiados, não devemos nos chicotear por isto, mas também é ridiculo agir como se tudo que conquistamos não foi fruto da desigualdade...como ja vi gente dizendo que se todos mundo tiver acesso à universidade, vai ter muita concorrência.
    beijinhos

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  3. Poderia ter como compartilhar seus textos com mtos coxinhas do facebook rsrs

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  4. Caroline, se quiser pode partilhar!
    Beijinhos :)

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  5. Cheguei aqui hoje. Estou lendo tudo e gostando tanto de vc.
    :)

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