De repente estava parada em frente à porta da escola do Fabian, levemente encostada no corrimão da ponte que nos leva até ela. Mulheres se aglomeravam a minha volta, falando, falando e falando. Por alguns instantes deixei correr solta minha cusquice habitual, falavam de carros mal estacionados e no quanto isto as enervava. Foi em um clique imperceptível, quando vi, já não estava mais lá. Uma gralha sobrevoou o céu cinzento e como em um feitiço qualquer, todas aquelas vozes transformaram-se em seu lamúrio animal. Crá crá crá. Retumbavam em minha cabeça. Crá crá crá.
Às vezes a solidão prega-me peças destas, em um minuto estou aqui e no seguinte já estou voando longe. Racionalizei que era-me muito fácil ignorar uma língua ainda estrangeira, uma língua que me diz pouco, quase nada. Chuto-a para o canto assim que ponho os pés dentro de casa. Não quero ver nem tampouco ouvir falar nela. E qual criança birrenta lembro-me do meu desespero quando me tornei emigrante pela primeira vez. Foi um parto difícil, sentia-me recém arrancada de todo o conforto que conhecia, senti-me lançada a uma luz fria, um terreno hostil. Pronta e nua, a vida disse depois de me parir: fiz a minha parte, agora estás por ti. Não era verdade que estivera só, mas ao mesmo tempo era. Há caminhos que só a solidão pode fazer sentido. Por muito tempo ouvir o português de Portugal me machucava, feria meus ouvidos como se tivesse em uma cela escura a ouvir intermitantemente o mesmo ruído de uma gota a pender rumo ao chão. Hoje não sinto mais esta gana de saber por toda a parte um idioma (ou sotaque) que não é meu, chamando-me à razão de que não pertenço aqui. Ao invés da raiva há o abandono, braços pendidos, pensamentos soltos em espiral.
Não sei se é do tempo...inverno e outono são para mim as estações mais deprimentes que existem. O céu em armadura opaca proibe o sol de aparecer, mantém-no prisioneiro semanas a fio. E mantém-nos igualmente em estado letárgico, enquanto nossas folhas desabam uma a uma até nada mais restar...
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