quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Os sobreviventes



Hoje na hora do almoço o marido deu para desenterrar o programa de um velhinho português que corria seu país a fora em busca da história de vilas, principalmente aquelas que agonizavam cujos habitantes se contavam nos dedos das mãos. Lembrou de um caso de três casais idosos que eram os únicos que ainda restavam no vilarejo, filmaram a festa das castanhas, os seis sentados com duas ou três no prato e um copo de vinho. O olhar mortificado, quase inanimado, olhar de solidão, de resistência ao próprio existir. Não iam embora, ali era a casa que se fizeram homens e mulheres, que tiveram os filhos, que os viu crescer e ir-se para nunca mais retornarem. Que conversa boa para um almoço, olha lá. Mas ao escutar e imaginar a cena, lembrei-me de Josué Guimarães, do "Enquanto a noite não chega". O livro conta a história de um casal de idosos que são os únicos habitantes que ficaram na cidade, com a exceção do coveiro (não tão jovem) que esperava suas mortes para enfim partir. Os dias eram passados a recordar da vida que existia na cidade, a olhar para as casas e reviver os mortos, os vizinhos a conversarem na cerca, as crianças a correrem e subirem nos pés de pêssegos, laranjas e goiabas. Os dias eram à espera da morte e a profunda esperança que ela lhes levasse em conjunto...até que o coveiro morreu e restou apenas os dois. A escassez  de comida, a pobreza das casas caiadas e de piso de chão batido...uma tristeza sem fim. Chorei quase todas as vezes que começava a ler e por incrível que pareça tenho uma saudade dos personagens quase como se os conhecesse. Naquela conversa os vi a secar o chimarrão no sol para que pudessem tomar outra vez, e outra e outra vez. Para aquecer. Para esquecer. Da vida que já não os circundava e da morte que demorava a chegar.

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