Eu acho que devia ter uns oito anos quando soube que meu avô tinha sido assaltado. Foi no centro da cidade, tinha ido buscar um dinheiro (como naquela época existia o imposto por transferência bancária, muita gente preferia retirar e fazer o depósito com a quantia em mãos). Levou um pontapé, caiu e ninguém fez nada. No centro lotado, as pessoas simplesmente passaram e sequer ofereceram a mão para ele levantar. Lembro que senti muita raiva quando ele contou, eu queria trucidar quem tinha feito isto com o meu vô, mas como disse, eu tinha oito anos...
Hoje, descendo os olhos sobre as notícias, pulam casos e mais casos de pessoas que fazem justiça com as próprias mãos, surram, amarram em postes, matam. Dizem elas que bandido bom é bandido morto. E este punhado de gente é obscenamente aplaudido por uma multidão descontente com este Brasil da copa, com a corrupção esparramada nos noticiários, com as verdades absolutas de filmes caseiros no youtube. Uma coisa que devíamos saber separar é o sentimento de raiva e impotência das vítimas do revanchismo. A raiva é legítima, o último não e nem é preciso explicar porque. Qualquer pessoa em seu perfeito juízo vai saber que a pretensa ideia de "dar uma lição" não deixa de ser crime.
Os dedos estão apontados, acusadores, por uma gente branca, que tem faculdade, que viajou a Disney e conhece a torre Eiffel. E estes dedos acusam: a culpa é do Lula, é da Dilma! A culpa é do bolsa escola, a culpa é destes pobres que só sabem fazer filhos! A culpa por fim, é do próprio bandido que escolheu um caminho torto. Eu não sei se estas pessoas já tentaram por alguns minutos saírem da frente dos seus smartphones e das páginas da Veja... Mas a verdade é que o marginal que nos assalta é uma espécie de efeito cuja causa somos nós.
Há um tempo atrás li uma reportagem sobre o porquê a taxa de violência em Luxemburgo ser tão baixa. Dizia o autor que a diferença entre abrir com tranquilidade o seu laptop no transporte público está em ganhar menos. O salário de um lixeiro para o de um gerente comercial são dois mil euros a menos em média. Aqui na França também podemos notar isto, mesmo que a diferença salarial seja maior. Nada é comparado com os menos de 700 reais de salário mínimo e os salários da classe média de oito mil reais, vinte ou trinta. Nem estou falando de gente riquíssima, de presidentes de empresas...estou falando de um salário que é perfeitamente possível de atingir (se você é da classe certa).
Outra coisa que as pessoas não tem noção, é que a questão "escolha" que jogam para o criminoso é no mínimo ilusória. Ah, claro, ele pode ser honesto, eu sou honesta, não é difícil. Mas eu estudei em escola particular a vida toda, eu não tenho nenhum familiar toxicodependente, eu tenho uma família estruturada. Se as pessoas soubessem as histórias que fico sabendo de amigas professoras cujos alunos com dez anos se prostituem, que outros estão no tráfico pois só assim para ostentarem roupas de marca, que não há simplesmente ninguém que se interesse por eles... Que aos dez, onze anos são pequenos adultos que fazem escolhas de adultos, mas que no fundo tem a maturidade cronológica esperada para a idade. É fácil ser bom quando se é privilegiado, quando a violência é apenas no noticiário e não na nossa casa quando o pai bebe e sai distribuindo socos em quem alcançar. É fácil manter-se honesto quando as portas não se fecham pela cor da minha pele, quando tenho a oportunidade de terminar a faculdade e já emendar um mestrado. Pergunto-me se estas pessoas que reclamam deste país corrupto e violento abririam mão de ganhar salários tão altos em nome de uma melhor distribuição de renda. Ou falar de impunidade, dar lições em moleques batedores de carteira e jogar a culpa em toda a corrupção que rola em Brasília é mais a cara delas?
Gostei muito da lucidez do seu texto. A realidade que descreve é por mim perceptível mas não é a realidade em que me encontro (ainda), pois felizmente neste país ainda não se caiu tão baixo (perdoando a expressão). Contudo, parece que é a direcção que muitos querem seguir e isso é preocupante... Os media também não ajudam. Fazem pouco para esclarecer e por vezes são os que geram uma certa confusão e má informação. A educação que é um pilar essencial em qualquer sociedade está cada vez mais precária e tudo se complica quando as mentes não se formam no saber e nos valores.
ResponderExcluirMas essa realidade que descreves é assustadora. Revela um certo desapego a valores essenciais. É complicado mas acho que dizes bem: é o reflexo de nós mesmos. Claro que uma pessoa remediada ou que teve uma formação minimamente razoavel tem maior dificuldade em entender quem cresce de forma diferente. No Brasil sempre me chocou as crianças. O estilo de vida de algumas mais pobres, entregues ao tráfico e à prostituição. Vi um documentário certa vez e fiquei triste, chorosa. Como é possivel? Aqui não temos crianças a viver nas ruas (que se saiba), não é uma realidade com que se depare e se olhe com banalidade, como percebo que acontece no Brasil faz décadas. Essas crianças adultas dizes bem, um dia deixam de o ser e ficam realmente adultas. Mas não sendo crianças serão o quê? Já não tiveram boas oportunidades no início de suas vidas, o que dirá como adultos. Criança se prostituindo é de dar cabo do coração! Uma sociedade que permite isso está muito mal. Muito mal mesmo. E que tipo de pessoas atrai uma sociedade destas? Que «comércio» e turismo?
Olá! Seja bem vinda Portuguesinha!
ResponderExcluirPois, eu acredito que as pessoas no Brasil estejam cansadas da corrupção e da vilência, mas principalmente da última. isto porque no fundo o pessoal reclama do político que rouba, mas vive caçando cargo de confiança (cunha) e se tivessem no lugar deles, iam fazer igual. No fundo mesmo, querem é ter um país pacífico, mas que continue tudo no lugar, que o pobre continue pobre porque para haver menos desigualdade social, precisaria também menos desigualdade econômica e isto já poderia mexer nos bolsos deles e nem preciso dizr que são contra.
beijinhos