Feliz ano novo é o caralho! Não quero desejar nem quero ouvir "que tudo se realize no ano que vai nascer". Estou do contra. Sozinha. Ninguém devia ter que passar assim vendo os outros se divertir, postar fotos felizes da família reunida, ou dos amigos reunidos levantando garrafas de vodka. Sorte é saber que uma boa parte disso é encenação. Ano passado já foi ruim com o marido chegando às onze da noite, somados aos pães de queijo mal cozidos e ainda à pizza congelada comprada no mercadinho árabe que não salvou nossa pseudo ceia. Mas este ano nos superamos de verdade. Merda. Quando é que esta sina de estarmos sempre separados vai terminar? Esta vida cigana? Azar: porque só para variar em 2016 não vai pegar noutros pés? Esquece um pouco de nos, é só isto que desejo à meia noite.
(se quiser, posso dar umas dicas onde pode encontrar umas pessoas supimpas para atazanar)!
Foi engraçado ver a cara de surpresa quando eu disse na aula que não, sinto informá-los mas o Brasil não é este "olê olê"* que vocês pensavam. Ohh, mas como assim? Quer dizer, quando eu falo que sou brasileira tenho a impressão que junto com o sorriso, a pessoa ta imaginando que em casa tenho uma fantasia com plumas e que passo o aspirador de fio dental enquanto sambo. Mesmo para alguém mais instruído, é difícil explicar que a nossa relação com a sacanagem é um paradoxo. Para isto é preciso lembrar que antes das invasões portuguesas e espanholas, os nativos tinham o sexo como uma coisa natural e isto só mudou com a imposição do catolicismo. Somos uma cultura plural, mas com um denominador comum: o Brasil é um país extremamente crente e ainda encara o sexo de uma forma fetichista. Acho, por exemplo, que uma francesa é muito mais livre de expressar sua sexualidade do que uma brasileira, e isto deve-se porque a primeira mora em um país com menos interferência religiosa e machista do que a outra. Foram necessários séculos para que as francesas pudessem usufruir deste direito e infelizmente as minhas compatriotas ainda tem um caminho longo pela frente.
As brasileiras ainda se revolvem na dicotomia santa e puta, onde puta é a mulher que tem sexo com quem quiser e com a frequência que quiser e santa é aquela que faz tudo isto, mas na surdina. Os gringos olham as passistas semi-nuas e fazem um filme erótico em suas cabeças, acreditam que lidamos bem com a nossa sexualidade tão e simplesmente porque a expomos. O Brasil não é para principiantes, já dizia Tom Jobim. O corpo que está descoberto pode muito bem abrigar o pudor e isto não se trata apenas um jogo de palavras, pois sabemos que ao contrario do que pensavam, há pecado debaixo da linha do Equador.
Depois de um tempo comecei a pegar implicância com uma música que dizia "nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda". Afinal se a idéia é combater os estereótipos e moralismos, faz sentido ao invés de questioná-los, darmos mais força apenas nos deixando de fora? Tipo nem todo baiano é preguiçoso, nem todo alemão é nazista, nem todo pobre é ladrão? Coisa mais tosca.
A sexualidade brasileira é como aquela historia de pôr só a cabecinha, é a vitrine do proibido passando em horários familiares, inclusive em programas infantis. A malícia convivendo inocentemente em trocadilhos como aquele jogado ao casal que namorava pelo atendente da lanchonete: vai comer aqui ou quer que embrulhe para viagem?
Ademais, o brasileiro é um libertino extremamente conservador. Existe uma lógica que só quem nasceu lá consegue entender: pau que nasce torto nunca se endireita, menina que requebra, a mãe pega na cabeça. É francesada, não esqueçam de segurar o tchan, e amarrar o tchan quando pensarem que o Brasil é um país bem resolvido sexualmente, quando na verdade andamos mais pela adolescência punheteira, morrendo de medo que nos cresçam pêlos nas mãos.
* Olé olé; Expressão francesa para a nossa boa e velha sacanagem
Parece uma novela de Nelson Rodrigues, mas não é. Um corno sustentava as mãos ensanguentadas por ter quebrado os vidros do carro do amante. O cenário: a saída do motel. O amigo do corno filma e põe lenha na fogueira, xingamentos são ouvidos. O corno se descontrola, arranca a mulher do carro. O amante se acovarda dentro dele. Seria uma história constrangedora se restasse em bocas conhecidas e provavelmente se restringisse apenas à cidade em que ocorreu. Isto se o corno não resolvesse em um rompante de vingança, espalhar internet à fora sua tragédia.
Sabemos que a tecnologia tem levado a uma super exposição da vida particular, tornando cada vez mais difuso distinguir o público do privado, contudo, os momentos partilhados são geralmente os positivos para aquele que se expõe, em detrimento dos negativos. É o chamado marketing pessoal, onde o parecer se sobrepõe ao ser. No entanto, este homem preferiu passar sua humilhação adiante porque sabia que mais importante do que o corno e mesmo que o amante, está a adúltera, a puta.
Milhares de memes, de contas falsas em redes sociais foram feitas em nome da moça, somadas a milhares de xingamentos e ameaças. Tudo gente muito fina, cristã na maior parte das vezes e que nunca traiu. Não consigo imaginar onde este moralismo todo vai se esconder no próximo carnaval. É que é muita perfeição neste Brasil véio. Vai faltar óleo de peroba para passar na cara de tanta gente!
Ele me disse que às vezes sentia falta de ser "cuidado". Naquelas ocasiões deitava-se na banheira enquanto a esposa lhe pavoneava: um homem de mais de quarenta anos. Falava naturalmente com a certeza de que todos passamos por momentos assim, que em um casamento ou mesmo em qualquer relação, trocamos papéis, filho, mãe, pai, irmão, amante... E hoje acordei sentindo esta falta, ou melhor, verbalizando-a porque faz tempo que sinto necessidade de ser cuidada. Sou só eu a tratar das coisas, eu sou a única pessoa com quem posso contar agora. Cansa.
Minha única resolução para 2016 é fazer uma lua-de-mel no ano que completamos dez anos de casado. A minha primeira lua-de-mel. Obviamente sem o Fabian, e se possível em um hotel childfree. Quero ser cuidada e quero cuidar dele como fazíamos nos primeiros anos de casados.
"Sem filhos, casal cria um urso de pelúcia como criança". E para quem já achava um porre fotos de animais sendo tratados como filhos, até com a legenda fofuxa e abebezada, imagine os amigos deste casal hahaha!
Da para pular a parte do ano novo e ir direto para o dia em que a gente vai rir disto em uma cabana nas Maldivas?
Não tenho escondido de ninguém, de fato tenho inclusive feito questão de dizer que este final de ano vamos passar somente eu e o Fabian em casa. As pessoas se esquivam com um sorrisinho cretino no canto da boca, ah , mas ao menos ele vem para o natal. Verdade, já é uma coisa. E que mania a minha de querer ter a família reunida ou pelo menos, a pessoa mais importante da minha vida ao meu lado à espera da contagem para a meia noite! Eu sei que nada muda no dia primeiro, que tudo estará como deixamos antes, junto com as taças vazias de champagne sobre a mesa. Mas é a magia do momento, é o fechamento simbólico de um ciclo, onde teoricamente deixamos as tristezas para trás e nos renovamos de esperança e forças para o ano seguinte. E eu ainda não me decidi o que vou fazer, se eu faço de conta que é um dia como qualquer outro, ponho o Fabian para dormir cedo e vejo um filme no netflix ou se me abalo até a praça Bonaparte para assistirmos a queima dos fogos. Vai depender do tempo e do meu humor, coisa que só vou saber no dia.
Tenho de parar de imaginar o mundo à minha medida, esperar ser convidada numa destas para não passar sozinha, isto não vai acontecer pelos vistos. Muito provavelmente eu até dissesse não, obrigada, mas isto acalentaria a ideia de que fiquei sozinha por escolha. De qualquer forma, acho que vou de Celine Dion à meia noite, bem alto que é para causar algum remorso neste iceberg que os franceses tem no canto esquerdo do peito. Não me tomam por rainha do drama à toa, não é mesmo?
Mãezinhas são todas iguais, mesmo quando dizem que não são, que são contra esta cobrança exagerada das escolas e do ensino que exige que saibam contar e escrever aos cinco anos. São contra quando seus filhos não tem as mesmas habilidades das outras crianças, mas quando se destacam ou quando estão um pouco mais "adiantados", fazem questão de mostrar. Mãezinhas, vão se catar. Não é porque andam, falam e agora contam, escrevem mais cedo que os outros que tem um superdotado em casa, desculpa em dizer.
Ajeitava o cabelo milimetricamente bagunçado de gel. Um topete que formava uma onda prestes a estourar lhe acrescentava mais de quinze centímetros de altura. Como se precisasse. Ele deve ter mais de um metro e noventa, mas ainda não teve tempo de desenvolver carne, o corpo estivera apenas ocupado a fazer crescer os ossos esquecendo-se do resto. Usava uma calça jeans justa, destas que uns anos atrás era considerada feminina, mas que hoje todos os jovens descolados tem. O casaco aberto em desafio mostrava que vestia apenas uma camiseta branca por baixo, muito provavelmente de manga curta. Sentir frio nessa idade é secundário, claro.
Ao se ver observado, parou por instantes de ajeitar os fios de cabelo endurecidos, deu uma ultima olhada no espelho e saiu deixando um rastro de perfume masculino no hall do prédio. Abri a porta para que passasse e fiquei olhando até a sua figura esguia e desengonçada se esgueirar pela esquina. Realmente há gente que é tão caricatural que parece saída de algum livro ou filme...
Aqui o rescaldo dos atentados nos deixou a decisão que acredito não terá volta, de não deixar mais os pais entrarem na escola. Toda saída é aquele amontoado de gente no portão, a diretora se esgoelando para ser ouvida, bafo no cangote, uns atropelando os outros para que seu filho seja chamado primeiro. Esta semana as crianças cantaram musicas de natal, iam fazer uma apresentação, no entanto foram filmados e pediram que levássemos um pen drive para gravarem. Confesso que acho uma medida tola, não acredito que aqui tão longe e numa cidade sem qualquer destaque possa se tornar alvo do que quer que seja. Mas é dessa forma que o terrorismo vence, através do medo que aos poucos se transforma em paranóia. Engraçado notar que na escola de uma amiga muito mais perto de Paris, estas medidas não foram tomadas, enfim...
vulgo "centro-peito", é a melhor pedida se eu quisesse sair por ai desfilando uma linda barriga de sapo. Estas calças não ficam bem a ninguém, talvez àquelas modelos muito magras, mas eu não dei altas risadas à custa de fotos familiares para depois porque dizem ser moda, voltar a usa-las (graças que inventaram as calças centropê eu tinha 12 anos). Quando elas chegaram eu disse que nunca mais me enfiaria naquela coisa que eu já achava feia. E vendo as lojas on line, percebi que as skinny finalmente perderam o reinado, embora existam em boca de sino, não há sequer uma opção de cintura baixa ou mesmo média. Assim se fazem escravos da moda...No meu caso, isto só me faz conservar as roupas que tenho há mais de dez anos no armário.
Não me parece, pelo menos no que diz respeito às amizades do Fabian. Em Schiltigheim tínhamos o Alperen e aqui temos o Evan, tão agitado quanto o meu filho. Quem dera se a física estivesse certa, mas o que acontece é algo próximo à explosão. E não exagero, a professora já os proibiu de sentarem juntos na aula e inclusive de brincarem no pátio. E eu achava que era mais uma das invenções que ele conta...
Ontem chamei o amigo para passar a tarde aqui em casa, para que né? Onde eu andava com a cabeça? Pensei que a qualquer momento me batia à porta um vizinho para mandar eles ficarem quietos. A mãe do menino esteve um pouco de conversa e descobrimos muitos fatos em comum, principalmente a sensata decisão de que não teremos mais filhos. O Evan também foi um bebe exigente e só fez noites completas à partir dos quatro anos, como o Fabian. Ela também teve depressão pós parto, também tem pouca paciência e regula de idade comigo. As vezes me pergunto sobre o que veio primeiro; se o Fabian é uma criança difícil porque me decepcionei com a maternidade ou me decepcionei com a maternidade porque ele é uma criança difícil? E não tenho resposta, tal qual a historia da galinha e do ovo. Ainda acho que tudo começou em uma placa de petry com um espermatozóide que nadava tanto, mas tanto, que o biólogo achou que era boa ideia escolher aquele ali...
Não posso dar a chance para a revolta porque sei que se abro as comportas ela vem e me atropela. Ao invés disto tenho adotado a formula do "era para ser assim", é como tenho apaziguado este meu flerte com o desespero de estar sozinha outra vez.
O marido diz que a cidade é feia, fica a duas horas do mar, isto para mim já tira a maior parte do encanto de qualquer uma. Mas Toulouse é uma cidade grande e os transportes funcionam bem melhor do que aqui.
O Fabian pergunta a cada duas horas se o pai já vem e quando o pai vai nos buscar para morar na nova casa. Respondo-lhe que ainda demora "tantos dia" e que primeiro ele vem para o Natal para nos visitar. Tudo outra vez...e de novo tenho aquela pista como o sonho que tive com a foto do nosso quarto antes de nos mudarmos, uma foto em uma sugestão de viagem. Uma cidade medieval a uma hora de trem de Toulouse, e a 15 minutos de uma praia fluvial. Se as coisas correrem como o esperado Carcassonne será o nosso novo destino.