Tenho certeza de que podem me apontar tantos, mas tantos defeitos neste mundo (chata, egoísta, controladora, ansiosa...filha única: guess what?), mas nunca terão razão em me chamar de hipócrita. Ah isto eu sei que não sou. Aliás, este tem sido quase o meu baluarte para o autoconhecimento: esmiuçar e admitir coisas não tão agradáveis para eu mesma, bem-vindos ao meu mundo! Então o post que mais bafafá deu é o "odeio ser mãe" e já expliquei algumas vezes o porquê sinto-me assim, mas tenho ainda algumas considerações por fazer. Já que as pessoas acham-se no direito de cagar regras no que eu devo sentir, eu sinto-me com a liberdade de falar sobre a maternidade alheia, porque não?
Em primeiro lugar, claro que não somos todas iguais, mas o que parece um ponto inquestionável é o de que apesar de sermos diferentes e levarmos vidas igualmente diferentes, temos de sentir o mesmo. Um amor-maior-que-o-mundo, incondicional e avassalador, um amor que faz com que não pensem mais em si em primeiro lugar e dediquem toda a existência para o(s) seu (s) filho(s). Eu acho bom quando este amor chega, e não me importa se ele vem como em forma de plantinha interior (não é assim que dizem que cresce a cada dia?) ou como raspadinha ache três corações e ganhe o seu amor incondicional aqui. Mas é difícil explicar quando ele não chega, é difícil porque ao contrário de parir um filho, não se pode parir um amor. E isto se torna patético de dizer, mas ser uma orgulhosa portadora deste amor materno incondicional não a faz melhor ser humano, não a faz mais tolerante (e é por isto que há moderação de comentários aqui). Assim como o contrário também é verdadeiro, uma pessoa que não consegue inserir-se neste dogma maternal, não é um monstro, bicho papão, comedor de sonhos de criancinhas, e pode inclusive, olha só, ser uma boa pessoa!
Sempre desconfio de pessoas que propagam a todos os cantos como é bom ter filhos, que isto é a melhor coisa que poderia acontecer com uma mulher e digo isto porque? Porque geralmente esta mãe é uma mãe fim-de-semana, é uma mãe três-horas-dia, é uma mãe que muitas vezes "aluga" o seu filho para creches, babás, avós, etc. Eu não estou dizendo que isto seja péssimo à partida, porque tempo para nós é uma coisa que todas precisamos, mas o que me refiro é terem a audácia do discurso de mãe do ano com quem abdica quase 100% do seu tempo para o filho. A minha vida é dedicada, não voluntariamente, ao Fabian. Não temos quase nenhuma vida de casal a menos que se conte o intervalo (pequeno, diga-se de passagem) entre "ele dormiu!" até nós mesmos irmos dormir. Não há avós, não há amigos, não há família nenhuma que fique com ele...somos apenas nós dois. Sempre. Como os franceses gostam de dizer: 7 sur 7 jours. E isto cansa. As crianças moem o juízo, sugam as energias e a vida muitas vezes fica um inferno.
Vou ser mazinha agora, mas este amor incondicional me parece tão ligado à condições que chega a roçar a hipocrisia. Porque na época que pude ter algum tempo para mim, cheguei a aceitar minha nova condição como mãe-prisioneira, mas só a partir do momento em que consegui um regime aberto. Ou seja, é muito fácil amar tendo escapadinhas a dois a cada mês, ou poder deixar uma vez por semana ou mais o filho com os avós para um jantar, um cinema, ou simplesmente para ficar no sofá a ver séries sem ser interrompidos 741112222 de vezes. É fácil ser mãe podendo dividir o tempo entre a família alargada que aliás é o que acontece em muitas culturas, nas quais todos tem sua parcela de responsabilidade por aquela criança. Além de fácil é bom se valer do apoio de terceiros mesmo que tenhamos que pagar, e está tão corriqueiro, que uma ex colega do meu marido, o filho não tinha nem nascido e já estava procurando babá para passar a noite com ele. E ninguém disse " não acredito, que tipo de mãe é esta?". Pergunto-me se estas mães tivessem todo o seu tempo ocupado com o rebento, tendo por consequência, zero para ela, será que não iam repensar estes julgamentos e inclusive este adjetivo por trás do seu amor? Será que existe vida depois da maternidade? É porque é a isto que muitas vezes resume-se esta falta de empatia para com esta filosofia de vida.
Para além disto, irrito-me com quem vem soltar "mas na hora de fazer foi bom", " se tivesse fechado as pernas", "se tivesse usado camisinha", etc. Porque não se trata muitas vezes de surpresa, muitas tiveram filhos planejados e mesmo assim, adivinhem? O amor não chegou. E depois vem aqueles boçais "na minha opinião só deveria ter filho quem está preparado". Ió ió (onomatopeia para burro) para você. Mas e como alguém pode estar preparado para isto além de sei lá, ter uma família estruturada na medida do possível, de ter emprego e situação financeira adequada? Existe algum simulador para futuros pais que eu desconheça? Alguém larga um bebê aqui em casa para ficar um, dois , três meses, digo, meses não, anos, e depois vem buscar para gente saber se é dessa que estamos "preparados"? Não há preparação possível, não há absolutamente nada que nos deixe a par do que é ser mãe e para umas (muitas) isto significa entregar sua liberdade inteirinha sem prazo de validade. E depois, depois vem estas mães de fim-de-semana dizer o que devemos sentir, como somos cruéis e malvadas porque ocupamos tempo com os nossos filhos enquanto estão em um feriado em Paris, em um cruzeiro em Miami ou em um salão fazendo aquelas unhas de gel pavorosas. Amor incondicional é uma ova. Só acredito da boca de quem eu sei que está lá 7 sur 7 jours, fazendo das tripas e do coração paciência. Vai ver isto até é amor.