sábado, 6 de setembro de 2014

Na praça

Ela olhava para as crianças e soltava risadas que mais se assemelhavam a gritos engasgados. Talvez perdidos pelas palavras que queria dizer. Os meninos iam e vinham com seus patinetes de metal, faziam manobras às vezes bem sucedidas, às vezes nem tanto. A pista estava democraticamente dividida com os dois lados em inclinação maior para os meninos grandes e a rampa menos íngrime, assim como um pedaço da plataforma, para os pequenos como o meu filho. A menina, de cadeira de rodas e mãos tortas, observava incontida eles girarem à sua volta, balançava levemente os braços e fazia menção de subir na pequena rampa. Uma hora ela foi. Colocou as mãos em forma de concha pelo pegador das rodas e as movimentou naquela direção. As crianças pequenas pararam. Os adultos observavam sua determinação e os adolescentes seguiam fazendo o que já faziam há pelo menos uma hora desde que eu tinha chegado na praça da Mairie. Ela tentou. Empurrava com esforço. Já sabia o gosto da sensação de descer semi-selvagemente pelas mãos do pai ou que quer que seja. Ela havia deslizado de costas e rira tão alto como alguém que ganhara na loteria. As rodas subiram meio palmo e não mais. O Fabian parou por instantes, mas depois desviou para descer nas pontas dos pés em sua bicicleta sem pedais. Os adultos começaram a ficar preocupados, até que o senhor veio de um banco e lhe pôs quase rampa toda para trás. Ela foi e voltou meia dúzia de vezes, sempre rindo em gritos, gritos que me sacolejavam por dentro e me davam vontade de rir também. Na última vez a cadeira rodopiou por milésimos de segundo e emborcou para o lado. Prendi a respiração, mas ela estava presa por um colete preto e só ria ainda mais alto. Desta vez eu ri junto, gargalhei, não sei se de alívio ou de vergonha. Dizem que uma das coisas que as pessoas com deficiência mais detestam é que lhes sintam pena. Então mas e como faz se este é o primeiro pensamento que nos vem e que paira ali como se fizesse fundo em toda a cena? Ignorando a tudo, ela ria. Ria. E continuava a rir. De mim ou dos meus preconceitos...que importa? Ela ria.

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