quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Vida de emigrante

Com sete anos vivendo fora do Brasil, eu já não me deslumbro com isto. Pelo contrário, às vezes fico muito sem graça quando alguém diz com aquela pompa que moro na Europa. Ah péra, to recebendo um telefonema da França! Antes eu confesso, logo que tornei-me emigrante que sentia lá no fundo uma ponta de orgulho, um orgulho absurdo e bem escondido, pois nem eu mesma sabia o que faria com ele. Afinal, orgulho de que mesmo? Não sou um ser especial só porque vivo fora do meu país. E por acaso nem é a mim que concedem este título, mas é me  transmitido pela crença de que "nas Europa" vive gente educada, sim, muito honesta, onde tudo é lindo, muito bom.  E por convivência, esta civilidade seria me passada através de uma espécie de osmose cultural ou coisa que o valha. 
Eu já deixei-me disto no momento em que pus os pés em Portugal, e creio não ter levado um ano para livrar-me completamente desta síndrome de vira-lata que acomete quase todo o brasileiro, inclusive aqueles que moram fora do Brasil. E o antídoto é de graça, e não dói. Ao menos a mim não doeu (tanto).
Para aqueles que sonham deslumbrados com o país das maravilhas, só recomendo-lhes aquela música do Titãs: "quem espera que a vida seja feita de ilusão, pode até ficar maluco ou morrer na solidão". Não há perfeição aqui fora, há pessoas de todos os tipos: educadas, mal educadas, que só querem se dar bem, e pelo amor do meu saco de paciência, o jeitinho "brasileiro" é universal. E muitas, muitas vezes as pessoas só não fazem mais, não porque sejam moralmente superiores, mas porque há um tácito acordo de entre-vigias. Se eu não posso, fulano também não pode, porque se fulano fizer e não der nada, eu vou atrás. 
Depois de um ano na França, descobri que para ser mal educado é só preciso falar "pardon", que funciona como um passaporte dando-me o direito inclusive, de tirar as pessoas do lugar que ocupam para eu sentar. Não, eu ainda não me utilizei dele, mas já fui confrontada com esta atitude mais vezes do que gostaria. E ontem foi o estopim, quando uma mulher de quase 200 quilos passou-me à frente na fila para pegar o seu filho na mesma sala, e quando eu suspirei, ela desatou a xingar-me para toda a escola ouvir. Ai de mim que não respeitei o código do "pardon", minhas desculpas, senhora, por não tê-la deixado ser mal educada em paz...
Depois quando escuto algum brasileiro a falar só maravilhas do exterior, eu  penso silenciosamente, "coitado...se ficar mais tempo ainda vai ver-se nu desta ingenuidade toda". E vai doer mais nele do que doeu em mim.


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