domingo, 21 de setembro de 2014

Parede indiscreta



Não tem aquele filme Janela Indiscreta em que um cara fica observando os vizinhos até que presencia um assassinato? Pois é. Estava eu aqui bem bela na noite de sábado, já me preparando para assistir um filme, quando escuto vozes exaltadas vindo sei lá de onde. Levanto-me e o primeiro pensamento correu pela janela. Moro em um lugar extremamente calmo e se não fosse pela lanchonete árabe do outro lado da rua, mal se ouviria barulho de carro depois das oito da noite. No entanto, lá estavam os gritos a invadirem minha casa. Abri discretamente o vidro e espiei pelo friso que a janela de madeira permite. Nada, um silêncio só. Tal e qual um cão farejador, põem-se toda e qualquer fofoqueira que se preze, a captar a trilha que levará até vozes abafadas. Não demorei muito para dar com o ouvido na parede crespa do hall de entrada. Eram os meus vizinhos franceses que ao invés que lavarem roupa suja na casa deles, resolveram fazê-lo na escada. E a escada dá para o meu hall. Literalmente não fui eu quem procurei o babado, ele é que veio atrás de mim, entrou pela sala e me convidou a segui-lo. 
Eu nunca tinha escutado a voz da vizinha, a não ser quando ela gemeu e chamou a Deus, sacudindo os móveis certa noite. Mas de verdade que eu não lembrava da voz da alemoa e mesmo que lembrasse, penso que em nada se assemelharia àqueles gritos desvairados, ao choro e aos tapas que, acredito, encontraram qualquer parte do marido rechonchudo. 
E o que mais me intrigava era: o que diabos esta mulher fez com a pessoa calma e polida que eu conhecia de vista? Só escutava uns "merde" "tu es insupportable", "faz onze meses que eu não durmo", esta palavra se repetia já que o casal tem um filho de precisamente onze meses. "Je n'arrive pas à dormir" e bla bla bla, que o presente de aniversário foi uma merda, "nussa", que será que o homem lhe deu? Um aspirador de pó automático? 
Os gritos continuavam cada vez mais altos, enquanto que a voz do homem irritado, porém com algum controle arranjava ora desculpas, ora acusações. E lembrei-me que já não estava traduzindo nada, apenas pensava na possibilidade de ter de ser testemunha de um crime passional, meu Deus, esta mulher vai realmente matar este homem! 
Ficaram ainda meia hora a discutir, até que os ânimos se aquietaram e pude finalmente ver o meu filme com certa melancolia de não estar tão bem no francês como eu julgava. Minhas habilidades estão assim: entender o que o interlocutor fala (check); compreender desenhos animados (check), falar coisas básicas como "onde-fica-o-banheiro" (check); desvendar as discussões dos vizinhos por uma parede grossa com gritos e soluços pelo caminho (no). 
Pelo menos deu para reparar que apesar de toda a politesse, quando o negócio tem que descambar, descamba. A francesa rodou a baiana e lavou a escadaria do Bom Fim de um modo que eu jamais imaginaria. E depois nós os latinos é que levamos a fama!

8 comentários:

  1. Olá, venho há pouco tempo, mas com alguma frequência, ler seu blog. Muito obrigada pela companhia em dias chuvosos como esses.

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  2. Seja bem-vinda Nataly! Espero que goste do cantinho e vá ficando, adoro companhia também :)
    beijinhos

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  3. Quando tem de ser até a mais polida das criaturas consegue partir a liça toda. Sinceramente tenho medo e desconfio de quem nunca, jamais é capaz de bater com o punho na mesa ou dizer um porra.
    bjs

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  4. Sim Nany, concordo! Todos temos o direito de explodir, eu e o marido já tivemos algumas discussões, mas nunca fiquei descontrolada nem perto do que presenciei. A única vez que tive mesmo a ponto de bater em alguém foi com a minha sogra e como me custou segurar a mão, só eu sei...
    beijinhos

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  5. Ameiiii seu blog! Descobri através do site da Lola. Já li vários textos. Beijo grande! Vou voltar sempre Rafa

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  6. Obrigada Rafa! Seja bem-vinda ;)
    Beijinhos

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  7. Olá!

    Descontrole emocional total, heim? Rsrs. Sou o tipo de pessoa que tem que estar muito nervosa para sequer levantar a voz... Comigo, viver aos berros não se cria, mesmo.

    Parabéns pelo blog, conheci pelo da Lola. Beijos!

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  8. Olá Gle! Eu ainda sou assim, mas às vezes ser muito mosca morta (é o meu caso) me deixa com uns tantos sapos na garganta. O difícil é saber que brigas valem a pena entrar. Hehehhe! Na minha terra tem um ditado que fala: dou um boi para não entrar numa briga, mas dou uma boiada para não sair!
    beijinhos

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