quarta-feira, 3 de setembro de 2014

#somostodosracistas

Pois bem, a tia explica meu povo do facebook. Depois de me terem saturado a linha do tempo com tantas fotos, denúncias, pitacos, desaforos e paninhos quentes, resolvi eu abrir a boca, não lá, porque periga me fugirem os amigos todos de uma só vez. 
Para quem não sabe, a histeria coletiva agora é sobre um filme sem som capturado no estádio do arqui-rival do meu time, o Grêmio, de uma moça branca de olhos claros a gritar ma-ca-co. Bem assim, pausadamente. Tão pausadamente que se via o desenho inconfundível que sua boca articulou. Ela e mais um grupo xingavam o goleiro Aranha do Santos, bem atrás do gol. O grêmio perdia em casa por dois a zero e os gritos foram tão insistentes que o jogador pediu para os cinegrafistas filmarem os agressores, mas por um motivo qualquer nada foi divulgado até cair na net como aqueles filmes de celular que se espalham feito pragas e explodir em indignações. Foi no calor do momento, disseram uns. Aihnn mas somos todos macacos, dizia a loira magra. Alguém por sua vez levantou a bandeira do humanismo e outros gritaram virtualmente "racista", criticando a sociedade, as torcidas organizadas e tudo, tudo.
Minha gente, nós brancos somos todos racistas. - Pausa para o choque. - Porque racismo é estrutural, é uma coisa que não se escolhe, simplesmente se é. Vivemos em um sistema racista e que automaticamente por nossa branquitude nos dá privilégios, por isto não se trata de uma escolha, a menos que tenhamos a decência de sermos racistas em desconstrução. 
Este sistema racista, o qual nos reveste cada poro,  impede ao máximo a ascensão econômica da etnia negra, a auto-estima, a educação, a liberdade de crenças religiosas, etc. Basta apenas correr os olhos pelas profissões com maior retorno financeiro e lembrar quantas vezes fomos atendidos por médicos negros e depois quantos são os que nos recolhem o lixo, nos varrem a rua, nos entregam o gás ou nos faxinam a casa. É só reparar que tipo de papéis em novelas eles desempenham, é só olhar para as bonecas enfileiradas nas lojas, para as Barbies em 50 tons de loiro e com apenas uma amiga negra (ainda por cima de cabelo liso). É só olhar para a nossa história e relembrar que o incentivo à imigração de alemães, italianos, chineses, foram além dos motivos econômicos, uma questão de embranquecimento da população brasileira, que ainda assim, segue sendo em sua maioria  "parda", negra e indígena. 
Não vou nem falar das piadas. E dos ditos populares tais como "isto é coisa de negão", "nego só faz merda mesmo". Porque as mesmas pessoas que agitam os dedos apontando racismo, são as que abrem a boca para falar isto. Ah mas é só brincadeira, eu não estava falando sério! 
As pessoas acham que racista é aquele cara que um dia acorda e diz: hoje me deu uma vontade de tacar um pau num nego! Não é. Dizer que a coleguinha tem que alisar o cabelo ruim  para ficar mais bonita, é racismo. Pensar isto também. Aliás, falando em padrão de beleza, onde será mesmo que anda o negro nisto? Quantas modelos negras nas capas de revista? E quantas as  poucas atrizes inclusive estrangeiras que não tenham ainda passado por cirurgias para afinar o nariz, pintar o cabelo de loiro, alisar, tomar menos sol, etc. Veio-me agora na cabeça o chorume que foi a Lupita ter ganho de uma revista o título de mulher mais bonita do mundo. Quantas vozes se mostraram contra, alegando nada ter a ver com racismo e sim com gostos pessoais? E o que são os gostos "pessoais" senão imposições culturais, diga-se mais uma vez, de uma cultura racista? 
A hegemonia do belo como sendo o branco, principalmente o combo: branco, loiro, alto, magro de olhos azuis ou verdes. Coisa que mais me irrita é dizer que tal criança/mulher/rapaz é lindíssima/o e vai-se a ver é só porque tem os cabelos claros e olhos azuis, não há nada de especial em seus traços físicos analisando friamente, assim como me irrita a admiração desmedida principalmente por uma criança negra ostentar olhos claros ( que muitas vezes não passam de photoshop). Acompanhado daquela famosa frase: partilhe se você não tem preconceito. Gente, simplesmente parem! Tá ridículo. Vamos por a mão, as pernas, a cabeça principalmente, na consciência e parar de apontar o dedinho cheio de merda para o outro. Não pensem que só porque vocês não gritaram macaco são as grandes sapiências humanitárias, tipo dando uma de benfeitor de escravos, sinházinhas e sinhôzinhos indignados porque afinal de contas, vocês tem até amigos negros, né? Vocês até já namoraram um. Seus bisavós por parte de mãe eram negros... Parem de rodeio e repensem seus privilégios por serem brancos. Pensem que estudaram todos em colégio particular, que entre vocês e um negro quem tem mais chance de ser contratado são vocês, que é sem noção usar camiseta "orgulho branco", que a mulher negra é hipersexualizada, tida como quente e que só serve para casos e nunca para compromisso, comecem por estas frases automáticas que a gente tem vergonha de gritar em um estádio, que vocês chegam lá.

4 comentários:

  1. Retratou com maestria o preconceito nosso de cada dia.

    Como diria Kabengelê, "o racismo no Brasil é uma obra de engenharia".

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  2. Zrs, falei do que conheço mais, mas não podemos pensar que aqui fora seja muito diferente...
    Beijinhos

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  3. Se quiser, esteja à vontade hehehe! Eu é que conheço bem os amigos que tenho e acho que ia ficar falando com as paredes.
    beijinhos

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