sexta-feira, 8 de março de 2013

Vamos falar de racismo?

Lázaro Ramos - o primeiro galã negro da Globo
Acho que é dos temas mais incômodos de se refletir. Afinal eu sou racista? Todos somos subliminarmente racistas? Até que ponto o racismo está tão incrustrado em nossa cultura a ponto de acharmos normais certo tipos de pensamento e linguagem? Eu como toda gente de bem, achava que não era racista. Deus me livre! Quê isto, somos todos iguais, porque discriminar alguém pelo tom da pele, que absurdo! Meu padrinho é negro. A minha melhor amiga é negra. Já tive outros amigos negros. Falando a verdade, eu acho negro bonito e negra também. Não sou daquelas de levantar quando outro senta, de não falar com a pessoa porque ela tem a cor escura. E no entanto já dei por mim a ter medo quando um grupo de jovens negros passava perto. E se fossem brancos teria o mesmo medo?
Tem gente que não se acha racista (como eu), mas quando se refere a alguém afro-descendente (termo politicamente correto) é sempre com um: ah o namorado dela, aquele negrinho. Como se o fato de usar o diminutivo impedisse revelar o preconceito. E quantas vezes disse e ouvi dizer: aquela mulher negra é bonita. Ou ela é negra, mas é bonita. Ou ainda: aquele negro (ou carinhosamente apelidado de negão) é o meu melhor amigo. Se fosse branco falaríamos sempre da cor? E porque ser branco é normal ou mais comum e ser negro não? É preciso quase sempre especificar-se que o fulano é de cor negra e porque?
Historicamente não negamos que algumas tribos africanas vieram cá dar com os costados trazidas por comerciantes portugueses, a princípio a mando dos que aqui viviam e mais tarde, encomendadas aos ricos fazendeiros brasileiros. Esta etnia vinda de fora, importada como mão de obra, como se de boi se tratassem, incorporou-se em nossa sociedade, trazendo também as suas crenças e visão de mundo. Tanto eram vistos como animais por muito além do fim da escravidão, que ainda no tempo da minha avó se dizia que fulano era bom, era um "negro de alma branca". É uma evolução porque durante muito tempo acreditou-se que negro não tinha alma.
Tá mas e hoje, como se identificam os negros do Brasil? Eu achava a pura da loucura a minha amiga referir-se em termos de identidade como afro-descendente. Então para mim fazia sentido se ela fosse filha de Angolanos e ainda cultivasse a forma de falar, a gastronomia, o candomblé. Mas sua herança africana se encontrava a anos luz de distância tanto quanto a minha herança portuguesa. Não entendia, a princípio, porque fazia tanta questão de se identificar com a África, em si um continente visto antes como país, como unicidade étnica, o que não é real.  E não entendia porque não era julgada a todo momento por ter um cabelo pixaim, por ser lembrada a todo o momento da minha cor (branca, branca, branquinha, transparente). E se é delicado encontrar um termo a que não se ofenda uma pessoa, que tal, termo nenhum? E porque dá-nos a sensação de que falta algo? 
A minha amiga identificava-se com a sua herança africana porque apesar do Brasil ser um país mestiço, negava sorrateiramente sua herança negra (assim como nega a índia). Porque para ela não havia um lugar digno no imaginário brasileiro, porque a ela eram fechadas portas em um anúncio que dizia exigir "boa aparência". Porque a ela ainda hoje é negada cerca de 20%  do salário comparado com uma pessoa branca. Talvez me parecesse que ela buscava sua mãe africana, pois a brasileira era carrasca, era madrasta a não lhe dar as mesmas oportunidades. E é verdade que apesar disto, minha amiga continuou órfã, desistiu e foi ser socióloga. Hoje dedica-se a causa ambiental ao invés do estudo africano.
E o Brasil? Só há três anos atrás em toda a tv brasileira houve um negro protagonista na novela e ainda mais peculiar: galã. Tiraram o negro da cozinha ou da direção de limosine ou da cadeia e o colocaram como patrão. Causou estranheza assim como causa aqueles filmes americanos em que todos os atores são negros e em que um ou outro branco faz papel secundário (o inverso do que acontece regularmente). 
O racismo deixou marcas mais profundas que a servidão, desde sempre os negros foram tratados de forma inferior aqui e nos países que os receberam como escravos. Arrisco-me a dizer que o racismo nunca esteve tão reprimido e por isto não deixou de existir, nem deixará enquanto não questionarmos o que está por trás do preconceito. Há tempos circulou um vídeo do Morgan Freeman falando sobre o dia da consciência negra. Para ele não devia ter um dia, que se deixasse de falar sobre isto que era talvez pelo próprio dia que lembravam o porque de serem diferentes. E eles não queriam estimular a diferença, eles queriam ser iguais e portanto para deixar de haver racismo, bastaria que não se falasse nisto. Eu discordo, porque apesar de democraticamente sermos todos iguais, os negros não o são. E não são porque? Porque a maioria da população pobre é negra ou parda, porque a maioria dos que tem sub empregos são negros, porque o acesso ao ensino superior é difícil, porque ainda não lhes permitimos status igualitário. Nem na nossa cabeça. Porque fica muito fácil escondermos nossos preconceitos e jogá-los à sociedade, como se não fossemos parte desta, chamando-a de racista, classista, sei mais o que. Acho que enquanto não falarmos e não admitirmos nossa cota nesta sociedade , estaremos como o outro, tão bons como "negro de alma branca". 

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