quarta-feira, 11 de junho de 2014

Karma



Até me tornar uma menina comportada e calma eu era um bebê como qualquer outro: completamente sem noção. Engatinhava na praia e saía a morder os dedões das mulheres que tomavam sol estendidas em toalhas gigantes. Puxava o cabelo de qualquer um que se aproximasse só porque sim. E ficava hirta e séria a esperar que a minha mãe tirasse um por um dos meus dedos para libertar a minha vítima. Pois, o karma.... mal sabia eu ao entrar no ônibus em plena tarde com um vestido curto de verão e uma sacola de ginástica pesada como uma sacola de ginástica. Passei o cartão, dei bonjour ao motorista. Fui  indo em direção ao fundo, quando um bebê sentado em seu carrinho olhava para mim. Lembro de ter pensado que era muito feio e talvez à laia de destino, o karma me acertou em cheio quando apenas senti que o vestido não mais me tapava as pernas e estava com a bunda de fora. O bebê feio havia me puxado a roupa e só tive tempo quando já era tarde demais. Sentei ainda com os passageiros que iam na contra-marcha a rirem-se: um pai gordo e seu filho esmirrado, duas mulheres masculinizadas e a cara da mãe que entre riso e vergonha me pediu desculpas. Esbocei um meio sorriso como quem prova do próprio veneno. Não senti vergonha, nem raiva. A única coisa que me passava pela cabeça era qual calcinha eu tinha vestido. Não lembrava de jeito nenhum. E o bebê lá continuava a chacoalhar braços e pernas em uma alegria audível, desconhecendo por certo que daqui uns anos vai ser ele no meu lugar. 

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