A minha tia tinha uma cocota, não lembro como e quando e porque foi lá parar, mas apenas lembro de estar onipresente lá na sua enorme gaiola, invariavelmente rodeada de cocô. A minha vó tinha raiva da caturrita tanto quanto tinha raiva de cozinhar. Imagino que devia ser o descalabro chegar sempre do trabalho todos os dias e fazer a coisa que mais se detesta, no meu caso é passar camisas de homem, mas isto eu posso fazer uma ou duas vezes na semana. Enfim, minha vó chegava muito estressada e a cocota adivinhava-lhe o humor e começava a gritar lá do quartinho da empregada. Um parênteses para o apartamento em que eles moraram por vinte anos, um enorme imóvel de três quartos, estranhamente com uma sala pequena, uma cozinha idem que descambava em um corredor-área-de-serviço (com a máquina dançante da vó) e depois em um minúsculo, estreito e sem janelas, quarto de empregada. No fim dele ainda tinha uma peça mais diminuta ainda com um vaso sanitário: pior resquício de escravidão legal não há. Mas de fato aquela peça nunca serviu para outros propósitos senão albergar todas as tralhas que uma família numerosa vai juntando, as garrafas de vinho rasca e a bicicleta dos anos 70 do meu vô. E claro, a cocota. Fecha parênteses.
Lembro da vó gritar: Nyne, vai lá e faz esta porcaria ficar quieta!! Achavam que eu tinha um dom apaziguador no bicho, mas eu sempre achei que ela só gritava porque se sentia só, e começava a contar-lhe histórias a que ela atenciosamente encurvava a cabeça para um lado e para outro, em contemplação.
Houve um tempo em que tentamos fazer com que ela "falasse" coisas como bom dia, olá, tchau. Mas curiosamente as únicas palavras que ela repetia eram: cala a boca e filho da puta. Captadas pelo meu educado avô. Lembro outra vez quando ela botou um ovo, fiquei muito feliz a imaginar o filhotinho que iria nascer dali. A minha tia pegou o ovo e colocou-o em uma tampa de garrafa, daquelas de lata, dentro do armário. Dias depois, o ovo quebrou e fiquei muito magoada com ela, fazendo-me de surda às explicações de que seria impossível uma ave conceber sozinha.
A cocota morreu um par de anos depois, estávamos na praia, foi encontrada já sem vida em sua gaiola cheia de cocô. Penso que até a vó disfarçou-se em tristeza, eu acho que chorei, engraçado a mente pregar-nos peças destas, já não lembro se chorei ou se queria chorar quando enterraram seu corpo pequenino sob a areia. Quieto, inerte. Um silêncio a que demorei para me acostumar, pois não havia mais com quem dividir as minhas histórias. Pelo menos morreu longe daquele quartinho e do medo de um dia misturar-se ao abandono relegado àquelas coisas que deixamos assentar o pó.
Li alguns de seus textos e amei...
ResponderExcluirLi alguns de seus textos e amei...
ResponderExcluirOlá Dani! Seja bem-vinda ao blog! Fico feliz que tenha gostado :)
ResponderExcluirBeijinhos
Uma dica pra facilitar passar camisas, quando lava las a maquina, nao centrifugue, pedure-as so retirando o excesso de agua e quando secar vao estar mais faceis de passar. Nao sei o espaço que tens na casa rs
ResponderExcluirBoa dica Caroline! Eu geralmente deixo secar na janela, mas isto só nestes dias de calor, porque daqui a pouco vem o frio de novo e a única forma de secar é na máquina :/
ResponderExcluirBeijinhos