quinta-feira, 29 de maio de 2014

Fabionices

O pai lendo o livro das letras:

- Fabian, "A" de...?

- Belha!

Feriado

A gente percebe que já está um pouco adaptado com a cidade quando começa a ter fobia de turista. E o sentimento se impregna tanto nas ventas que chego a entender os parisienses que os tem em maior proporção. Então quando se passa pelas ruas estreitas do centro e tem de se desviar da excursão de alemães na terceira idade com seus passos miudinhos e sem pressa, ainda mais miudinhos e sem pressa quando avistam a carroça do sorvete coincidentemente ali atrolhando a rua, ou sacando das lentes enormes para tirar uma foto dos prédios velhos de janelas desproporcionais. 
Hoje é feriado na França, mas tal como nos domingos em que os shoppings tem as portas completamente fechadas (e não apenas a praça de alimentação em funcionamento), só nos resta caminhar sem rumo pela cidade. Colocamos o Fabian no carrinho e fomos por umas duas horas, sem esquecer de parar no sorvete de sempre, em  que a menina que atende já nos recebe com um "bom dia" com sotaque francês. 
Quando já estávamos voltando, as previsões do marido que desde ontem olhava para as nuvens roxas e sentenciava que ia chover, finalmente se concretizaram bem no meio do nada. Podíamos ter pego o tram há dez minutos atrás, mas de qualquer forma ainda teríamos da nossa estação uma boa pernada sob a chuva torrencial. E por falar em chuva: caía em pingos grossos e a luz  refletida do por do sol dava a impressão de que tudo estava em câmera lenta.  A vida deve ser mesmo esta mistura agridoce, este encher-nos de frio e ao mesmo tempo nos trazer o melhor perfume da primavera, o cheiro de terra molhada. Os últimos minutos foram a imaginar o café quente a descer, a roupa macia e seca a nos envolver o corpo, mas principalmente eu a tirar a sandália que me massacrava os calcanhares. E é claro que como toda boa chuva, ela terminou exatamente no momento em que pusemos o pé em casa.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Aprender?



Volta e meia vozes se levantam contra a adultização das crianças e eu dou razão em parte. Não creio que seja benéfico preencher todos os horários mal deixando-lhes tempo para brincar, no entanto fico ao mesmo tempo pasma com a forma inflexível desta outra visão: a que prega um retorno idílico ao que (pensam que) foi a infância paterna. Meu filho estuda em uma turma mista que vai dos três anos aos cinco. Portanto é normal que ele tenha lições de como "desenhar" letras e  números, assim como saber a primeira letra que compõe o seu nome. Não vejo nada de mal nisto, sério. Ele adora "escrever" no quadro que demos a ele e agora tem estado muito feliz a preenchê-lo de quatros por todo lado. Sabe todo o alfabeto francês de cor através das músicas que a professora os ensina e que ele pede para pormos no youtube. Mas não é por ele saber estas e estar aprendendo outras coisas que sua infância não esteja sendo respeitada. Pelo contrário, o estado de sujeira e furos nas calças com que chega em casa, é uma prova de que ele mexe-se, corre, anda de bicicleta,  vai atrás do seu amigo inseparável, and so on.  Esta história de que ah as crianças não devem saber isto ou aquilo, devem apenas brincar eternamente parece-me coisa dita por pais de crianças que não costumam se encaixar neste processo de aprendizagem. E inclusive acredito que há até um pouquinho de ciumeira, pois do contrário o discurso mudava para apregoar a inteligência e o destaque dos seus filhos, não há nenhuma dúvida. 
Na creche que o Fabian frequentava no Brasil, que se baseava nesta linha de pensamento do brincar sem limites, não possuía imagens de animais nas paredes, nem eram-lhes ensinado absolutamente nada a não ser fazer bolos e deixá-los correr (isto para crianças entre três e quatro anos). Não gosto nada destes extremismos porque isto me remete à ideia de que as crianças não tem de aprender, e sei que elas não tem ainda a real necessidade de saber o zoo inteiro, mas é desde pequeno que se estimula a descoberta e daí a importância de se começar por algum lado. Estas pessoas e estas listas tão amplamente divulgadas nas redes sociais, que dizem o que uma criança deve aprender na primeira infância, ou seja apenas brincar e ter tempo com os pais, na minha opinião são tão redutoras quanto a ideologia a que se contrapõem. Não levam em consideração que há crianças que desejam mesmo saber até mais do que lhes é proposto (como é o caso do meu filho quando descobriu as letras) e nem que quando eram os pais crianças também andaram a contornar vogais com linhas e feijões e nem por isto deixaram de ralar joelhos e colecionar roxos pelo corpo.  

Facebookeando


terça-feira, 27 de maio de 2014

Os blerc verdes



A moda da vez são os sucos verdes instagramizados acompanhados de um #bomdia, #começandobem, #projetoverão. Bla bla bla. Aviso aos navegantes que esta sopa crua que alguns ousam chamar de smootthie, meu padrasto já tomava há vinte anos atrás. Lembro que o coitado teve de se submeter a sucos verdes por um mês em uma dieta que os hipsters alimentícios gostam de chamar detox, mas não foi para emagrecer e sim uma tentativa de reverter o processo de um caso de transplante de fígado. Deu certo, tanto que está aí até hoje. Mas foi um mês: manhã, tarde e noite, além de banho de água do mar a que íamos buscar com garrafas de cinco litros para encher a piscina de plástico. Acho que se falassem para ele sobre os tais sucos e que há uns que os tomam de livre e espontânea vontade, ele os chamaria loucos. E vai ver até tem razão. Vão mais é parar de frescura como se tivessem inventado a roda!

Férias

Este ano é a primeira vez em quase oito anos  de casamento que o meu marido tira férias, duas semanas corridas em agosto. Aqui há uma lei que obriga os funcionários a tirarem no mínimo estes dias durante o recesso escolar, creio eu para que os pais passem ao menos um pouco de tempo com os filhos. E tenho certeza de que se pudesse, o marido optava por tirá-los em setembro ou mesmo no final do ano, visto que detesta calor e como vamos ficar em casa mesmo...sem praia por perto, ele até tem razão. Uma coisa que não me agrada nada é a possível vinda do meu enteado para cá. Já tinha falado aqui o quanto me desagrada lidar com alguns familiares do Fernando e depois do que aconteceu com a morte do seu padrastro, teria que ter no mínimo cara de pau para me encarar de novo. Eu sei que ele já andou lendo o meu blog, portanto até acho que as coisas seriam mais fáceis se ele entendesse este recado: nossa vida agora é a três. E é como disse a minha outra enteada que sequer reconhece o meu filho como seu irmão, já por muitas vezes colocou-se desta forma, hoje somos uma família completa, o passado está lá atrás, não tenho raiva, mas eu não quero conviver novamente com algumas pessoas. 
Quanto a mim e ao Fabian, as férias estão logo ao virar da esquina, para meu desespero. Nestas horas sinto muitas saudades de Portugal e de viver perto do mar...não sei se tenho paciência para piscinas públicas, enfim.

sábado, 24 de maio de 2014

De todos os vícios...

o marido tinha logo de ficar no America's Got Talent? É que não se aguenta...até ópera ouve. Está ali a cozinhar e o celular no máximo de altura a tocar um Pavarotti anônimo em busca dos seus minutos de fama. Volta para a Candy Crush, please!!

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Sob o véu

Eu contei. Era a única da fileira que não usava nenhum tipo de véu para esconder os cabelos. Todas as mulheres a minha volta estavam com lenços, turbantes e inclusive quatro delas com o traje completo do "não me olhem". Duas moças tinham uma quase burca (que no entanto é a alternativa permitida destes tempos de democracia francesa): o rosto mostrava apenas o necessário, dois olhos, nariz e boca. O queixo e metade da testa se encontravam tapados. Eu confesso, senti-me desconfortável no meu mini vestido e sandálias baixas e creio que o mal estar é recíproco. Como podem duas realidades tão opostas colidirem em olhares de segundos e ao mesmo tempo deixar-nos indiferentes? Ainda não consigo achar natural, quem sabe um dia mude de ideia, mas por ora acho no mínimo desconfortável ver mulheres tapadas dos cabelos aos dedos dos pés. No entanto, a religião muçulmana tem várias nuances proibitivas em relação à mulher, mas já chegaremos lá.
Na primeira vez que falei com Azá, a jovem que lembra-me muito a Liv Tyler quando mais nova, foi em uma aula em que eu estava especialmente de bom humor. Não recordo bem porque assunto começamos, mas conversa vai, conversa vem, acabei por esbarrar inocente em suas saias escuras pelos joelhos. Perguntei se com a chegada do calor ela iria aderir às minis, já que corpo esguio não lhe falta, e ela me disse com um sorriso nos lábios grossos e vermelhos, que não. Não podia. Então porque? A resposta que se seguiu servia para as demais perguntas que fiz: sou muçulmana e meu irmão não deixa. Morava ela, a mãe, a irmã e um irmão mais velho de 22 anos e ele possuía nas mãos todo o seu livre arbítrio. Imagino que o seu e das demais familiares sob o mesmo teto. Só não usava o véu porque ainda era solteira.
Há na minha turma três turcas contando com a mãe do Alparen. Usam roupas ocidentais, calças, camisas e blusas, mas tem um jeito particular de esconder o cabelo. Rodam-no em uma espécie de pano comprido até ficar como aqueles turbantes de faquir. Um dia destes, perguntei a Hafize se ela frequentava as piscinas públicas no verão, pois não imagino o que de mais divertido possa se fazer em uma cidade sem praia, quente como o raio nos dois meses que temos de verão. Ela disse-me que leva os filhos lá, mas não entra, "c'est interdite pour moi". Fez movimentos vagos com seus braços longos ao redor do corpo para dizer que deveria continuar com a mesma roupa que vestia naquele instante. Fiquei sem saber o que dizer, se lamentava ou se concordava, nem sei, mas acho que balancei a cabeça afirmativamente como fazem aqueles médicos que fingem escutar os pacientes.
Obviamente é uma questão cultural a qual estas mulheres estão sendo influenciadas desde que nasceram, mas não pude deixar de sentir (friso) nestes dois casos, uma certa melancolia por não poder fazer o que se quer. E não é uma roupa, uns centímetros a mais de pele à mostra, os responsáveis por este sentimento, mas a impossibilidade de ser dona de seu corpo. Porque é preciso preservar-se de olhares masculinos para seu bem estar e mais: é preciso abster-se de provocar tais olhares para que o outro não seja levado em tentação. Por enquanto acho indissociável este estranhamento entre os meus cabelos soltos e roupas curtas e o turbante de Hafize, as saias nos joelhos de Azá. Na barreira do idioma, muitas vezes cheia de reticências, nossos sorrisos se cruzam em silêncio...fico a pensar que esta é por enquanto a melhor fonte de conexão entre nós.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Fabionices

- Mãe... - Diz o Fabian alisando minha canela.
- Hum.
- Tu não tem barba na perna igual o papai?

Então é assim

Acho que quando Deus manda as crianças aqui para baixo, ele  (poupe-me de todas as maiúsculas, por favor) pensa: esta aqui vai comer bem ou vai dormir bem? E coloca-lhe um carimbo invisível na testa e cai-nos a sorte que tiver de ser. Na minha teoria achológica das coisas, o mundo é dividido entre os bebês e crianças que comem sem dar nenhum trabalho, tudinho, tudinho...desde espinafres na sopa com pedaços até melancia, passando pelos chuchus e beterrabas, terminando nas laranjas ácidas. E depois aqueles que dormem desde nenéns oito, dez, doze (!!) horas seguidas e proporcionam  aos pais, o sono que todo cristão deveria ter. Adivinha onde o Fabian se encaixa? Ah pois é. Faz três noites que não dorme e não deixa dormir. Aliás, deixa aqui eu contar nos dedos quantas vezes podemos dizer que ele dormiu uma noite inteira...hummm teve aquela vez que...não, ele acordou uma vez às 6 horas e isto não é hora decente para ninguém  levantar...e aquela outra vez que...não, ele pediu umas novecentas vezes a chucha para dormir... Não lembro. Sério que não. Vai ver é porque os neurônios comentem suicídio a cada noite interrompida... e são muitas. 
Uma vez li  uma pesquisa que dizia que o sono ido nunca será recuperado, por mais que consigamos por um milagre meter doze ou mais horas no final de semana. E que ao fim da infância, os filhos roubam em média dois anos de sono aos pais (como se estivéssemos nos divertindo na balada este tempo todo).  Agora, vou fazer o esporte preferido das outras mães que é obviamente gabar-me da minha felicidade: quem é que tem um rico filho que come de tudo? E que não precisa brigar, nem fazer aviãozinho, nem prometer a Disney lá para 2020? Ah e que come todas as frutas, é só fazer uni duni tê que ele traça? É bom não é? Porque eu tenho inveja sim senhora, quando dizem aos quatro cantos que aos três meses a criancinha já está fazendo uma noite completa! A estas eu penso maliciosamente: aguardo-as na hora da sopa!! Muahahahah!! A natureza não tem o seu quê de equilíbrio?


Choro? Só se fosse para pedir mais.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Pffffffffffffffff



Cadê os "sabores do Brasil", Lidl? Nada de pão de queijo, picanha, rapadura, chokito... Pina colada? Sério? Na boa, vocês não entendem nada de Brasil!

Vergonha de ser brasileiro

Eu fico indignada quando alguém fala isto. Não consigo entender como uma pessoa pode sentir vergonha de sua identidade, de sua cultura, de seu país. E não é porque romantizo a situação do Brasil, mas porque eu acho que as pessoas devem ser específicas na sua vergonha. Poderiam começar assim: tenho vergonha dos políticos brasileiros, da corrupção, da falta de segurança... Se fossem bem honestas, poderiam olhar para o próprio rabo e dizer que também sentem vergonha de sentir vontade de corromper e serem corrompidos pelo sistema. Eu jamais teria vergonha de ser brasileira porque para mim o meu país não resume-se a estes defeitos. Nunca teria vergonha do samba, nem de Caetano Veloso, nem de Lupicínio e Noel Rosa. Nunca teria vergonha de Machado de Assis, de Erico Verissimo e Carlos Drumond de Andrade. Tampouco de Nelson Rodrigues, do vaneirão e do forró, de Fernanda Montenegro, Raul Cortez, Antônio Fagundes e tantas outras coisas. O que as pessoas não entendem, é que ir contra um país é negar toda a sua riqueza cultural e até mesmo as suas origens pessoais. Entendo que anda todo mundo de saco cheio, mas peço mais uma vez, tenham vergonha na cara antes de dizer que tem vergonha do seu país. Obrigada.



                                        "O Brasil é muito impopular no Brasil." 
                                                     Nelson Rodrigues

Fabionices

Diz o Fabian enquanto assiste os personagens do filme "A Dama e o Vagabundo":

- Mãe, vamo  pompá uma boca pro Oshi falar?

Prova de que o mundo parece estar contra os gordinhos:

quando até na academia, durante a sessão de cardio, temos a televisão sintonizada em um canal de culinária.


                       

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Fabionices

Mãe, to esperando um bebê!

Diz o Fabian com a bola enfiada no casaco e com as duas mãos na cintura.

Na casa do Alparren


Hoje eu e o Fabian fomos à casa do amigo turco da escola para eles brincarem um pouco. Aqui nas quartas não há aulas, portanto é complicado estar com meninos tão agitados sem fazerem nada o dia todo. O Fabian surpreendeu-se com a quantidade de brinquedos que o menino tem: quatro barcos enormes, uma caixa cheia de carrinhos de lata, um quarto, sim, um quarto só para brinquedos de todos os tamanhos. O pai do menino (ainda não decorei os nomes, sou péssima nisto), disse-me com um olhar triste que quando pequeno só conseguia brincar com os brinquedos que achava no lixo e que por isto, decidiu que nenhum filho iria passar pelo mesmo. Sua resposta ao destino foi comprar até não poder mais, até empilhar caixas e caixas com caminhões de um metro de comprimento desde que sua esposa engravidou. Eu achei lindo e triste ao mesmo tempo, é uma ferida que permanece apesar de todo tempo que passa, como se aquela criança atrás de lixo ainda me olhasse através daqueles olhos negros e fundos. 
Foi a primeira vez que alguém de outra nacionalidade me convida a frequentar sua casa. Até o casal de portugueses, com quem nos relacionamos,  nós tivemos de dar o primeiro passo. Confesso que gostei muito, senti-me muito à vontade, adorei falar do Brasil, e inclusive ensinar português para a filha mais velha, que a cada frase que eu dizia, traduzia pelo google. A certo tempo ela me perguntou se eu deixava que ela fizesse uma tatuagem de henna na minha mão. Pousei -a sobre a perna e ela foi desenhando caracóis como tinha feito a sua mãe umas semanas antes. Enquanto secava, o Fabian jogou-se sobre mim,fazendo com que ficasse um pouco borrada, a minha mão e a dele. Na próxima quarta vai ser a nossa vez de recebê-los aqui em casa. Adorei o convívio, estava mesmo precisando de estar com outras pessoas... pois vida de emigrante  é muitas vezes ter a solidão como uma visita resistente em ir embora.  

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Mormaço (epílogo em construção)

A guitarra do Santana esvaia-se no ar quente daquela tarde. Cause you're so smooth... As palavras e o som se encontravam e derretiam sob  seus ouvidos preenchidos pelos gemidos um do outro. Ele dedilhava seu corpo nu, ia descendo pelas costelas e pelas curvas até chegar em sua vulva pulsante. Ela gemia. Tinha os cabelos escuros escorridos pelos seios e costas tal como um rio deslizante e vivo quando todo o corpo se mexia. Ele alisou os seus lábios, não os de cima, os de baixo, até finalmente encontrar o clitóris. Massageava com pouca pressão, quase como se uma pena pousasse e voltasse a subir. Passaram alguns minutos até a música terminar e voltar tudo ao silêncio do mormaço de um agosto em Paris. 
Os olhos dele puseram-se pregados nas vigas de madeira escura do teto. Um apartamento de 30 metros quadrados que lhe sugava quase metade do seu salário. Se não fosse a proprietária ter gostado de sua "atenção", digamos assim, ele nunca conseguiria morar no terceiro arrondissement. Ficavam sempre assim depois do sexo, ele perdido no passado, ela tonta de luxúria repousando em seu peito. Ana abraçou-o ao primeiro gesto dele ao se levantar, mas desistiu no meio do caminho. Seus olhos cruzaram por poucos segundos, culpados, e ela pensou se seria a única que pensava no marido quando trepava com o amante.

O lado bom

Para uma pessimista convicta, ver o lado bom é um exercício constante. Tenho me perguntado o que eu mais gosto daqui além da nossa casa e cheguei a conclusão que não é a educação que nos faz soltar bom dias mecânicos a cada desconhecido, mas a simpatia ao modo francês. E esta simpatia está espalhada entre todos os motoristas de ônibus. É só ele (ou ela pois que há muitas mulheres nesta profissão) ver alguém desesperado correndo lá na outra esquina para esperar sempre. O Fernando diz que até fora do ponto eles abrem a porta, mas isto eu já tenho vergonha de pedir. Além disto, dirigem bem sem nos deixar com o famoso sentimento de carne de açougue. Claro que não posso falar pela França toda, nem sei se em Paris é assim. Sempre que me refiro à França ou aos franceses o faço com um recorte do cotidiano que experimento, até porque nem teria como falar por um país tão grande. 

domingo, 11 de maio de 2014

Dar um jeito

A música oficial da Fifa está uma bela merda, para ser sincera. Rimas fáceis estilo coração com paixão, amar com esperar, que chegam a dar vergonha alheia. Mas incrivelmente combina com a maneira que tem sido tratada a copa no Brasil. Dar um jeito, fazer de última hora, superfaturar obras, no maior estilo "logo que vê".
obs: A única coisa que se salva (um pouco) é o Santana.

E hoje é dia...

das mães no Brasil. O facebook está lotado de fotos e declarações para as melhores mães do mundo, tão boas, tão perfeitas. Interessante ver uma das minhas amigas que me disse verbalmente que só teve filho porque o marido quis e que por ela a criança não precisava existir, estar estampada em uma das fotografias. Embaixo os dizeres de sempre: mudaste a minha vida, te amo mais que tudo bla bla bla. Meus olhos passam por dezenas, arriscaria dizer centenas de frases de agradecimento e amor incondicional e não consigo deixar de pensar quantas já não andaram aqui pelo meu blog. Quanto a mim, tive de fazer o esforço de ligar para a minha mãe, dizer coisas vazias e ouvir coisas igualmente vazias e sem sentido. É...deve ser isto que sentem as pessoas que não gostam do natal. 

O empreendedorismo francês



Faz um mês que o espacinho envidraçado que eu e o marido cobiçávamos em sonhos, foi alugado. Antes era uma pequena lanchonete com móveis manchados de tinta e cobertos de pó. A reforma durou uma semana: pintaram, trocaram o balcão, colocaram pequenas mesas para dois e penduraram cortinas decoradas com limões. O nome era alguma coisa como "soleil d'or", mas depois vi que este era o nome do negócio antigo, talvez de antes, de antes, de antes deste. 
Semana passada o Fernando disse que haviam fechado e eu fiquei meio: como assim???? Um mês, um mês! Esperavam algum ganho líquido neste período? Até eu leiga da silva em empreendimentos, sei que demora-se uma média de um ano para recuperar todo o investimento dispensado e  dois para obter finalmente lucro . Tá certo que o ponto não é lá estas coisas, mas aqui perto há algumas empresas de grande porte que poderiam bem ter significado clientes frequentes.  Há poucos restaurantes, principalmente de comida mais rápida, barata e eclética.
Como são Tomé, só acreditei quando passei à frente da porta e li o papel logo abaixo do aviso de encerramento, no qual se encontrava ainda o horário do ex-restaurante. Do meio dia às duas e das dezenove às vinte e duas horas. Não preciso dizer que não abrem em  finais de semana nem feriados. Notei que apesar da nossa caixa de correio viver abarrotada de propagandas, não recebemos uma sequer anunciando-o. Na fachada, nada de pratos descritos em um quadro, nada de promoções do dia, e também nada de clientes. 
Não é querer ser tendenciosa, mas é só olhar para os lados e ver a quantidade de restaurantes turcos, chineses, iranianos e etc,  abertos 7 sur 7 jours. Com propagandas em tudo que é lugar, sendo que quase toda a semana chega-nos um menu a preços justos com entrega gratuita a partir de 15 euros. Aí a pessoa aluga, faz reforma e gasta uma pequena fortuna para abrir um negócio e quer que como mágica pulem fregueses no seu colo. Não diversifica os produtos oferecendo por exemplo, lanches para o período da tarde, não coloca anúncios nas imediações, abre em um horário em que a rua fica deserta (à noite), ao invés do período laboral das 9 às 18 horas, e eu ainda admiro-me quando fecha em tão pouco tempo. 
Em um lugar onde a padaria fecha finais de semana e segunda-feira, onde o salão de beleza trabalha só sábado de manhã e fecha na segunda o dia todo, onde os shoppings e supermercados fecham aos domingos, é um pouco difícil conciliar lucro, falta de vontade e direitos trabalhistas. 

Aparentemente só eu

Já passou milhões de vezes na sessão da tarde, mas eu juro que nunca vi. Além de detestar filme dublado, nunca parei para ver mais do que cenas descontínuas, mas...ontem foi dia de acertar as contas com a minha ignorância quanto a alguns clássicos filmográficos. Finalmente vi "Pretty woman" e é claro que o marido viu comigo com suspiros debochados de "não acredito que tu ainda não tinhas visto isto". É, parece que só faltava eu mesmo. Não há muito que falar sobre um filme que todo mundo já viu pelo menos uma vez, só não achei nada interessante a dicotomia: mulher decente x mulher vulgar. Para a moça ser considerada uma mulher de "bem" ela precisou se vestir como uma vovó...não tinha necessidade, mesmo para os anos 90, enfim. Quanto ao resto resume-se a Julia Roberts, a menina estranha que os americanos consideram linda, a iniciar seus filmes românticos-para-ver-na-tpm. Agora só faltam riscar da lista Perfume de Mulher e O último tango em Paris (eu sei, eu sei, como é que eu ainda não tinha visto, em que mundo eu vivo...).

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Fabionices

- Mãe, dexa eu ti ixplicá. - dois traços se formaram na folha branca cheia de efes - Viu?
- Que letra é esta? Um haga?
- Nãooo mãe, é um uísque! Um uísque*!


*letra X em francês = iks

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Sem comparação

Eu já não sou amante de uma alimentação balanceada, frutas, legumes e etc, mas...se comer o que não me diz muito é ruim, imagina comer alimentos sem sabor! Se há coisas que na França são muito melhores, o mesmo não pode-se dizer das frutas (inclusive as teoricamente biológicas). Saudade das maçãs suculentas, da banana doce e do melão que desmancha-se na boca...


segunda-feira, 5 de maio de 2014

Fobia



Ela apertou o passo querendo de alguma forma fugir de sua sombra. Mas esta a espreitava em cada janela encostada ao chão. A cidade  possuía olhos por baixo das casas e prédios antigos...eram verdadeiros buracos negros úmidos, empoeirados e cheirando a mofo. Quando passava sentia-os bafejar-lhe algo, mas sua voz evaporava mal tocava a claridade. Seus olhos escorregavam para  eles como meninos assustados e curiosos que tocam a campainha para esconderem-se depois. Que pensavam e o que queriam, roubar-lhe a alma ou carregar isto e corpo e gritos chão a dentro? De qualquer forma ela cuidava: sua sombra não podia jamais encostar nas janelas. Mas eles continuavam a observar por cada esquina, e cada rua, os porões de concreto, cavernas modernas (ou nem tanto) cheias de lixo, de bicho e de escuro. Ela apertava o passo sempre que a cidade ameaçava engoli-la. E ela pensava que morrer de medo deve ser era a pior morte de todas.

Santa hipocrisia, Batman!

A primeira vez que li isto me deu uma vontade louca de rir. De nervoso, claro. A filha da Monique Evans (eterna musa dos anos 80), a Bárbara Evans, que faz o tipo modelo-loira-sem-sal, postou uma foto maaaagra de morrer com o dizer "que todas as meninas tem que se aceitar como são". O detalhe é que no mesmo dia saiu uma reportagem no site da Globo onde ela contava sobre uma dieta que a tinha feito perder 9 quilos em um mês. Isto mesmo: 9 quilos. A filha do Ozzy Osbourne, a Kelly, que eu acompanhava no início dos anos 2000 com seu estilo patricinha do punk, bermudas pretas e cabelo rosa, cantando Madonna: papa don't preach,(...) I'm gonna keep my baby. Esta mesmo. Que vivia ridicularizando as moças oxigenadas e magras, as Barbies americanas devidamente padronizadas do mundo pop e arredores, eis que muda de cidade, de amizades e de estilo, terminando por  ser justamente...uma moça oxigenada e magra (dentro das possibilidades de seu corpo). 
Eu acho lindo esta bandeira de aceitação que algumas defendem. Só acho difícil de acreditar. Porque o que a mídia e todos os seus representantes famosos (sejam eles ao mesmo tempo passivos e ativos no quesito padrão de beleza) fazem, é nos empurrar um conceito restrito do que é belo. E depois de encher a cara da Julia Roberts com photoshop, encher todos os buraquinhos de celulite da Juliana Paes na praia ou encher-se de sucos detox, nos passam a mão na cabeça. Veja bem, não faz mal que você não seja perfeita, não faz mal que você se entupa de creme adelgaçante e entre em desespero porque não há o seu número naquela calça jeans maravilhosa. Mas continue tentando! É isto que o sistema faz. Nos enlouquece, nos coloca um patamar impossível de satisfação e nos devolve um falso estandarte de aceitação, tão falso quanto o último discurso da Beyoncé. Que não estava magra o bastante e resolveu fazer mais uma dieta mirabolante da vez, mas ó, isto sou eu viu, gente? Vocês, ah vocês tem que se aceitar. E diz isto como se ela não tivesse responsabilidade nenhuma em quebrar este pensamento, como se ao submeter-se ao perder mais peso não influísse no resto. Não, eu não sou contra o emagrecimento para sentir-se bem, mas até que ponto é sentir-me bem comigo e até que ponto é querer alcançar um status de plena aceitação social? Se a Beyoncé acha que ela tem de se submeter a constantes dietas detox para aprovação do público, que louco seria se deixasse ficar suas curvas onde estão e que o público por sua vez não exigisse nem de si nem dos famosos tamanha perfeição. É como eu digo, é uma via de mão dupla, que é extremamente cruel com quem tenta cruzá-la na contramão, mas a estes, meu sincero obrigada. Enquanto isto, vamos ver as pseudo-libertárias da opressão da beleza fazerem discursos ocos até um dia em que vencerem a queda de braço com a balança.
Ah sim, esqueci de dizer que a imagem que ela postou do alto de sua aceitação à base de proteínas e drenagem linfática e carboxiterápica, foi esta.

Kelly em um momento antes e depois.


sexta-feira, 2 de maio de 2014

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência

Não vou lembrar, não adianta...mas isto é só um mero detalhe. O nome. Quando eu era pequena, tinha um livro que falava sobre a amizade da Dona Geladeira e da Dona Gilete. Amigas bem improváveis, eu sei. Acontece que a D. Geladeira era sempre muito gozada pelos colegas pelo simples fato de ser gorda. Lembro-me tão bem das ilustrações, das pernas redondas da geladeira amarela, assim como dos traços finos que eram os membros da sua amiga Gilete. Cada vez que as pessoas riam, mais gorda a D. Geladeira ficava, e mais comida ela guardava. No final, já enorme e quase sem conseguir andar, ela esconde-se em casa, decidindo não ir mais à escola. A amiga vai lhe visitar, mas quase morre com a explosão assim que abre a porta. Morreu? Lá estava ela bem murcha em um canto, com toda a comida espalhada nas paredes e no chão. Desta vez, magra e apoiada pela sua fiel companheira, ela volta para a escola e ninguém mais ri dela. Pergunto-me o que aconteceu depois...engordou como em um ciclo de compulsão-passivo-agressiva? Todo mundo a respeitou  apenas porque estava finalmente magra? Não sei...e que inquietante é não saber o final da nossa história...