Nega traz o café. Nega engoma a camisa do Dr. Faustino. Nega faz cozido com leitão que a minha mãe vem almoçar. A nega era tantas vezes requisitada que às vezes chegava a duvidar que tinha nome. Lembrava-se de ter chegado ali por ser a maneira mais fácil da mãe se livrar da filha mais velha. E tendo mais meia dúzia para alimentar, era o melhor que poderia fazer: teto e comida em troca de trabalho. A mãe só esqueceu de dizer que era teto e comida em troca de sua vida. Com treze anos deixou de ser Teresa para ser a Nega dos Fagundes. Na verdade na altura era a Neguinha, depois com o tempo, foi crescendo e engordando, e o apelido evoluiu conforme os cabelos crespos soltos se encolhiam por baixo de um lenço.
A Nega serviu para tudo, de cozinheira, empregada e babá. Se pudesse até de ama de leite a fariam. Serviu para acalentar o Dr. Faustino tantas e tantas noites, serviu também para anos mais tarde o Carlinhos perder a virgindade. Tivera tempos atrás um filho no bucho. Mas a patroa que não era boba e sabia das aventuras do marido, depressa levou-lhe em uma batuqueira que lhe deu um chá. Até hoje guardava uma dor imaginária no ventre como se aquela situação se repetisse vezes sem conta. Seu filho de sangue e suor lhe escorreu pelas pernas e Teresa ainda acha que foi melhor assim. Que vida teria um mulatinho bastardo naquela casa? Isto se a deixassem ficar lá.
Nega esfregava a camisa do dono da casa com sabão de coco. As mãos pretas torciam, os nós dos dedos se batiam e ela voltava a esconder as mãos na espuma branca. Enxaguava, pendurava e voltava a torcer outra camisa branca. Tinha de deixar os punhos e gola limpos, caso contrário faziam-na lavar novamente. Enquanto isto cantava, suspirava e lembrava do tempo em que ainda era livre, devia ter uns quatro ou cinco anos. Sentava na grama com o vestido sujo de terra e ficava a observar as formigas passarem sobre suas pernas finas. Faziam cócegas. Carregavam folhas enormes sempre em frente, sem perder tempo, sem olhar para os lados. Às vezes segurava uma das folhas só para as ver esperneando como se ainda caminhassem sem se darem conta de que haviam lhes tirado o chão. Depois as deixava ir e elas continuavam como se nada as tivesse interrompido. Devia ser muito chato ter a vida de formiga. Só trabalhar e trabalhar e não ter tempo para viver. Depois de muito chamar, a patroa lhe tinha ido com o robe e cabelos em rolos para a área de serviço. Nega! O que é senhora? – disse em um pulo. To chamando há horas, vem já me apertar o vestido. Seguindo ela pelo corredor ainda lhe pergunta o que estava pensando da vida. A Nega emudece e depois diz com um sorriso áspero que a outra não viu. E eu lá tenho vida pra pensar nela?
Olá! Que engraçado estares a escrever sobre o tema da escravatura, isto porque vi há pouco tempo um filme que ficou e vai ficar na minha memória, porque dá que pensar, que se chama "As Serviçais". Não sei se já viste mas é muuuuuito bom, se não tiveres serão pra hoje...bjs
ResponderExcluirOi Sofia! Já vi este filme, é muito bom!! Estava pensando justamente no período dos anos 40, 50 em que muitas meninas pobres era, feitas empregadas domésticas sem receber qualquer salário. Isto ainda existe no Brasil embora com menos frequência, as meninas pobres do interior trabalhando para as famílias de classe média nas capitais e grandes cidades.
ResponderExcluirBeijinhos