segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Tu tens é inveja!


À semelhança do que aconteceu em Portugal com o tal escândalo do milionário brasileiro, aqui (ops às vezes acho que ainda estou no Brasil), lá o pessoal anda em polvorosa por causa do "rei do camarote". Achei muito interessante a crônica que saiu no jornal da minha cidade natal sobre este fenômeno de indignação, e concordo que os supostos policiais da moral e bons costumes são no fundo um bando de invejosos. Porque cada um de nós no fundo sente um sabor azedo quando vê casos deste tipo. E ah não me venham com: não, eu não sou invejoso, o fulano gasta o dinheiro como quer e ninguém tem nada a ver com isto. Mentira: sente inveja sim. E o que nos dá faniquito neste tipo de comportamento entre as pessoas mais abastadas é justamente a ostentação pura e triste (e que de certa forma nós também a fazemos). 

"O argumento de muitos para justificar sua crítica – e seu ódio – é de que é moralmente condenável ostentar riqueza em um país como o nosso, no qual ainda há pessoas que morrem por miséria. É difícil enfrentar essa nobre posição, banhada de amor ao próximo e desejo de igualdade. O que as belas almas filantrópicas esquecem é que, ao crucificar Alexander, buscam expiar um pecado que provavelmente cometem diariamente: todos nós ostentamos. Seja passando de carro ao lado do ônibus lotado, saindo do supermercado cheios de sacolas (e não apenas da cesta básica, quem não gosta de um pequeno luxo?), puxando do bolso o iPhone para telefonar na fila do banco. Claro que não consideramos isso ostentação, gostamos de pensar que nossa condição é o normal: sempre há alguém acima de nós para ser aquele que tem demais, e alguém abaixo para invejar aquilo que nos é de direito. Dificilmente somos os privilegiados ou os invejosos. Mas não são só os bens materiais que se ostentam. Podem ser as qualidades – a beleza, a bondade, a superioridade moral. Sem se dar conta disso, muitos críticos de Alexander incorreram no mesmo pecado que condenaram.Aqueles nos quais Alexander despertou apaixonadas ou compadecidas reações ignoram que, em algum recôndito escondido, o invejam. Não porque gostariam de ser o “rei do camarote”, mas porque ele pode se dar ao luxo de não se preocupar com dinheiro, aparentemente pode ter o que quer. Se, enquanto sociedade, somos pautados por um ideal de fraternidade, Alexander é como o irmão mais velho da prole: sempre vamos encontrar uma razão para criticá-lo, porque nos mostra que podemos menos que ele, que mesmo irmãos não somos iguais. Travestimos de superioridade moral a inveja que subjaz à relação com os irmãos que, imaginamos, podem desfrutar de um gozo que nos é vetado (mas secretamente desejado): poder fazer o que bem se quer."
***

"A superação do egoísmo absoluto dos (fantasiados) dias de rei é condição necessária para uma vida entre semelhantes. O desejo de que possamos viver em uma sociedade mais fraterna e igualitária é nobre, há muitos que trabalham arduamente para isso, não fosse assim as desigualdades sociais seriam ainda mais gritantes. No entanto, linchar em praça pública quem parece indiferente a essas questões em nada contribui para amenizá-las. Apenas apazigua a culpa que carregamos por, apesar das boas intenções, também ostentarmos privilégios – e desejar ainda mais, sejam eles materiais ou não. Condenar Alexander é condenar esse pequeno rei que segue nos habitando, e que não combina muito com a imagem de bom samaritano que preferimos trajar ao sair para a praça, real ou virtual, na qual sempre tentamos ostentar nossa melhor imagem."

Reportagem aqui.

2 comentários:

  1. Eu tento só reparar nas coisas que eu tenho... mas sim, ostenta-se sempre.

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  2. É verdade S*, só em lembrar que hoje não temos carro e ficamos bons minutos no frio cheio de sacolas a esperar o ônibus e passam carros carregados de compras a nossa frente...para nós é ostentação (embora já tenhamos feito o mesmo).
    beijinhos

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