domingo, 9 de março de 2014

Le Carnaval


Às vezes eu penso que moro tão no fim do mundo que até o carnaval chega atrasado. Acontece que como aqui não tem feriado, o pessoal tem de se virar mesmo é nos finais de semana e assim, chegou a vez do Bouc Bleu dar o ar da graça em Schiltigheim. Carros alegóricos puxados por tratores, confetes, balões e saquinhos de pipoca para o público. O carnaval apareceu eclético e um tanto desconexo. Das bandinhas alemãs, ops alsacianas com um toque de techno ou de rock, às cheerleaders vestidas à moda da oktoberfest, sorrisos chochos ou tímidos e um adeuzinho com o braço. Alguns arriscavam um mexer de ombros como quem não quer nada, câmeras (como a minha) registravam um mar de cabeças antes de qualquer coisa. (Porque não calcei meus andaimes?)
Cada grupo que desfilava possuía sua própria música e com sorte, a sua própria banda. Um deles trazia um polvo que reclamava para si os impostos, em um jeito de brincar tipicamente francês. Os dois grupos de brasileiros que passaram, levantavam expectativas, mas a verdade é que não tiveram muito sucesso. Quando ouvi a bateria do segundo se distanciar, senti uma melancolia, uma espécie de acerto de contas com o passado. Aos dois anos, depois de uma disparada homérica e de ser alcançada pela corrida desesperada da minha mãe, voltei para os braços do meu padrinho e perguntei chorando: "dindo, tu pompa um panaval pá mim?" Com mulatas, com bateria, com brilho, com tudo tudo? E sem perceber ele passou por mim e desta vez eu não corri. Fiquei estacada com a maioria da multidão a balançar o ombrinho. Mais alguns foliões passaram vindos da vizinha Alemanha, de Baden-Baden, mais uma corja de bruxas e palhaços estilo Rod Stewart. Ao dobrar da esquina se avistava o último grupo sendo seguido de perto pelas ambulâncias. E no prenúncio de que o melhor fica para o fim, observei com ansiedade os dançarinos vestidos de dourado, preto e vermelho que se aproximavam em uma dança com pinceladas de candomblé. O som ao viajar pelo vento, acertou em cheio o peito: as batidas do surdo e do meu coração sincronizaram-se. E aquela máxima que diz que quem não gosta de samba ou é doente da cabeça ou doente do pé, mostrou-me que os franceses não desgostam nada do samba, tem é qualquer probleminha ali mesmo, nos pés. Nesta hora eu já não quis saber de mais nada, sambei, sambei e sambei com sede, uma sede que só quem está longe sabe. As pessoas passavam, olhavam e se cutucavam, e eu continuei. Fui seguindo o carnaval até a multidão ir se despedindo, os grupos se dispersando, os foliões se desfazendo de suas fantasias. Enquanto houve música sustentei a ilusão de que aquele era o carnaval prometido que muitos anos depois tinha enfim me encontrado. Quem diria que  havíamos de nos esbarrar aqui neste fim de mundo? E desta vez eu ri, corri e ninguém veio me segurar!... Pena mesmo foi não poder levar para casa o carnaval que ganhei...

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