quinta-feira, 30 de maio de 2013

Palmadinha pedagógica

Mário chegava em casa pontualmente às seis da tarde. Pegava quase sempre a Avenida Brasil lotada, muitas buzinas, senhoras e motoqueiros a costurarem entre os carros. Quando pisava no tapete de entrada do prédio de treze andares (porque será que terminava em um número ímpar?), limpava metodicamente os dois  pés e enquanto o fazia, ia tirando a pequena chave para abrir a caixa de correspondência. Nada? Nada hoje, ainda bem. Estas eram as duas frases que trocava com o porteiro, um simpático velhinho que trabalhava ali desde sempre. Pisava no soalho de pedra com mosaicos e apertava no botão para o elevador. O prédio era antigo, ainda possuía aqueles de porta de madeira com uma janelinha que hipnotizavam quem estivesse dentro. Concreto-porta-concreto-porta passavam ritmicamente à frente de seus óculos. Chegava no andar e antes da porta fechar, fazia uma rápida corrida até o interruptor. Caramba, o prédio podia ser dos anos 60, mas bem que a tecnologia das luzes de presença poderiam ser implantadas. Falaria disto na próxima reunião de condomínio. Mas sabia que no fundo iria estar tão aborrecido para que terminasse que manteria o silêncio até o final.
Mário chegava na porta daquele que tinha sido seu primeiro e único pouso desde que casara. Teresa fazia o jantar como todas as tardes. Abria a porta e saudava-lhe cordialmente, mas ela não respondia. Ouvia sua voz em meio ao vapor de feijão na panela de pressão, ela dialogava com o apito da mesma talvez? E assim começava o seu inferno. Ele esquivava-se, Teresa provocava. Cada vez mais e mais. E mais alto. Tantas eram as reclamações, que por certo as buscava desde aquele olhar que dera para sua melhor amiga quando ainda não namoravam, até a sua inaptidão biológica para lhe dar filhos. Se perguntassem para qualquer pessoa sobre o Mário, todos diriam ser um homem de bem. Discreto, educado, bom coração. Gente fina, diria o Carlão da oficina ao lado. Sua estatura mediana, seus braços delicados, a calvície precoce e os óculos de grau em moldura antiquada completavam a imagem de pessoa mais inofensiva da face da Terra. Além de tudo Mário possuia uma coisa rara, um olhar sereno e uma voz calma de palestrante budista. Ninguém sabe porque ele se apaixonou por tal figura. Teresa era o seu oposto: mulher histérica de profissão, cabelo cor de fogo, seios que pulavam pelo decote de um vestido que ainda lhe marcava os quadris e a bunda empinada. Teresa era dona de uma bela pele clara e de sobrancelhas expressivas, mulher de faca na bota e batom vermelho nos lábios. Ora, ainda não sabiam o que ela vira nele, porque cobrava-o todos os dias atitude. Atitude!! - Gritava Teresa para os vizinhos do quarto e do sexto escutarem. Mário se encolhia sob o jornal, fingia que não era com ele mesmo quando ela passava provocadora o aspirador em cima dos seus sapatos. Ele aguentava tudo. Diziam que o que ela lhe fazia era bullying. Agora tem este nome não é? Mário aguentava camisas queimadas, meias trocadas, cuecas manchadas de seus vestidos rosa. Aguentava os 40 cm de cama que ela lhe deixava, a comida que ela fazia mal de propósito, até as suas giletes sem fio que ela usava para depilar-se. Mas nada disto satisfazia Teresa, mulher de crítica e voz insaciável, ele mesmo já sabia que tinha virado motivo de piada na rua. 
 Levantou-se, dobrou o jornal e foi para a mesa. Ela comia em silêncio, tentando ignorá-lo e fazendo força para não cuspir o feijão queimado que havia lhe posto à frente. Ele serviu-se, feijão, arroz e asa de frango. Cortava o couro fino do animal cuidadosamente, tão meticuloso que uma hora a mulher não aguentou. Levantou-se de sopetão e nos seus finos peep toes jogou o garfo e a faca ao chão com força. Mário estremeceu, vivia em constante angústia por causa daquela criatura. Porra Mário, não vê que isto está uma porcaria?! - Ela esbraveja entre palavras salivadas de feijão - Toma uma atitude!! 
Mário olhou-a com os olhos marejados, tinha a impressão que os lábios balbuciaram algo sem que o cérebro tomasse conhecimento. Limpou os dedos de gordura de galinha. Chegou perto da mulher que arfava o peito, em um sutiã de renda, ainda mirou uma vez os olhos em chama de Teresa e a esbofeteou. E surpresa ela sequer revidou, ficou em estado de choque, escandalizada com a audácia do marido. Mário tinha o corpo todo em formigamento e as mãos habitualmente geladas, inquietas. Abriu o cinto e tirou-o em um só gesto, pôs a mulher de costas para ele, apoiada à mesa e lhe deu umas boas cintadas naquela bunda. Ela gemia. Não soube se de prazer ou dor ou isto tudo. O certo é que nunca mais lhe dissera nada. A comida voltou a ser tragável, suas meias direitas nas gavetas, suas cuecas foram substituídas. Mas de vez em quando Teresa ameaçava soltar a fera dentro de si e invariavelmente Mário soltava o cinto e ela gemia. Gemia na mesa e na cama ficava quieta e nunca, mas nunca mais lhe cobrara qualquer tipo de atitude.

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