quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Elisa (parte 2)

Ao cair da tarde, aproveitou que tinha de pegar duas galinhas em seu Fontier, o homem calvo e baixo que por ser viúvo, às vezes lhe pedia para coser alguma roupa e em troca lhe pagava com ovos, farinha e o que tivesse disponível e que ela assim o escolhesse. Entregou-lhe as duas camisas de dormir em um saco de linho e recebeu a gaiola com os animais ainda vivos a bicarem constantemente meia dúzia de milhos no chão de madeira. Agradeceram-se mutuamente e ela saiu já pensando no trajeto que faria, passando na frente da taberna que Stephane costumava ir antes do anoitecer. Ao se aproximar, pode ouvir sua gargalhada vigorosa. Asno, pensou. Bateu com força os pés e agitou as galinhas para que cacarejassem quando avistasse a frente do estabelecimento. De fato lá estava ele rodeado de mulheres penduradas ao pescoço como se formassem um colar humano, acessório que dispensava facilmente ao vê-la em seu vestido verde escuro. 
Elisa não era particularmente bonita, nem gorda como se queria as damas, com carne farta para agarrar no coito. Mas era ao contrário, de uma delicadeza invulgar, seus pés eram tão pequenos que pareciam angélicos, os seios eram também diminutos e duros, mal balançavam quando fugia de si. Os cabelos lustrosos e fortes como a crina de seu cavalo, especulava Stephane, faziam sua dona tão arredia como o outro, e sorriu ao desvencilhar-se das jovens, seguindo o vulto de Elisa. 
Poucos passos de suas pernas longas, alcançaram-na e logo tinha seu hálito alcoolizado a esquentar a nuca desnuda da moça. Elisa estremeceu, parou por segundos de sacudir as galinhas que por certo aninharam-se já extenuadas.  Stephane agarrou seu braço e puxou-a para seu peito largo. Desta vez, não se debateu, notou-lhe apenas um suspiro ainda que seu corpo estivesse tenso à proximidade. Com as mãos pesadas agarrou-lhe nos ombros e abaixou os lábios em direção aos dela. Elisa desviou-se a tempo.
- Preciso falar contigo.
Stephane largou a fileira de dentes bem formados enquanto os olhos cobiçavam seu decote. Tinha por certo que a teria aquela noite, pensava rapidamente apenas em um lugar discreto  para levá-la de uma vez, antes que desistisse. 
- Fala, minha querida.
- Stephane, não vou deixar tu deflorar-me. Não. - O sorriso desapareceu. - Se me quiseres realmente será sob o teu teto e como tua mulher de direito. Não serei só mais uma rameira...
Ele fechou os olhos mordendo levemente o lábio inferior, depois enroscou os dedos em seu cabelo em tranças e disse-lhe, desta vez a ver-se refletido nas esferas nebulosas de Elisa:
- Está certo. Se é assim que queres, assim será. Amanhã cedo falarei com o senhor Castel para formalizar minha intenção....mas depois de tudo isto - fez um gesto vago com a mão que despegou-se de seus fios - tu serás minha. Só minha. - E voltou a tentar aproximar-se da boca rosada, mas encontrou apenas a bochecha de Elisa. Ela deixou-o só a observar sua silhueta a diminuir cada vez mais, até não ser mais perceptível e transformar-se apenas na noite. 
O dia embranqueceu, era a forma como via dia após dia de céu cerrado de nuvens, de frio, em que o sol demorava a pousar e quando o fazia, desistia logo de tanta tristeza e lama junta. Elisa abriu os olhos uma hora antes disto, para falar a verdade sequer dormira, revirou-se a noite toda em sua cama dividida com as outras duas filhas do senhor Castel. Era hoje que Stephane ia pedir-lhe a mão (ou o seu corpo) em casamento. Sabia que não possuía dote e que seu tutor não lhe ia tirar de suas filhas legítimas para dar a ela, mas também sabia que o velho ia sentir-se livre do fardo de a ter em sua casa. Talvez já tivesse começado a pensar em dá-la para algum camponês que lavrava suas terras, era uma forma barata de a ter sempre por perto para os serviços gerais que já fazia e ao mesmo tempo não gastar mais com ela. Ironicamente no dia que mais a interessava ficar em casa para espiar o seu destino, Aydee sua mãe de criação, mandou-a ajudar sua irmã que estava muito doente. Preparou uma cesta com pão e sopa de aveia, algumas frutas e foi com a pequena carruagem que lhe designaram, tendo ordem para retornar apenas quando esta estivesse a andar novamente. Deixou um bilhete antes de sair ao padre Jacques, escondido entre as primeiras folhas de sua bíblia de estimação, a explicar o contrato de casamento. Duas horas depois estava a avistar uma pequena propriedade cravada em meio a uma plantação de trigo. Três cachorros vieram ao muro avisar que havia alguém estranho nas proximidades. Ao fundo, na porta entreaberta, surge um rapazote a volta dos oito anos que silencia os bichos eriçados e a convida a entrar. Elisa coloca os pés sobre o piso de madeira que rangia a qualquer movimento, depositou a cesta sobre a mesa e seguiu o menino em direção ao quarto de sua mãe. Havia mais três ou quatro crianças pela casa, sendo uma delas ainda bebê de colo. Quando viu a mulher a gemer na cama rodeada de alguns pares de olhos infantis, Elisa pensou que se fosse apenas um resfriado ainda ficava ali presa uma semana ou duas. E seus dias foram de cozinhar, limpar, lavar, cuidar dos pequenos, já que a criada da casa estava em resguardo de parto e ainda não haviam arranjado quem a substituísse. Ouviu falar em uma prima que chegaria há três dias talvez, mas não veio. Os dias foram tão preenchidos que mal sobrava tempo para pensar em Stephane. Elisa emagreceu a olhos vistos, mas sentiu-se feliz quando finalmente a mulher conseguiu andar sem a sua ajuda e ainda mais quando os cachorros saudaram a tal prima da criada que havia chegado. Sua missão estava cumprida.
Mal entrou pelos fundos da casa, o senhor Castel lhe chamou à sala. Ouviu sua voz rouca e viu a mão pousada sobre o descanso da cadeira. Elisa mantinha a cabeça baixa e os dedos entrelaçados. 
- Tenho uma notícia para te dar. - Passou a mão rechonchuda pela cara e terminou coçando a barba ruiva. - Já estás na idade de casar, Elisa. Na primavera farás quatorze anos e ainda não tinha pensado seriamente em um pretendente para ti. Cresceste tão rápido - Olhou-a com o corpo franzino e ainda mais magro do que antes. Era quase um contrassenso o que acabava de dizer. - Tiveste sorte, Stephane o Campeão do rei quer a tua mão em casamento. Sinceramente não sei o que viu em ti, mas parece que tem pressa! Agora vá, outra hora falamos sobre o o resto... 
Elisa fechou os olhos como se um trovão lhe tivesse passado com força pelas veias. Sentia-se estranha, não parecia ser a mesma que habitava seu corpo, sentia uma repulsa e ao mesmo tempo uma força animal que a impulsionava para o meio da tempestade. Uma força que vinha de dentro, de baixo, e latejava cada vez que seus olhos cruzavam com Stephane. Todas as noites aproveitava a luz avarenta de uma vela para costurar o seu melhor vestido, com o qual casaria no próximo mês. Ele por sua vez estaria em campanha com a guarda do rei a fim de silenciar meia dúzia de homens que se insurgiam contra a alta dos impostos. Retornaria bem a tempo de esperá-la na igreja. 
Stephane surgiu em sua armadura, agora menos brilhante e com alguns amassados e arranhões de espada e foices. Abriu-a, retirando também a malha de ferro. Sempre a olhar para ela foi baixando a calça, retirando os sapatos até ficar completamente nu. Nesta altura Elisa virou-se para a parede, ele chegou-se afastando seus cabelos soltos para o lado. Esfregou o peito com poucos cabelos negros e isto provocou-lhe um arrepio na espinha. Stephane ia desabotoando o vestido com a destreza de  anos a despir mulheres. Desceu os dedos pelas cordas do espartilho desapertando-o de forma que Elisa pudesse  respirar normalmente. Fê-la abrir os braços e deixou-a apenas com a camisa fina que a cobria até a metade das coxas. Deitou-a beijando com sofreguidão a boca enquanto enfiava a mão à procura dos seios virgens e pontudos. Elisa não sabia se mantinha-se presente ou se viajava para algum recôndito de sua mente, sentia-se a flutuar para fora do corpo e a julgar-se tão reles como as outras mulheres a quem de forma perversa tinha traçado destino igual. O membro lhe rasgou a inocência e depois disto sabia que não haveria volta, nem mesmo ao convento que padre Jacques se referira, a menos que o consorte morresse. Estava agora presa para a vida toda. Os gemidos altos e ritmados de Stephane e depois o corpo inerte que lhe caíra por cima, selou-lhe a sorte como uma porta pesada de uma masmorra a fechá-la na escuridão.


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