Era uma tarde morna de verão quando o rei aproximou-se de seu fiel amigo. Tinha os poucos cabelos loiros que emolduravam a careca a reluzirem no sol. Stephane notou que depois da última campanha, esta tinha aumentado ainda mais. Philippe tomava largos goles do vinho em um cantil de couro com o bico trabalhado em prata. Ofereceu-lhe, mas ele recusou. Não sabe se era do calor ou da saudade da mulher ou do medo de ser descoberto, mas ultimamente fazia o possível para não beber, principalmente quando estavam apenas os dois.
Philippe quebrou o silêncio com sua voz pastosa:
- Parece que vou ter outro filho.
- É mesmo? Parabéns...e que seja homem! - Falou sem demorar-se nos olhos azuis do rei.
- O que houve meu amigo? Não está feliz com o teu rei?
- Não é isto... - disse o cavaleiro vacilando no tom de voz. - É que faz muito tempo que não vejo os meus. Minha mulher não mandou notícias da última vez que o mercador por lá passou. E a novidade fez-me lembrar do meu pequeno, imagino que esteja quase a andar por suas próprias pernas! - Philippe estalou os beiços pensando que a missão do amigo já tinha terminado há mais de duas luas. Não tinha razões para prendê-lo por mais tempo.
- Então façamos assim: ficas até a festa de anunciação e depois vais para casa. Que tal? - Deu-lhe dois tapas nos ombros como permitia uma amizade que ia desde a adolescência. Amizade esta que a estupidez de sua rainha estava prestes a desmoronar.
Stephane aceitou desta vez um pouco do vinho e nunca o líquido desceu-lhe tão mal pela garganta.
Stephane aceitou desta vez um pouco do vinho e nunca o líquido desceu-lhe tão mal pela garganta.
Dominic enchia as mãos de terra e ria quando Marie tentava impedi-lo de colocá-las na boca. Elisa observava da janela enquanto fiava um fio muito fino e tingido de amarelo, que serviria depois para mais uma roupa para o filho. Ao longe na estrada de pedras, aproximava-se o cavalo negro do marido, era uma imagem tão esperada que quando finalmente se tornara real, ela não conseguia acreditar. Dez meses e alguns dias era o que os havia separado. Quando ele partiu, Elisa viu-se livre pela primeira vez na vida e ao invés de ficar imensamente feliz sendo senhora de si mesma e da sua própria casa, começou a sentir um vazio estranho. As folhas balançaram nos galhos, o frio chegou, a chuva, a neve, o orvalho. O sorriso do filho, as gracinhas, viu que já sentava sozinho e agora tentava por-se em pé segurando-se nos móveis. Quando olhava para Dominic ainda lembrava mais do pai, ele tinha os seus olhos, a sua boca e os cabelos em caracóis. Fora tanto tempo a sonhar com sua vinda que agora era difícil acreditar que ele finalmente voltara. A pergunta agora era "por quanto tempo"?
O marido apeou do cavalo já com os dentes em fileira, agarrou no bebê que o olhou curioso e lhe apertou o nariz. Stephane sorriu e voltou a pô-lo no chão para agarrar a esposa que se encontrava estacada na porta. Pegou-a no colo e mordeu seus lábios com fúria:
- Achava que te livravas fácil de mim, minha pequena? - Elisa viu-se agarrando seu pescoço e permitindo outras demonstrações de carinho.
A mulher gemia quando a outra lhe amarrava o ventre. Todas as manhãs Vianca se submetia a esta pequena sessão de tortura, pois era a única maneira de tornar credível que aquele filho que esperava era legítimo. Às vezes virava para a criada e dizia para apertar mais.
- Mas vai fazer mal ao bebê minha Senhora...
- Aperta! - Dizia com a voz entrecortada de dor.
Tinha certeza de que esperava um menino. Tivera um sonho um mês antes do marido partir, em que via um homem de peito largo e cabelos escuros a vir em sua direção com o pênis ereto. Este homem dizia para que deitasse que ia lhe dar o que o frouxo do seu marido não conseguira. Vianca acordou sobressaltada e ao mesmo tempo com vergonha e molhada de desejo. Não viu o rosto do amante, nem encaixou-o em nenhum dos homens que cruzava diariamente, mas quando o rei anunciou que ia deixá-la nas mãos de Stephane, seu melhor cavaleiro, fez-se luz.
Com a chegada da décima lua, Vianca viu concretizar-se o maior desejo de uma rainha, a parteira lhe estendia entre panos ainda úmidos de sangue, o menino que havia lhe sido prometido. Chorava de alegria. Era mais de dez anos de tentativas frustradas, de cochichos nos corredores de que tinha o ventre amaldiçoado, de preocupação do marido a pairar sobre alguma disputa futura e provável desmantelamento de seu reino, caso não conseguisse uma boa aliança através de Aurélie. Agora finalmente podia sentir-se segura ou pelo menos o que permitisse de segurança a alta mortalidade infantil daqueles tempos. Se tudo corresse bem nos primeiros anos e se a peste mantivesse-se afastada dali, era bem possível que ele chegasse a rei.
Quando levaram o bebê para Philippe, ele o carregou e foi em direção à lareira para vê-lo melhor. Não perecia nada com um prematuro, embora ele não soubesse grande coisa de prematuros, sabia de outros três bebês de termo que havia segurado anos antes. E este lhe parecia bem robusto, tanto quanto suas filhas o foram. Perscrutou os olhos cinzentos e indefinidos do recém nascido. Talvez ficassem verdes... Depois reparou nas bochechas rosadas e no cabelo negro. Aurélie tinha os cabelos assim quando nasceu e depois caíram para darem lugar a uma cabeleira loura e farta. Suspirou, antes de devolvê-lo para os braços da aia.
- Diga para a Senhora Vianca que é com muita satisfação que o nosso herdeiro carregará o nome do meu avô. Ele vai se chamar Fernand Gautier. - A moça assentiu e saiu silenciosamente, fechando a porta logo atrás de si.
Os meses passaram e a desconfiança aumentava para Philippe. Os cabelos do pequeno Fernand cresciam ainda mais escuros e formavam pequenos caracóis nas pontas. Procurava em vão a lembrança de algum parente a quem tivesse puxado e pela sua parte não fora. Os olhos eram de fato verdes como os de sua mãe e por mais que procurasse parecenças entre eles, sentia ao invés disto, uma raiva crescente em direção à alegria incontida de Vianca. Sabia que a mulher tivera amantes, durante sua vida conjugal ele não fizera questão de conquistar sua simpatia, muito menos o seu corpo. No entanto ela tinha conhecimento de que seus casos, tanto como os dele, tinham de ser discretos e mais ainda, não poderiam nunca lhe trazer um bastardo à porta. No fundo sabia que aquele menino não era seu, mas e agora: continuava com a farsa ou ameaçava tudo que sua linhagem conquistara até então? À medida que as pessoas iam tomando ciência da aparência do futuro rei, cresciam rumores de que este podia não ter legitimidade para reinar. Já cansado de ser alvo de intrigas, Philippe encostou literalmente Vianca à parede.
- Não sei do que o Senhor está falando. Este filho é teu, o sangue dos Bourdignon e Gautier lhe corre nas veias!
- Vou perguntar pela última vez antes de eu mesmo começar a apunhalar tuas criadas pessoais. - Calmamente o homem retirou a adaga e depositou no leito da esposa. Vianca tinha os cabelos soltos e suados, seu peito pulsava ao ritmo do galope de um garanhão selvagem. - Quem é o pai deste menino?
- Posso contar, mas o Senhor promete-me que não irá matá-lo?
- Prometo.
- Foi Stephane... - A mulher deixou cair o seu nome no silêncio carregado da expectativa do marido.
- Desgraçado...como pôde? - Esbravejou o rei ferido de forma fatal em seu orgulho. Poderia esperar de qualquer um, de François, o capelão, de Marc, o chefe da guarda, de qualquer camponês ou harpista, mas nunca dele... Jamais dele... Especialmente ele a quem confiava sua própria vida, suas filhas e seu espólio. Na verdade parte dele sabia, o rapazinho puxava-lhe o tamanho e muito de suas expressões. Se passasse mais tempo com ele, teria chegado a esta conclusão sem ao menos ter de perguntar à Vianca. Guardou novamente a adaga com os olhos pregados no rosto pálido de sua algoz: Vou matá-lo.
- M...mas tinhas dado a tua palavra de honra que não farias nada...
- E não vou fazer nada...ao menino. Já ao pai...nunca te alimentei esperanças, minha Senhora. Tu mesma é que o fizeste. - disse isto e saiu com meia dúzia de homens para além dos muros altos e sombrios. E a rainha desconfiava que o coração do marido jazia igualmente em um fosso tão fundo quanto o que separava o mundo do castelo de pedra.
O marido apeou do cavalo já com os dentes em fileira, agarrou no bebê que o olhou curioso e lhe apertou o nariz. Stephane sorriu e voltou a pô-lo no chão para agarrar a esposa que se encontrava estacada na porta. Pegou-a no colo e mordeu seus lábios com fúria:
- Achava que te livravas fácil de mim, minha pequena? - Elisa viu-se agarrando seu pescoço e permitindo outras demonstrações de carinho.
A mulher gemia quando a outra lhe amarrava o ventre. Todas as manhãs Vianca se submetia a esta pequena sessão de tortura, pois era a única maneira de tornar credível que aquele filho que esperava era legítimo. Às vezes virava para a criada e dizia para apertar mais.
- Mas vai fazer mal ao bebê minha Senhora...
- Aperta! - Dizia com a voz entrecortada de dor.
Tinha certeza de que esperava um menino. Tivera um sonho um mês antes do marido partir, em que via um homem de peito largo e cabelos escuros a vir em sua direção com o pênis ereto. Este homem dizia para que deitasse que ia lhe dar o que o frouxo do seu marido não conseguira. Vianca acordou sobressaltada e ao mesmo tempo com vergonha e molhada de desejo. Não viu o rosto do amante, nem encaixou-o em nenhum dos homens que cruzava diariamente, mas quando o rei anunciou que ia deixá-la nas mãos de Stephane, seu melhor cavaleiro, fez-se luz.
Com a chegada da décima lua, Vianca viu concretizar-se o maior desejo de uma rainha, a parteira lhe estendia entre panos ainda úmidos de sangue, o menino que havia lhe sido prometido. Chorava de alegria. Era mais de dez anos de tentativas frustradas, de cochichos nos corredores de que tinha o ventre amaldiçoado, de preocupação do marido a pairar sobre alguma disputa futura e provável desmantelamento de seu reino, caso não conseguisse uma boa aliança através de Aurélie. Agora finalmente podia sentir-se segura ou pelo menos o que permitisse de segurança a alta mortalidade infantil daqueles tempos. Se tudo corresse bem nos primeiros anos e se a peste mantivesse-se afastada dali, era bem possível que ele chegasse a rei.
Quando levaram o bebê para Philippe, ele o carregou e foi em direção à lareira para vê-lo melhor. Não perecia nada com um prematuro, embora ele não soubesse grande coisa de prematuros, sabia de outros três bebês de termo que havia segurado anos antes. E este lhe parecia bem robusto, tanto quanto suas filhas o foram. Perscrutou os olhos cinzentos e indefinidos do recém nascido. Talvez ficassem verdes... Depois reparou nas bochechas rosadas e no cabelo negro. Aurélie tinha os cabelos assim quando nasceu e depois caíram para darem lugar a uma cabeleira loura e farta. Suspirou, antes de devolvê-lo para os braços da aia.
- Diga para a Senhora Vianca que é com muita satisfação que o nosso herdeiro carregará o nome do meu avô. Ele vai se chamar Fernand Gautier. - A moça assentiu e saiu silenciosamente, fechando a porta logo atrás de si.
Os meses passaram e a desconfiança aumentava para Philippe. Os cabelos do pequeno Fernand cresciam ainda mais escuros e formavam pequenos caracóis nas pontas. Procurava em vão a lembrança de algum parente a quem tivesse puxado e pela sua parte não fora. Os olhos eram de fato verdes como os de sua mãe e por mais que procurasse parecenças entre eles, sentia ao invés disto, uma raiva crescente em direção à alegria incontida de Vianca. Sabia que a mulher tivera amantes, durante sua vida conjugal ele não fizera questão de conquistar sua simpatia, muito menos o seu corpo. No entanto ela tinha conhecimento de que seus casos, tanto como os dele, tinham de ser discretos e mais ainda, não poderiam nunca lhe trazer um bastardo à porta. No fundo sabia que aquele menino não era seu, mas e agora: continuava com a farsa ou ameaçava tudo que sua linhagem conquistara até então? À medida que as pessoas iam tomando ciência da aparência do futuro rei, cresciam rumores de que este podia não ter legitimidade para reinar. Já cansado de ser alvo de intrigas, Philippe encostou literalmente Vianca à parede.
- Não sei do que o Senhor está falando. Este filho é teu, o sangue dos Bourdignon e Gautier lhe corre nas veias!
- Vou perguntar pela última vez antes de eu mesmo começar a apunhalar tuas criadas pessoais. - Calmamente o homem retirou a adaga e depositou no leito da esposa. Vianca tinha os cabelos soltos e suados, seu peito pulsava ao ritmo do galope de um garanhão selvagem. - Quem é o pai deste menino?
- Posso contar, mas o Senhor promete-me que não irá matá-lo?
- Prometo.
- Foi Stephane... - A mulher deixou cair o seu nome no silêncio carregado da expectativa do marido.
- Desgraçado...como pôde? - Esbravejou o rei ferido de forma fatal em seu orgulho. Poderia esperar de qualquer um, de François, o capelão, de Marc, o chefe da guarda, de qualquer camponês ou harpista, mas nunca dele... Jamais dele... Especialmente ele a quem confiava sua própria vida, suas filhas e seu espólio. Na verdade parte dele sabia, o rapazinho puxava-lhe o tamanho e muito de suas expressões. Se passasse mais tempo com ele, teria chegado a esta conclusão sem ao menos ter de perguntar à Vianca. Guardou novamente a adaga com os olhos pregados no rosto pálido de sua algoz: Vou matá-lo.
- M...mas tinhas dado a tua palavra de honra que não farias nada...
- E não vou fazer nada...ao menino. Já ao pai...nunca te alimentei esperanças, minha Senhora. Tu mesma é que o fizeste. - disse isto e saiu com meia dúzia de homens para além dos muros altos e sombrios. E a rainha desconfiava que o coração do marido jazia igualmente em um fosso tão fundo quanto o que separava o mundo do castelo de pedra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário