sábado, 2 de fevereiro de 2013

A filosofia do "eu podia tar"

A porta abre e um monte de gente sobe e desce. O motor arranca e seguimos o trajeto. Quando volto a olhar a paisagem pela janela, escuto uma voz que à princípio luta para se destacar ante as demais. Às vezes olho para trás, às vezes não. Sofro de vergonha alheia, não te contei? A voz continua, a firmeza depende do número de vezes que já se fez aquilo.
"Eu podia tar matando, eu podia tar roubando, mas eu to aqui pedindo uma atenção de vocês para o meu problema que é bla bla bla....bla bla bla". Todos tem histórias muito tristes para contar. Filhos aleijados, pais doentes, mulher morrendo no hospital, ou até eles próprios se apresentam como portadores do vírus da Aids. Só querem um pouco de atenção e moedas. 
Desta vez eu olho para o marido e digo: vai decorando o teu repertório para que se nada der certo, já sabes! Ele começa a ensaiar no meu ouvido: madames et monsieurs... Eu rio. Um pouco culpada, porque lá no fundo sou moça inocente que dá um voto de verdade aquela novela mexicana destas vozes anônimas. E parece pecado rir da desgraça alheia mesmo que inventada.
Deve se ter muito desespero ou cara de pau para ir destrinchando este canavial de doenças e fome e dificuldades. Eu não faria, mesmo que o destino me reserve um sub emprego em uma fábrica ou ser empregada na casa de alguém. Mas nunca faria uma coisa destas se não estivesse em  genuíno desespero. Há talvez quem de fato esteja, mas estes são poucos. O que nos deparamos são mais com aqueles que fazem da mendicância um modo de vida, e mais que se esforçar para um trabalho digno, permanecem ali a pedir, a nos esfregar a miséria (fingida?), em uma forma de nos fazer sentir culpa pela vida boa que levamos. 
Hoje foi uma mulher de uns trinta anos e meio, com dois filhos, um pela mão e outra no colo. Depois de declamar o seu sofrimento tão bem ensaiado e de monótona entonação, recolheu as moedas e saiu a sorrir e a brincar na próxima estação. Se por um lado meu lado crítico a olha de soslaio, por outro fico feliz que ao menos a vida real não lhe parece ser tão madrasta assim.

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